Nova onda de crescimento da região traz o desafio: o que a sociedade quer para o futuro do litoral?
PRISCILA SIQUEIRA
ESPECIAL PARA O VALE
O Litoral Norte do Estado de São Paulo é antigo na história da colonização brasileira. Nas areias das praias de Ubatuba, Anchieta escreveu seus Poemas à Virgem. O Casarão do Porto, nesse município, foi sede de uma das primeiras alfândegas do país. O convento de Nossa Senhora da Ajuda , no bairro de São Francisco em São Sebastião, cuja construção teve início no final do século 16, é considerado o patrimônio franciscano mais íntegro em todo Estado de São Paulo. O município-arquipélago de Ilhabela foi famoso pela opulência de seus engenhos de cana de açúcar.Porém, alguns fatores foram decisivos para a decadência econômica dessa região no período que se estendeu da segunda metade do século 19 até meados do século 20.
Primeiro a interiorização do cultivo da cana de açúcar para o Vale do Paraíba e posteriormente para outras regiões paulistas. Mas fundamentalmente, a abertura do porto de Santos com a concomitante proibição do Estado brasileiro de movimentações expressivas nos portos de São Sebastião e Ubatuba.
Mudança. Esse quadro muda radicalmente com a vinda da Petrobrás para a região no início da década de 60 do século passado, assim como a construção da rodovia BR-101, a Rio- Santos, que incentivou o turismo no litoral.
Vê-se, então, ao lado do desenvolvimento econômico, ocorrer uma grande especulação imobiliária na região, a expulsão de caiçara --o caboclo do litoral-- de sua terra, a privatização das praias, a ocupação desordenada do solo.
Atualmente o Litoral Norte paulista enfrenta novo desafio com a implantação de novas instalações da Petrobrás, não mais em São Sebastião –onde está situado o maior terminal marítimo de derivados líquidos de petróleo da América Latina-- mas com a construção da unidade de tratamento de gás natural do Poço do Mexilhão, em Caraguatatuba.
Nas diversas discussões realizadas com a sociedade civil da região, técnicos e professores universitários fizeram projeções de que Caraguatatuba terá sua população dobrada a partir da construção e operação dessa base e o município de São Sebastião sofrerá um aumento de 50%na sua população fixa. Uma coisa é verdade: difícil encontrar casa ou apartamento para comprar ou alugar em qualquer desses municípios onde os preços dos imóveis atingiram cifras tidas como exorbitantes.
A duplicação da Rodovia dos Tamoios, a SP-99, é considerada por muitos como irreversível para atender à tão prometida expansão do porto de São Sebastião, à base de gás de Caraguatatuba e ao turismo desse litoral.
Interessante notar que a possibilidade --antes cogitada - da construção de estrada de ferro dando acesso ao porto sebastianense que evitaria a especulação imobiliária ao longo de seu trajeto, parece ter sido esquecida.
Legislação. A legislação federal de 2001, pelo Estatuto da Cidade, exige que as legislações urbanas estejam ajustadas às exigências desse instrumento legal. Uma dessas exigências é o zoneamento ambiental dos municípios.
Por sua vez, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo, prevê que a expansão as atividades econômicas e de urbanização tenham proteção ambiental e ordenação territorial.
Para muitos, o adensamento e a verticalização são as soluções para o problema de moradia no Litoral Norte.
Claro que o desafio é grande e complexo, uma vez que são poucas as áreas de possível ocupação na região litorânea, sendo que ela se dá de forma diferente nos diversos municípios desse litoral.
A famosa tragédia de Caraguatatuba, em 1967, só superada em número de vítimas fatais pelo cataclismo semelhante ocorrido na Serra do Mar no estado do Rio de Janeiro no mês de janeiro, nos mostra a fragilidade desse solo e a precaução que se deve ter na sua ocupação.
Uma coisa, porém é certa: antes que se repita o estouro da boiada, o vale tudo imobiliário, Estado e sociedade civil tem de juntos refletir sobre o que querem para o futuro da região.
Caso contrário a História se repetirá: lucro nas mãos de poucos e muita devastação ambiental com a perda de vidas humanas para se chorar sem qualquer chance de volta.
Patrimônio. Afinal, o Litoral Norte é uma região privilegiada, já que dos cinco patrimônios ambientais de nossa Constituição de 88 --Zona Costeira; Serra do Mar; Mata Atlântica; Amazônia e Pantanal—somente os dois últimos não se inserem nessa região.
Há que se ter muito carinho e cuidado com o Litoral Norte.
Priscila Siqueira é jornalista no Litoral Norte
IMPACTO
A onda de crescimento anterior expulsou o caiçara de sua terra e privatizou as praias do Litoral Norte.
HISTÓRIA
O Litoral Norte faz parte da história do Brasil; em Ubatuba, Anchieta escreveu na areia seus Poemas à Virgem.
EDUCAÇÃO
Texto sobre escola vira debate na web O artigo do professor Mauro Castilho Gonçalves, sobre escola em tempo integral, na seção Debates de ontem, gerou uma troca de ideias entre os leitores de O VALE na internet. Professores defenderam uma melhor remuneração para a classe e pais, preocupados, questionaram a qualidade da escola pública e a prioridade que o Estado dá à Educação.l
“Já está difícil encontrar uma casa ou apartamento para comprar ou alugar em São Sebastião e Caraguatatuba” PRISCILA SIQUEIRA JORNALISTA
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