O governo brasileiro considerou “sem efeito juridicamente vinculante” a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU de garantir ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seus direitos políticos, mesmo condenado e preso. Por meio de nota, Ministério das Relações Exteriores afirmou que as conclusões do comitê têm apenas caráter de recomendação.
O Itamaraty sublinhou que a delegação permanente do Brasil em Genebra não foi previamente avisada de sua manifestação sobre o caso do ex-presidente nem recebeu do Comitê pedidos de informação sobre o mesmo processo. Também explicou que o Comitê não é integrado por países, mas por “peritos que exercem a função em sua capacidade pessoal”.
A recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, se cumprida, garantiria ao candidato oficial do PT à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), direito de concorrer nessa eleição acesso à imprensa e a seu partido, apesar de condenado e preso nas instalações da Polícia Federal em Curitiba.
A deliberação será encaminhada pelo Itamaraty para o Judiciário, que deverá providenciar uma resposta ao Comitê. A decisão preliminar desse órgão, com sede em Genebra, divide juristas ouvidos pela Veja.
Paulo Borba Casella, diretor do Departamento de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, afirma ser essa decisão preliminar e sem consequências práticas até que o governo brasileiro se manifeste oficialmente e haja uma revisão.
Em sua opinião, o Brasil deve se manifestar ao Comitê o mais rapidamente possível para confirmar que todo o processo legal do caso do triplex no Guarujá foi seguido, com amplo direito à defesa, e para sublinhar que a condenação do ex-presidente se deu em duas instâncias da Justiça e foi respalda pelas cortes superiores – o Tribunal Superior Federal (TSF) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
“Quem está condenado e preso tem seus direitos políticos prejudicados”, assinalou.
Segundo Casella, situação similar ocorreu depois da aprovação da reforma trabalhista pelo Congresso, quando a Organização Internacional do Trabalho (OIT) manifestou preliminarmente contrário às mudanças sob o argumento de que feririam os direitos dos brasileiros. No plenário da organização, depois das explicações de Brasília, concluiu-se que não houve ilegalidade.
Para o especialista em Direito Internacional, a iniciativa dos advogados de defesa de Lula de levar seu caso ao Comitê foi uma “manobra que surtiu efeito”. A matéria, certamente, será revista.
Valério Mazzuoli, professor-associado de Direito Internacional Público da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) concorda que a decisão do Comitê foi uma “medida precária e de caráter liminar”. “A decisão do Comitê é legítima, o que não significa que o ex-presidente seja elegível em razão da condenação dele em segunda instância”, afirmou. “Ele pode participar do pleito. Mas o Comitê não muda em nada a decisão da lei brasileira de que ele foi condenado em duas instancias e está inelegível.”
Mazzuoli sublinhou que os tratados de Direitos Humanos valem mais que as leis e devem ser respeitados. Nesse caso, o Comitê diz que o ex-presidente pode concorrer – mas nada diz sobre Lula assumir a presidência se for eleito em outubro.
O Comitê decidiu a questão com base no Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos Civis e Políticos, que reconhece a jurisdição do Comitê de Direitos Humanos. O documento foi ratificado pelo Brasil em 1992. Dezesseis anos depois, o Supremo alocou os tratados no nível supralegal, o que lhes deu precedência sobre as leis brasileiras. Por isso, explica Mazzuoli, “não há como dizer que a decisão não vale”.
O artigo 5 do Protocolo Facultativo estabelece que o Comitê, após receber as queixas e denúncias, dará 6 meses ao Estado acusado para emitir uma resposta. Depois disso, toma uma decisão a portas fechadas. Se responder rápido ao Comitê, como recomenda Casella, o governa tenderá a remover possíveis ruídos do processo eleitoral. Se deixar para o último dia, a eleição e posse do novo Presidente já terão ocorrido.
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