GACC - Grupo de Assistência à Criança com Câncer

GACC - Grupo de Assistência à Criança com Câncer
Desde o início de suas atividades, em 1996, o GACC - então Grupo de Apoio à Criança com Câncer - existe para aumentar a expectativa de vida e garantir a oferta e a qualidade global do tratamento oferecido integral e indistintamente a crianças e jovens com câncer, diagnosticados com idades entre 0 e 19 anos incompletos, independente de sexo, cor, religião ou posição socioeconômica.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Eleições 2014: pesquisa indica empate técnico entre Crivella, Pezão e Garotinho (RJ)

http://videos.r7.com/eleicoes-2014-pesquisa-indica-empate-tecnico-entre-crivella-pezao-e-garotinho-rj-/idmedia/5418c1ae0cf238a2720148f6.html

Microempreendedor individual nas contratações públicas: Algumas peculiaridades (atualizado com a LC nº 139/2011)

A Lei Complementar nº 128/2008, que alterou a LC nº 123/06 (Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte), criou a figura do Microempreendedor Individual - MEI. Segundo esse normativo, considera-se MEI o empresário individual a que se refere o art. 966 do Código Civil Brasileiro “que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 60.000,00[1] (sessenta mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista” no art. 18-A da LC nº 123/06.
Em complemento, de acordo com a Resolução nº 16/2009 do Comitê para Gestão da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM, será enquadrado como MEI o empresário referido no art. 966 do CC e que atenda cumulativamente às seguintes condições:
I – tenha auferido receita bruta conforme estabelecido nos §§ 1º ou 2º do art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 2006;
II – seja optante pelo Simples Nacional;
III – exerça tão somente atividades permitidas para o Microempreendedor Individual conforme Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional;
IV – não possua mais de um estabelecimento;
V – não participe de outra empresa como titular, sócio ou administrador;
VI – possua até um empregado que receba exclusivamente um salário mínimo ou o piso salarial da categoria profissional.”
Definido o enquadramento legal conferido ao Microempresário Individual, cabe avaliar a sua participação nas contratações públicas.
Cabe destacar que, a princípio, para fins de licitação, o MEI equipara-se à figura do empresário individual. O empresário individual, em regra, no procedimento licitatório, se apresenta diante da Administração como pessoa física, a qual deverá estar inscrita no Registro Comercial (art. 28, II, da Lei nº 8.666/93), expedido em conformidade com os artigos 967 e 968 do Código Civil, visando demonstrar a regularidade da atividade empresarial exercida por ele (empresário individual).
Dessa forma, a Administração deverá exigir do MEI, para fins de habilitação em processo de contratação pública os documentos previstos entre os artigos 28 a 31 da Lei de Licitações no que couber, ou seja, os documentos que são normalmente exigidos das pessoas físicas que participam de licitação e outros documentos especificamente emitidos aos MEI.
No que tange à habilitação jurídica, a Lei de Licitações, art. 28, II, determina que será exigida do empresário individual comprovação do registro comercial. Logo, sendo o MEI equiparado a essa figura jurídica, surge a obrigação do registro em Junta Comercial.
No entanto, a Administração deve estar ciente das atualizações tecnológicas e normativas infralegais que, na maioria das vezes, não são acompanhadas pela Lei nº 8.666/93.[2]
Dentro desse contexto, é necessário atenção acerca da habilitação jurídica dos Microempreendedores Individuais.
Atualmente, a formalização do MEI não exige a entrega de qualquer documento físico às juntas comerciais. Em atenção à Lei nº 11.598/2007[3] e Resolução nº 16/2009 do CGSIM, a formalização desses empresários passou a ser disponibilizada integralmente em ambiente virtual, por meio do sítio www.portaldoempreendedor.gov.br, de forma gratuita. Após a realização desse cadastro, o CNPJ, a inscrição na junta comercial e no INSS, e o alvará provisório de funcionamento são obtidos imediatamente, gerando um documento único, que é o Certificado da Condição de Microempreendedor Individual (CCMEI), conforme informações contidas na seção de Perguntas e Respostas no próprio portal do empreendedor.
Tal procedimento está devidamente normatizado no art. 3º da Resolução nº 16/2009 do CGSM, transcrito a seguir:
Art. 3º O processo de registro, alteração, baixa e legalização do MEI observará as disposições da Lei nº 11.598, de 3 de dezembro de 2007, da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, alterada pela Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008, da Lei n. 12. 470, de 01 de setembro de 2011, da Lei Complementar n. 139, de 11 de novembro de 2011, assim como as seguintes diretrizes específicas: (Redação dada pela Resolução CGSIM nº 26, de 8 de dezembro de 2011)
I - constituir-se a implementação da formalização do Microempreendedor Individual na primeira etapa de implantação da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios - Redesim;
II - incorporar automação intensiva, alta interatividade e integração dos processos e procedimentos dos órgãos e entidades envolvidos;
III - integrar, de imediato, ao Portal do Empreendedor, processos, procedimentos e instrumentos referentes à inscrição do Microempreendedor Individual na Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB e nas Juntas Comerciais;
IV - integrar, gradualmente, ao Portal do Empreendedor, processos, procedimentos e instrumentos referentes à inscrição do Microempreendedor Individual no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, e à obtenção de inscrição, alvarás e licenças para funcionamento nos órgãos e entidades estaduais e municipais responsáveis pela sua emissão;
V - deverá ser simples e rápido, de forma que o MEI possa efetuar seu registro, alteração, baixa e legalização por meio do Portal do Empreendedor, dispensando-se completamente o uso de formulários em papel e a aposição de assinaturas autógrafas; (Redação dada pela Resolução CGSIM nº 26, de 8 de dezembro de 2011)
VI – não haver custos para o Microempreendedor relativamente à prestação dos serviços de apoio à formalização, assim como referentes às ações dos órgãos e entidades pertinentes à inscrição e legalização necessárias ao início de funcionamento de suas atividades, conforme estabelecido no § 3º do art. 4º da Lei Complementar nº 123, de 2006;
VII - Revogado; (Redação dada pela Resolução CGSIM nº 26, de 8 de dezembro de 2011)
VIII - possibilitar o funcionamento do Microempreendedor Individual imediatamente após as inscrições eletrônicas na Junta Comercial e no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), mediante a sua manifestação, por meio eletrônico, de concordância com o conteúdo do Termo de Ciência e de Responsabilidade com Efeito de Alvará e Licença de Funcionamento Provisório;
IX - disponibilizar ao empreendedor, para impressão, via eletrônica do Certificado da Condição de Microempreendedor Individual, documento hábil para comprovar suas inscrições, alvarás, licenças e sua situação de enquadramento na condição de Microempreendedor Individual perante terceiros, ficando a sua aceitação condicionada à verificação de sua autenticidade na Internet, no endereço http://www.portaldoempreendedor.gov.br.

Importante destacar no dispositivo anteriormente transcrito o inciso IX que prevê a disponibilização de documento eletrônico hábil a comprovar perante terceiros a condição de MEI, ficando a sua aceitação condicionada à verificação de sua autenticidade na Internet. Esse é o CCMEI, o mesmo documento gerado quando do cadastro do empresário.
Assim, mediante a apresentação desse documento durante o procedimento licitatório, seria cumprida a exigência do art. 28, II, da Lei de Licitações de forma adequada à nova realidade de boa parte dos empresários individuais, anteriormente só previstos no Código Civil. Ademais, com a entrega desse único documento (CCMEI) o empresário atende, além dos requisitos de habilitação jurídica, às obrigações fiscais e trabalhistas a terem comprovadas o cumprimento, conforme art. 29 da lei.
Observe que o próprio dispositivo condiciona força probatória do documento à verificação de autenticidade na internet. Com isso, a Administração quando do recebimento do Certificado de condição de Microempreendedor Individual, poderá verificar a autenticidade do documento no site www.portaldoempreendedor.gov.br, bastando digitar o CPF e data de nascimento do empresário nos campos indicados.
Outro aspecto importante diz respeito à qualificação econômico-financeira previstas no inciso I do art. 31 do estatuto de licitações públicas.
Os empresários individuais e MEIs estão dispensados de manter contabilidade formal, a exemplo do que se exige, em regra, das sociedades empresárias. Portanto, esses empresários não possuem livro diário ou livro caixa, sendo que a exigência por parte da Administração pela apresentação de “balanço patrimonial e demonstrações contábeis”, forçaria tais indivíduos a suportar ônus que foi dispensado pelos normativos que formam o regime jurídico do Microempreendedor Individual.
Forçoso reconhecer que os MEIs estão desobrigados de produzir balanço patrimonial com espeque no próprio Código Civil que em seu § 2º do art. 1.179[4] dispensa o “pequeno empresário” de tais obrigações. Já o art. 68 da LC nº 123/06 define o pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 do referido código, “o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual até o limite previsto no § 1º do art. 18-A.”.
Por sua vez, o art. 18-A, § 1º, da LC nº 123, considera o MEI o empresário individual que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), optante pelo Simples Nacional. Portanto, a definição de MEI se enquadra dentro da definição do “pequeno empresário” e, assim, está dispensado da elaboração do balanço patrimonial.
Assim, qual seria a medida cabível? Exigir que os MEIs produzam tais documentos, mesmo que a norma os tenha dispensado de tal obrigação, sob pena de desclassificação da licitação?
Não seria esse o entendimento consoante ao art. 37, XXI, da Constituição da República que determina que as exigências de qualificação técnica e econômica serão as indispensáveis á garantia do cumprimento das obrigações.
Nessa linha, o Comitê Gestor do Simples Nacional, tendo recebido sua competência diretamente da lei, regulou a matéria, permitindo a máxima simplificação das obrigações contábeis, o que resultou na disposição do art. 97 da citada Resolução n. 94/2011:
Art. 97. O MEI: (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 26, §§ 1º e 6º, inciso II).
I - fará a comprovação da receita bruta mediante apresentação do Relatório Mensal de Receitas Brutas de que trata o Anexo XII , que deverá ser preenchido até o dia 20 (vinte) do mês subsequente àquele em que houver sido auferida a receita bruta;
II - em relação ao documento fiscal previsto no art. 57, ficará:
a) dispensado da emissão:
1. nas operações com venda de mercadorias ou prestações de serviços para consumidor final pessoa física;
2. nas operações com mercadorias para destinatário inscrito no CNPJ, quando o destinatário emitir nota fiscal de entrada;
b) obrigado à sua emissão:
1. nas prestações de serviços para tomador inscrito no CNPJ;
2. nas operações com mercadorias para destinatário inscrito no CNPJ, quando o destinatário não emitir nota fiscal de entrada.
§ 1º O MEI fica dispensado da escrituração dos livros fiscais e contábeis, da Declaração Eletrônica de Serviços e da emissão da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), ressalvada a possibilidade de emissão facultativa disponibilizada pelo ente federado. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º; art. 26, § 2º). (Destacou-se.)
Assim, nos termos da LC n. 123/06 regulamentada pela Resolução n. 94/2011, o microempreendedor individual está dispensado da elaboração dos livros ficais e contábeis. Nessa medida, pode-se chegar à conclusão de que sendo o balanço patrimonial um demonstrativo contábil a ser lançado no livro contábil, e estando o MEI dispensado deste livro, então não há que se exigir balanço patrimonial, bem como outras demonstrações contábeis, para fins concorrenciais.

Notas

[1] Valor atualizado pela LC nº 139/2011.
[2] E nem se poderia esperar isso, já que esse estatuto se destina a disciplinar normas gerais de licitação, não devendo descer a minúcias do processo licitatório em si.
[3] “Estabelece diretrizes e procedimentos para a simplificação e integração do processo de registro e legalização de empresários e de pessoas jurídicas, cria a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – REDESIM”
[4] Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
[...]
§ 2º É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.

A empresa tem personalidade jurídica?

1 – INTRODUÇÃO

Quotidianamente, no senso comum ou no meio forense, a empresa, parafraseando ASQUINI, é tratada como um fenômeno poliédrico, isto é, como se o vocábulo tivesse diversos significados. Ora é utilizada com o sentido de pessoa (a empresa Ré; a empresa Autora; a empresa demitiu 10 funcionários), ora no sentido de lugar (vou à empresa) e, ainda, como atividade (tenho uma empresa de transportes).
Será que, juridicamente, a empresa tem esse perfil polissêmico? No que interessa: (i) a empresa tem personalidade jurídica? Ou (ii) a empresa é uma pessoa jurídica? São essas as perguntas que este ensaio busca responder.
Inicialmente, será abordada a compreensão de personalidade jurídica. Depois, se analisará a Teoria da Empresa adotada no Código Civil vigente. Então, o sentido jurídico de empresa será enfocado, para, finalmente, elaborar-se uma conclusão.

2 – A PERSONALIDADE JURÍDICA

Existem duas pessoas no Direito brasileiro. A pessoa natural, qualificação jurídica do ser humano, e a pessoa jurídica, etiqueta que o ordenamento atribui a certos entes, com o fim de incrementar as relações jurídicas.
Conforme FIÚZA (2007, p. 123), “as pessoas, naturais ou jurídicas, são os sujeitos dos direitos subjetivos. É em sua função que existe a ordem jurídica”.
É a personalidade que atribui a qualificação de pessoa aos sujeitos de direito.
NERY JÚNIOR e NERY (2008, p. 199) anotam, de maneira bastante didática, que sujeito de direito: “é a pessoa, ou seja, o ente dotado de personalidade. A personalidade civil (CC 2º), ou simplesmente, personalidade, é a qualidade de quem é pessoa (...)”.
O ser humano é pessoa natural exatamente por sua condição de ser humano. Leciona MAMEDE, contudo, que não se confundem ser humano com pessoa, porquanto aquele é um “conceito biológico, ao passo que o conceito de pessoa, para o Direito, indica o sujeito com capacidade de titularizar direitos e deveres” (MAMEDE, 2004, p. 59).
Em relação às pessoas jurídicas, ensina o mesmo MAMEDE que o Direito cunhou, a partir de previsão legal, “o artifício de se permitir que o traje ou véu da personalidade jurídica fosse atribuído a entes não humanos” (MAMEDE, 2004, p. 61).
A personalidade civil da pessoa natural inicia-se com o nascimento com vida (art. 2º, do CC). A existência legal da pessoa jurídica com a inscrição dos seus atos constitutivos no órgão público respectivo (arts. 45 e 1.150, ambos do CC/02).
O art. 44 do Código Civil traz o rol das pessoas jurídicas de direito privado existentes entre nós.
Encontram-se arroladas, em seus 6 (seis) incisos: (I) associações, (II) sociedades, (III) fundações, (IV) partidos políticos, (V) entidades religiosas e a novel (VI) EIRELI (empresa individual de responsabilidade limitada).
Embora seja certo que aludidas hipóteses sejam meramente exemplificativas (Jornada III STJ 144), não  menos certo é que para ser pessoa jurídica é fundamental que o Direito confira, expressamente, tal qualificação (por todos: NERY JÚNIOR e NERY, 2008, p. 199, item 3).
Assim, a personalidade dos entes de existência ideal (cf. TEIXEIRA DE FREITAS) – as pessoas jurídicas – decorre de um reconhecimento do Ordenamento, é dizer, somente será pessoa jurídica a figura expressamente enunciada como tal pelo Direito Positivo.
Vale, de logo, um parêntese. A empresa não está arrolada no art. 44 do CC/02. “A propósito”, observa ROCHA FILHO (2004, p. 55), “o novo Código Civil, a exemplo do anterior, ao definir as pessoas jurídicas de direito privado (art. 44), ali não incluiu as “empresas””.
Enfim, existem duas pessoas, dois sujeitos de direito: (i) a pessoa natural e (ii) a pessoa jurídica. E mais. Somente será pessoa jurídica o ente ao qual o Direito expressamente outorgar tal qualificação.

3 – A TEORIA DA EMPRESA

Para apresentar a Teoria da Empresa é necessário, precedentemente, discorrer, em brevíssimas linhas, sobre a evolução histórica do Direito Comercial/Empresarial, o qual, segundo a corrente majoritária, passou por três fases evolutivas.
A primeira fase, designada de subjetivista, tinha como pano de fundo a figura do comerciante. A segunda, objetivista, fundeava-se nos atos de comércio. A terceira e atual, taxada de subjetivista moderna, baseia-se na empresa. Veja-se amiúde.
O Direito Privado, de orientação romanística, somente contemplava o Direito Civil. Os comerciantes, por necessidade, criaram um direito próprio, à margem do comum, para regular a atividade que exploravam – o comércio – e que florescia naquele período histórico (a Idade Média). Surge o Direito Comercial (é a primeira fase).
Com a Revolução Francesa, substitui-se o critério subjetivo, do comerciante, por um critério objetivo, os atos de comércio. É dizer, todos que praticassem atos de comércio (um rol de atividades econômicas) teriam acesso aos benefícios do Direito Comercial. Trata-se da segunda fase.
RUBENS REQUIÃO (2008, p. 12), em clássica passagem, considerava que “o sistema objetivista, que desloca a base do direito comercial da figura tradicional do comerciante para os atos de comércio, tem sido acoimado de infeliz, de vez que até hoje não conseguirem os comercialistas definir satisfatoriamente o que sejam eles”.
O vigente Código Civil inaugura, de lege lata, a terceira e atual fase do Direito (agora) Empresarial. A dicotomia civil/comercial, baseada na Teoria dos Atos de Comércio, restou superada pela noção de empresa e empresário. Agora civil/empresarial.
A Teoria da Empresa, de inspiração italiana, adotada pelo Código Reale, marca a nova quadra do Direito Privado. Mas do que se trata essa teoria? Resumidamente, (i) elevou a empresa ao ponto central da disciplina; (ii) passa a adotar um conceito único de empresa; e (iii) é o novo marco divisório do Direito Privado.
REQUIÃO (2008, p. 15) assevera que “os autores modernos acolhem o novo conceito como básico do direito comercial”. E completa (idem, ibidem): “o direito comercial [deve ser tratado] como ordenamento destinado a estabelecer a disciplina jurídico-privada das empresas”.
Assim também COELHO (2013, p. 34), para quem “o núcleo conceitual do direito comercial deixa de ser o “ato de comércio”, e passa a ser a “empresa””.
“Nosso Direito Comercial”, acentua ROCHA FILHO (2004, pp. 15/16), procurador aposentado da JUCEMG, “se afastou, assim, da teoria dos atos de comércio, criada pelos franceses, e abraçou a teoria da empresa, criada pelos italianos”.
TAVARES BORBA (2004, p. 13), ao discorrer sobre a dicotomia do direito societário, que se aplica às inteiras a este estudo, diz que: “a teoria da empresa passa então a informar a nova distinção, que se baseia na existência ou não de uma estrutura empresarial [empresa], para assim classificar as sociedades em sociedades empresárias e sociedades simples”.
E, conforme BERTOLDI (2013, p. 32), “não resta dúvida de que nosso direito passa a adotar definitivamente a teoria da empresa”.
Com efeito, a partir do Código Civil, a empresa é erigida ao centro da disciplina. Se há empresa, aplica-se o Direito Empresarial. Caso não esteja presente, aplica-se o Direito Civil.
“Com isso”, adverte o professor ROCHA FILHO (2004, p. 15), “mudou-se o foco do Direito Comercial: o que interessa, agora, é a empresa (atividade econômica organizada), exercida, profissionalmente, por um empresário ou por uma sociedade empresária (para a produção ou a circulação de bens ou de serviços) e não mais a prática de atos de comércio”.
Vale relembrar que no regime anterior essa distinção se dava a partir dos atos de comércio. Se a pessoa praticasse alguma das atividades elencadas nos atos de comércio, faria jus ao Direito Comercial. Caso contrário, Direito Civil.
No regime atual e a partir desse novo eixo gravitacional, será a presença ou não da empresa que determinará a incidência do Direito especial (Empresarial) ou do Direito comum (Civil).
Enfim, a Teoria da Empresa marca a nova e moderna face do Direito Empresarial, o arcabouço legal da empresa e do empresário.

4 – A EMPRESA

No final do Século XIX, os estudiosos voltaram suas atenções para esse fenômeno crescente. A indagação logo os assaltou: o que é a empresa? Qual o seu sentido jurídico?
Destacaram-se os estudos de ALBERTO ASQUINI, intitulado “Os Perfis da Empresa”. A partir de uma análise da legislação italiana, o autor concluiu que, para o Direito, a empresa não tinha um significado, mas quatro (os quatro perfis da empresa!). Interessantíssimo notar que as acepções encontradas coincidiam – coincidem! – com o sentido vulgar do vocábulo. É dizer, (1) empresa como pessoa ou empresário (perfil subjetivo); (2) empresa como objeto ou estabelecimento (perfil objetivo); (3) empresa como atividade (perfil funcional); e (4) empresa como uma corporação (perfil corporativo) (cf. GONÇALVES NETO, 2008, p. 49).
O magistral CESARE VIVANTE rebateu a conclusão de ASQUINI, asseverando que empresa não pode se confundir com o empresário, nem com o estabelecimento e, muito menos, com uma corporação (união do empregador com os empregados).
Logo, soçobraram três dos sentidos (ou perfis) encontrados por ASQUINI, a partir da crítica de VIVANTE, restando como o sentido de empresa, para o Direito, a atividade. De tal affair surgiu o conceito jurídico de empresa, que corresponde ao seu perfil funcional. Assim, a empresa é a atividade explorada pelo empresário.
Segundo ROCHA FILHO (2004, p. 57), “começaram os comercialistas a pesquisar o conceito de empresa”, concluindo que “empresa significava “repetição de atos praticados a título profissional”.  “Por outras  palavras, significava “atividade””.
Essa a compreensão que grassou no Direito italiano e, por manifesta inspiração, no Direito brasileiro (cf. BERTOLDI, 2013, pp. 31 e 54).
Como no Codice Civile de 1942 (Itália), o Código Civil de 2002 não traz o conceito de empresa, o qual é extraído da definição de empresário prevista no art. 966, segundo o qual: “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
Elucida GONÇALVES NETO (2008, P. 68) que:
Não houve preocupação de enunciar um conceito de empresa. No entanto, em diversas passagens dos dispositivos que o compõem, há referência ao vocábulo, nelas destacando-se sempre o significado funcional, registrado por ASQUINI, o que, aliás, pode ser também extraído do próprio conceito legal de empresário contido no art. 966, qual seja, o de atividade organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços.
COELHO (2013, p. 35) é peremptório:
Empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa).
Essa atividade, conforme se extrai da norma do art. 966, do CC/02, pode ser de (i) indústria, (ii) comércio ou (iii) prestação de serviços.
BERTOLDI (2013, p. 54), didaticamente, afirma que “empresa é a atividade desenvolvida pelo empresário”. E exemplifica, a partir de uma indústria de automóveis (idem, pp. 54/55): “o empresário, nesse caso, será a sociedade que tenha por objeto social a fabricação de automóveis e a empresa desenvolvida por este empresário (a atividade) é a construção de automóveis”.
De fato, como o comércio era a atividade do comerciante, a empresa é a atividade (econômica organizada) do empresário.
Nessa margem, a lição de VERÇOSA (2004, p. 139), para quem o “empresário é o titular da empresa, ou seja, aquela pessoa natural ou jurídica a quem ela é imputável. Isto quer dizer, que é empresário quem efetivamente exerce a empresa, fazendo-a atuar no mundo jurídico, nele assumindo direitos e obrigações”.
Da legislação recente, extraem-se três dispositivos, dentre outros, que apontam essa mesma direção: art. 1.142 do CC/02; e arts. 1º e 47 da Lei 11.101/05 (de Lei de Recuperação e Falências). Do primeiro, ao definir estabelecimento, marca-se que se trata do conjunto de bens que o empresário (sujeito) reúne para explorar a sua empresa (atividade). Do segundo (art. 1º da LRF), quem são os beneficiários do diploma, ou seja, o empresário e a sociedade empresária (deve-se incluir, evidentemente, a EIRELI); logo, nada de empresa como pessoa. O último evidencia que a recuperação busca a “preservação da empresa”, como a atividade econômica organizada geradora de riquezas.
É importante destacar, por fim, que a empresa (atividade econômica organizada) pode ser explorada por três sujeitos distintos, por três pessoas diversas, sendo uma natural e duas jurídicas, que são os titulares de direitos e obrigações:
  1. o empresário individual: pessoa natural, previsto no art. 966;
  2. a sociedade empresária: pessoa jurídica, estatuída no art. 982; ou
  3. a EIRELI: nova pessoa jurídica, contemplada no art. 980-A.
Esses os figurinos legais possíveis (por todos: GOMES, 2013, pp. 37/38) para quem desejar desempenhar essa importante atividade, geradora de riquezas (tributos, empregos e as utilidades).
Em suma, não restam dúvidas de que o Direito brasileiro, filiando-se ao italiano, adota o conceito jurídico único de empresa. Para a Ciência Jurídica, empresa é a atividade exercida por esse importante ator econômico, o empresário, sob qualquer das formas acima.
De tal arte, absolutamente lícito concluir que a empresa não tem natureza de pessoa jurídica e, conseguintemente, não tem personalidade jurídica. Logo, não tem CNPJ, tampouco é jurídico dizer-se, como corriqueiro no meio forense, a “Empresa-Ré” ou a “Empresa-Autora”.

5 – CONCLUSÃO

Não se desconhece o uso atécnico do vocábulo “empresa” por todos os lados. Mesmo no ambiente forense, os protagonistas do direito utilizam-no sem rigor científico.
A personalidade jurídica é um atributo legal. As pessoas jurídicas de direito privado estão elencadas no art. 44 do Código Civil, em rol apenas exemplificativo, é verdade. No entanto, conforme demonstrado, essa etiqueta – de pessoa jurídica – depende de expressa previsão legal.
Empresa, para o Direito, é a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. É que o que se depreende do art. 966, do CC/02.
Empresa não tem personalidade jurídica, não é uma pessoa jurídica. Não se lhe outorgou tal característica. Nesse sentido, o monótono magistério doutrinário suso anotado.
São sujeitos dessa atividade: (i) empresário individual (pessoa natural; art. 966); (ii) sociedade empresária (pessoa jurídica, conforme art. 44, II, CC; e art. 982, CC); e, finalmente, a EIRELI (pessoa jurídica, conforme o art. 44, VI, CC; e art. 980-A, CC). Assim, a empresa pode ser explora por uma pessoa física (empresário) ou por pessoas jurídicas (sociedade empresária ou EIRELI).
Portanto, empresa é a ATIVIDADE explorada pelo empresário, seja individual, sociedade ou EIRELI. Não tem CNPJ, não contrata e não pode ser parte em processo!

Bibliografia

BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7ª Ed., São Paulo: RT, 2013
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – direito de empresa. V. 1. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013
FIÚZA, César. Direito civil – curso completo. 10ª Ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2007
GOMES, Fábio Bellote. Manual de direito empresarial. 4ª ed., São Paulo: RT, 2013
GONÇALVES NETO, Alfredo Assis. Direito de empresa, 2ª ed., São Paulo: RT, 2008
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro, vol.2, São Paulo: Atlas, 2004
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6ª Ed., São Paulo: RT, 2008
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 1, 27ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2008
ROCHA FILHO, José Maria. Curso de direito comercial – parte geral. 3ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2004
TAVARES BORBA, José Edwaldo. Direito societário. 9ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004

O comprador compulsivo e a anulabilidade do negócio jurídico

O propósito desses breves escritos consiste na abordagem de alguns dos efeitos jurídicos decorrentes de uma doença que, de acordo com pesquisas recentes, afeta cerca de 5% da população brasileira. Trata-se da oniomania, compulsão por compras.
Como se constata na prática da advocacia, os compradores compulsivos frequentemente recorrem ao advogado quando sofrem execução ou cobrança de dívidas contraídas em situações como esta, em decorrência da doença que lhes afeta. Dessa forma, traz-se a proposta de alguns elementos de defesa judicial a serem utilizados para assegurar a proteção e dignidade desses indivíduos. 
A oniomania está classificada pela Organização Mundial de Saúde sob o CID 10 – F 63.8. Vejamos, para uma maior compreensão deste problema, como é o comportamento e o que sofre um comprador compulsivo, conforme descrição do Dr. André Malbergier, professor do Departamento de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador do GREA, Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas:
“... No caso do comprador compulsivo, o fenômeno é muito parecido com o provocado pelas drogas. A pessoa se ilude com a sensação de que vai ao shopping não para comprar, mas para ver vitrines, ir ao cinema ou levar o filho. Como o usuário de cocaína que acha que pode ir a uma festa, mas jura que não vai usar drogas ou vai usar só um pouquinho, ela fica brigando consigo mesma – “Vou conseguir frequentar o shopping sem me endividar” -, mas não resiste sequer ao primeiro apelo. Os comportamentos compulsivos são estimulados pela facilidade de acesso à substância, no caso, o acesso às compras. Do mesmo jeito que numa festa a simples visão da cocaína pode liberar desejo incontrolável ou fissura, exposta a uma situação de compra, a pessoa tem as mesmas reações...”. Disponível em: . Acesso em: 9 jun. 2014.
Em casos como esses, a capacidade do civil do comprador compulsivo resulta claramente afetada, podendo ser aludida como tese de defesa judicial para anulação do negócio jurídico. O art. 4º do Código Civil Brasileiro assim postula:
“Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido”;
IV – os pródigos;
O oniomaníaco tem o seu discernimento reduzido, diante do negócio jurídico celebrado, pela compulsão de compra diante do objeto. Como um dos pressupostos gerais para a validade do negócio jurídico, o agente emissor da vontade deve ser provido de capacidade e, portanto, de legitimação para a celebração da relação jurídica negocial.
Casos de compradores compulsivos muitas vezes revelam ainda, como resultado, a existência da prodigalidade, que se manifesta quando o indivíduo dilapida desordenadamente todo o seu patrimônio financeiro, comprometendo fatalmente sua dignidade.
O transtorno mental do oniomaníaco não necessita ser declarado previamente de forma jurídica para que sua existência seja considerada. Tampouco necessita haver a interdição do doente como requisito para a posterior anulação do negócio jurídico. É o que parte da doutrina denomina de incapacidade natural, conforme lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho em sua obra Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral (12ª ed. 2010), fazendo remissão ao nobre jurista Silvio Rodrigues:
“Entretanto, se a alienação era notória, se o outro contratante dela tinha conhecimento, se podia, com alguma diligência, apurar a condição do incapaz, ou, ainda, se da própria estrutura do negócio ressaltava que seu proponente não estava em seu juízo perfeito, então o negócio não pode ter validade, pois a ideia de proteção à boa-fé não mais ocorre”.
Nesse mesmo sentido, foi o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em 2013:
64558342 - APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO. CHEQUES EMITIDOS POR AGENTE INCAPAZ. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO, HAJA VISTA A DECRETAÇÃO DA INTERDIÇÃO POSTERIORMENTE À EMISSÃO DAS CÁRTULAS, CUJA DECISÃO POSSUI EFEITO EX NUNC.POSSIBILIDADE, PORÉM, DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIOS PRETÉRITOS À INTERDIÇÃO, UMA VEZ COMPROVADA QUE A INCAPACIDADE SE FAZIA PRESENTE À ÉPOCA DA CELEBRAÇÃO DO AJUSTE. AUTOR PORTADOR DE TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR GRAVE. PRODIGABILIDADE CONSTATADA NO CASO CONCRETO. NEGÓCIOS INVÁLIDOS (ARTS. 104 E 106 DO CC/2002 E ARTS. 82 E 145 DO CC/1916). RECURSO CONHECIDO E PROVIDOAinda que o negócio jurídico tenha sido realizado antes da prolação da sentença de interdição, viável o pedido de nulidade dos atos praticados pelo agente incapaz, uma vez comprovado que a incapacidade já existia ao tempo da celebração da avença. (TJSC; AC 2009.038210-5; Criciúma; Sexta Câmara de Direito Civil; Rel. Des. Subst. Stanley da Silva Braga; Julg. 27/06/2013; DJSC 08/07/2013; Pág. 162) 

Como descrito, o portador da oniomania necessita efetuar compras tal como o viciado necessita de drogas. Constata-se então que, em diversas situações, o comprador compulsivo sofre indução de quem é ciente do transtorno que lhe afeta. O negócio jurídico nesses casos é celebrado com a presença do elemento dolo (malus), manifestado, por exemplo, pelo vendedor que habitualmente atende aquele indivíduo e o estimula com o emprego de métodos ardis e repugnantes a efetuar compras desenfreadas que, flagrantemente, estão para muito além de um parâmetro de razoabilidade, que não é comportado pela vítima.
 Importante frisar também que o Código de Defesa do Consumidor traz importante dispositivo que veda tal prática, bastante comum:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”;
                        A disposição constante no art. 145 do CC-02 agasalha também o lado fragilizado da relação:
“Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”.
Conforme postulado do art. 104, I do CC-02:
“Art. 104, I - A validade no negócio jurídico requer:
I – agente capaz”.
                             Aduz ainda de forma clara o art. 171, I do CC-02:
“Art. 171, I. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I – por incapacidade relativa do agente”.
Se o agente não goza de capacidade plena, o negócio jurídico não pode surtir os efeitos esperados, sobretudo quando tais efeitos revelam-se nefastos e aviltantes, resultado de vício e má-fé de um dos contratantes.
Como elemento probatório da condição de relativamente incapaz do oniomaníaco, se faz necessária a emissão de um parecer por um profissional regularmente habilitado da área de saúde. O diagnóstico é facilmente obtido pelos referidos profissionais, já que os indicativos desta patologia hoje são bastante conhecidos. Dessa forma, agrega-se de forma adicional, a necessária e imprescindível segurança jurídica para a decisão a ser proferida pelo magistrado diante do caso concreto.
Nesse sentido, a dívida gerada por esses indivíduos, frequentemente explorados por vendedores inescrupulosos, passa a não ser exigível, inviabilizando uma futura execução. Vejamos o que aduzem os seguintes dispositivos do ainda vigente Código de Processo Civil Brasileiro:
“Art. 580. A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo”.
“Art. 586. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível”.
O quesito “exigibilidade” da obrigação deixa de existir quando presente a incapacidade do contratante no momento da compra.
Em situações como a abordada, o oniomaníaco goza também de proteção constante na Lei nº 10.216/2001, que assim postula em seus arts. 1º e 2º, III:
Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno  mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
Concluindo, em consonância com os princípios basilares constantes na Magna Carta, o comprador compulsivo, quando devidamente diagnosticado, merece toda a proteção dos tribunais brasileiros, sendo um ser passível, antes da punição judicial, de amparo e tratamento médico.

BIBLIOGRAFIA

BANCO DE SAÚDE. CID 10 F 63.8 – Outros transtornos dos hábitos e dos impulsos. Classificação Internacional de Doenças. [s.l.]: Disponível em: <http://cid10.bancodesaude.com.br/cid-10-f/f638/outros-transtornos-dos-habitos-e-dos-impulsos>. Acesso em: 9 jun. 2014.
BRASIL. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 9 abr. 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216. htm>. Acesso em: 9 jun. 2014.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil – parte geral. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
TESTE mostra quem é um consumidor compulsivo. Editora Abril S/A. [s.l.]24 mai. 2014. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/economia/teste-mostra-quem-e-consumidor-compulsivo>. Acesso em: 9 jun. 2014.
VARELLA, Drauzio. Comportamentos compulsivos. ESTAÇÃO SAÚDE – EDUCAÇÃO E CULTURA LTDA. São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 9 jun. 2014.

Concessão de serviços públicos: avaliação pelo usuário

Algumas pessoas, com frequência, questionam-me se o Direito Administrativo é efetivamente uma solução para as crises da sociedade. Costumo afirmar que o Direito Administrativo, por regular a atuação dos órgãos públicos entre si, entre o poder público e as empresas e entre o poder público e o cidadão, expressa, de forma prática, a aplicação de princípios constitucionais e garantias individuais.
Desse modo, a minha resposta, como professor de Direito Administrativo, é que, efetivamente, esse ramo do direito pode contribuir para evitar gravíssimos problemas sociais.
Tomemos como exemplo o episódio de junho do ano passado, que, teoricamente, nasceu de anseio de parcela da sociedade na busca de melhor transporte coletivo e redução de preços públicos. Esse anseio, quando vislumbrado pelo Direito Administrativo, encontra respostas diferentes para as quais os governantes e os agentes públicos não parecem ter se preparado ou, mesmo detendo elevada capacidade de gestão, não utilizaram ferramentas que o Direito Administrativo disponibiliza aos operadores do direito.
Vamos à teoria e, depois, à prática, lembrando que a boa teoria, na prática, deve ser ainda melhor. Os contratos de transporte coletivo se inserem com frequência na modalidade de serviços públicos concedidos. A concessão é tratada na Lei 8.987/1995[1], posterior à lei geral de licitações e contratos, mas nem por isso afasta integralmente suas disposições. Entre os princípios da referida Lei, expressamente dispostos no art. 6º, está a modicidade das tarifas.
Tarifas módicas são aquelas que representam dois grandes vetores. O primeiro é o da justa remuneração pelo prestador do serviço. Esse atributo da tarifa visa assegurar o primado da Constituição Federal, expresso em seu art. 37, inciso XXI[2], segundo o qual os contratos administrativos devem ter como fundamento o equilíbrio econômico-financeiro da proposta. Portanto, é correto afirmar que o prestador do serviço, durante toda a sua execução, tem uma garantia fundamental, que deve ser intangível aos interesses políticos, muitas vezes disfarçados de um populismo extremamente danoso à sociedade, ao direito e, por consequência, ao estado democrático de direito. Quando um governante sinaliza que a passagem de ônibus não deve subir ou que vai fazer favores a determinados segmentos, por mais necessitados que sejam, após a concessão, está violando a garantia constitucional, erigida em favor do particular, do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
O segundo atributo que diz respeito à tarifa módica se refere ao preço da tarifa para o usuário. Como visto, essa não pode ir além do dever de remunerar, com justiça, o prestador de serviço. Ocorre que entre o preço justo para aquele que investe para formar a estrutura básica do serviço, adquirindo os ônibus e outros veículos para a prestação do serviço adequado, e o que o usuário pode pagar – esse componente político também é reconhecido pelo direito como legítimo – pode estar uma diferença. Tomemos em consideração uma situação hipotética em que o preço da tarifa justa para o prestador de serviço é de R$ 4,00, e para a sociedade o preço seja de R$ 1,00. A diferença pode legitimamente ser transferida a toda a sociedade pelo instituto do subsídio da tarifa. Esse aspecto político, e somente político, compete aos governantes, eleitos pelo povo, decidirem. Assim, quando um prefeito decide onerar toda a sociedade para favorecer os usuários do transporte coletivo, arcando com a diferença entre o preço adequado para o usuário e a justa remuneração para o prestador de serviço, levará em conta o que considera socialmente justo. O socialmente justo dificilmente se insere no balizamento estrito de uma norma, ficando como um elemento além do jurídico.
Outra questão importante e também objeto de frequentes reclamações é a qualidade do serviço público, que, pela Lei de Concessões, tem a denominação de “serviço adequado”. Este está conceituado na Lei nº 8.987/1995, que dispõe do seguinte modo:
Art. 6º. [...]
§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.[3]

Verifica-se que o poder público, não se sabe de onde, retirou do usuário do serviço público o direito de decidir se o serviço é adequado ou não. Isso ocorreu de vários modos e talvez até pela aplicação direta da lei geral de licitações, que, em um passado recente, foi considerado procedimento adequado para a verificação do serviço correto ou a qualidade que o usuário pretende do prestador de serviço.
Eis o texto legal:
Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
§ 1º O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.
§ 2º As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes.[4]
Verifica-se que, de certo modo, o legislador personalizou em um só agente o oneroso dever de definir a regularidade ou não da prestação do serviço. Ocorre que essa norma legal pode ser ampliada por outros instrumentos jurídicos. Aliás, é frequente que o executor do serviço venha a utilizar-se de sistemas de pesquisa de opinião entre usuários para definir, com maior legitimidade, se o serviço está ou não sendo prestado adequadamente.
Uma das ideias que tenho apresentado é o uso das urnas eletrônicas como o instrumento mais adequado para impor e harmonizar a mais ampla manifestação sobre a qualidade dos serviços. A ideia é simples e já foi considerada possível por juízes eleitorais, faltando, portanto, apenas coragem para implantá-la. O procedimento seria o seguinte: o prefeito toma emprestadas as urnas eletrônicas com um software de cada um dos atributos – regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas – tal como se fossem candidatos. Para cada atributo, o usuário daria uma nota de zero a nove.
Ao encerrar “a votação” da qualidade do serviço, o usuário estaria expressando, de forma mais democrática, a sua opinião. De maneira simples, o sistema poderia ser implantado e sucessivamente expandido a outros serviços. Percebe-se que, embora seja uma ideia simples, os interesses econômicos, políticos e outros podem não levar adiante uma das formas aqui expostas de prestar serviço público adequado e poder comprová-lo.
Quando o direito não responde à justiça social e à paz social, é frequente que o povo se expresse diretamente por modos menos ortodoxos, tal como ocorreu em junho do ano passado.

Notas

[1]BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14  fev. 1995.
[2]BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Art. 37, inciso XXI.
[3]BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14  fev. 1995. Art. 6º.
[4]BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 jun. 1993. Art. 67.