Eis uma outra questão controversa de natureza constitucional e eleitoral. Tenho dito em artigos anteriores que o Direito Eleitoral é bastante “inconstante”. Isto porque o ordenamento jurídico objetivo existente, ou nasceu em momentos casuísticos, passando por inexistência de normas que esgotassem a matéria, mesmo após a edição da Lei 9.504/97. Hoje todo o ordenamento é uma “colcha de retalhos” – Código Eleitoral, Lei de Inelegibilidades, Lei Eleitoral (só para citar as principais) – de tal forma ou confusa, ou prolixa, que os operadores do direito – principalmente os que detém a competência judicante - precisam “interpretar” os textos. O ideal seria se a objetividade e clareza dos enunciados não exigissem tanto dos magistrados a necessidade de “interpretar para decidir”. No Direito Eleitoral isto tornou-se “cultural” de tal forma que, inconscientemente, todos os seus operadores (advogados, magistrados, juristas,) assimilaram este “modus operandi intelectual” para formarem sua convicção jurídica diante de temas eleitorais. Qual é a bola da vez? Trata-se da questão relativa ao número de cadeiras das Câmaras de Vereadores. A Constituição Federal, no texto original determinava um número de vereadores “proporcional” à população. Em face da autonomia municipal, reconhecia-se a legitimidade das Leis Orgânicas Municipais na definição do número de suas cadeiras legislativas. Como o Congresso Nacional não editava lei infra-constitucional que regulamentasse de forma definitiva e sobretudo – isonômica – essa questão, o Tribunal Superior Eleitoral editou uma Resolução (que não é lei) – a de n. 21.702 fundamentado em decisão do Supremo Tribunal Federal no RE n.197.917 (ano de 2.004) que julgou inconstitucional lei orgânica municipal (município de Mira Estrela/SP) que tinha estabelecido número de vereadores que contrariava a Resolução do T.S.E. Dessa forma São Sebastião passou a ter 10 cadeiras e não mais 15 (como estava definido na lei orgânica municipal). Como está essa questão, hoje? Em 2.009 a Emenda Constitucional n.58 deu nova redação ao inciso IV do artigo 29 da Constituição Federal, retirando a expressão “proporcional” (acima grifada), e definindo 24 faixas (vide tabela abaixo). Para ilustrar utilizando-se o nosso município de São Sebastião, a faixa que nos cabe é a que determina o número de 15 vereadores para uma população acima de 50.000, até 80.000 habitantes. Pois não é que mesmo assim há advogados que interpretam – vejam, interpretam mais uma vez - que o texto constitucional “quer dizer” que ainda caberia às Leis Orgânicas Municipais a competência na definição do número de cadeiras em seus legislativos, “dentro” dos limites (inferior e superior) de cada faixa? Essa “interpretação” levaria a um seguinte exemplo: um município de até 15.000 habitantes poderia ter UM, ou DOIS, ou TRÊS...vereadores!!! Esses “juristas” alegam que a autonomia municipal permitiria essa inusitada situação. Ora – digo eu, sem nenhuma arrogância - quando o art.18 e o caput do artigo 29 da C.F. consagram a autonomia municipal, como é óbvio, essa autonomia é limitada e submete-se aos limites e princípios da constituição federal. Portanto, as faixas relacionadas na Emenda Constitucional n.58/2009 definem o MESMO e ÚNICO número de vereadores dentro das respectivas faixas, igualmente para TODOS os municípios brasileiros. Portanto, p.ex., todo município que estiver entre “acima de 50.000 até 80.000 habitantes” só poderá ter 15 vereadores. Nem menos, nem mais. Não teria nenhum sentido – nem teleológico e nem mesmo lógico – confundir-se o conceito de “autonomia municipal” e, em face desse equívoco produzir-se uma insegurança jurídica tão descabida. Mesmo porque, se assim fosse não seria necessário a Emenda Constitucional n.58. Bastaria que as leis orgânicas municipais definissem ao seu bel prazer – nos limites constitucionais então existentes, o número de cadeiras de vereadores. De qualquer forma, como afirmei no início deste artigo “eis mais uma controvérsia no nosso (ainda) confuso Direito Eleitoral objetivo”. Veremos como os Tribunais Superiores decidirão mais um desnecessário
“ imbróglio”.
PAULO ROBERTO MACHADO GUIMARÃES
Advogado