Quando saí de Passa Quatro [MG], fizeram festa. Era rebelde. Cheguei a ser coroinha, mas me expulsaram -roubava hóstia para comer fora.
Vim para São Paulo com 14 anos para trabalhar de office boy na praça da República. Fui morar no edifício São Vito, demolido agora.
Nunca mais pedi um centavo para o meu pai.
Quando cheguei, já tinha lido os clássicos russos, ingleses... Era uma coisa difícil conviver com certos grupos, porque eu queria ir ao teatro, e eles, ver filme de guerra.
[No 31 de março de 1964], estava trabalhando. Os estudantes do Mackenzie desceram comemorando [o golpe militar]. Falei: "Se os estudantes do Mackenzie estão a favor, estou contra". Era uma escola elitista, reacionária.
Quando entrei na PUC [no curso de direito], em 1965, foi uma decepção. Centro acadêmico fechado, regime atrasado, separavam homem e mulher. Era quase um cemitério, e comecei a lutar contra isso.
Diziam que eu parecia o Ronnie Von das massas, o Alain Delon dos pobres. Brincadeira do pessoal porque eu usava cabelo comprido, jeans, sapato sem meia. Mas eu tinha uma garupa de ternos. Para irritar a direita, de vez em quando eu ia bem elegante.
Depois de 67 é que eu passo a viver clandestino. Já dormia em casas diferentes, andava armado. Tive amigos seguranças que, hoje, são os médicos e advogados mais importantes do país.
Era improvável que eu perdesse [a presidência da UNE, no congresso de 1968]. Mas aí veio a repressão, fomos presos.
No Dops [órgão de repressão do regime militar], foi uma pancadaria só. Deram corredor polonês, sobrou pra todo mundo. Nos mandaram para a delegacia de São Paulo, por uns 60 dias. [Lá] você compra de tudo: sanduíche, cerveja... Tem jornal, rádio, livro. Depois, fomos para o quartel de Quitaúna [bairro de Osasco], onde a barra pesou.
Não tínhamos sido torturados. Pelo contrário, [os militares] fizeram tratamento de dente para mostrar que não havia tortura. Viramos garotos-propaganda de uma mentira.
Eles não tinham condições de desaparecer conosco. Aí veio esse negócio do embaixador, e fomos soltos [sequestro de um embaixador americano, trocado por 15 presos políticos em setembro de 1969].
Me senti muito bem [no exílio] em Cuba. A gente tinha supostos empregos, mas fazíamos treinamento militar. Você podia [se especializar em] clandestinidade, explosivo, tiro, guerrilha. Fiz sem paixão, por dever de ofício.
A plástica eu fiz em 1971. Mudei rosto, lábio, olhos, um nariz adunco com prótese. No espelho, foi: "Tô garantido, posso voltar para o Brasil!".
Treinei para viver clandestino. É como construir um personagem. Escolhi um nome -Carlos Henrique-, a profissão, o modo de andar.
Vivi assim de 1974 a 1979, no Paraná. Casei, tive um filho, era empresário. Até hoje, chego lá e todo mundo me recebe muito bem, me chama de Carlos.
Vim para São Paulo com 14 anos para trabalhar de office boy na praça da República. Fui morar no edifício São Vito, demolido agora.
Nunca mais pedi um centavo para o meu pai.
Quando cheguei, já tinha lido os clássicos russos, ingleses... Era uma coisa difícil conviver com certos grupos, porque eu queria ir ao teatro, e eles, ver filme de guerra.
[No 31 de março de 1964], estava trabalhando. Os estudantes do Mackenzie desceram comemorando [o golpe militar]. Falei: "Se os estudantes do Mackenzie estão a favor, estou contra". Era uma escola elitista, reacionária.
Quando entrei na PUC [no curso de direito], em 1965, foi uma decepção. Centro acadêmico fechado, regime atrasado, separavam homem e mulher. Era quase um cemitério, e comecei a lutar contra isso.
Diziam que eu parecia o Ronnie Von das massas, o Alain Delon dos pobres. Brincadeira do pessoal porque eu usava cabelo comprido, jeans, sapato sem meia. Mas eu tinha uma garupa de ternos. Para irritar a direita, de vez em quando eu ia bem elegante.
Depois de 67 é que eu passo a viver clandestino. Já dormia em casas diferentes, andava armado. Tive amigos seguranças que, hoje, são os médicos e advogados mais importantes do país.
Era improvável que eu perdesse [a presidência da UNE, no congresso de 1968]. Mas aí veio a repressão, fomos presos.
No Dops [órgão de repressão do regime militar], foi uma pancadaria só. Deram corredor polonês, sobrou pra todo mundo. Nos mandaram para a delegacia de São Paulo, por uns 60 dias. [Lá] você compra de tudo: sanduíche, cerveja... Tem jornal, rádio, livro. Depois, fomos para o quartel de Quitaúna [bairro de Osasco], onde a barra pesou.
Não tínhamos sido torturados. Pelo contrário, [os militares] fizeram tratamento de dente para mostrar que não havia tortura. Viramos garotos-propaganda de uma mentira.
Eles não tinham condições de desaparecer conosco. Aí veio esse negócio do embaixador, e fomos soltos [sequestro de um embaixador americano, trocado por 15 presos políticos em setembro de 1969].
Me senti muito bem [no exílio] em Cuba. A gente tinha supostos empregos, mas fazíamos treinamento militar. Você podia [se especializar em] clandestinidade, explosivo, tiro, guerrilha. Fiz sem paixão, por dever de ofício.
A plástica eu fiz em 1971. Mudei rosto, lábio, olhos, um nariz adunco com prótese. No espelho, foi: "Tô garantido, posso voltar para o Brasil!".
Treinei para viver clandestino. É como construir um personagem. Escolhi um nome -Carlos Henrique-, a profissão, o modo de andar.
Vivi assim de 1974 a 1979, no Paraná. Casei, tive um filho, era empresário. Até hoje, chego lá e todo mundo me recebe muito bem, me chama de Carlos.
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