Inelegibilidade por parentesco e a Emenda Constitucional da reeleição
1. INELEGIBILIDADE POR PARENTESCO.
A inelegibilidade é o estado jurídico de ausência ou perda de elegibilidade (1), como a define ADRIANO SOARES DA COSTA. Segundo o magistério de DJALMA PINTO (2), colacionando os ensinamentos de diversos juristas:
"A configuração da inelegibilidade, inaptidão jurídica para receber voto, como propõe Tupinambá Miguel Castro, obsta a existência da candidatura, independente da manifestação do partido ou do próprio interessado. A ausência, pura e simples, de um dos requisitos da elegibilidade é que, neste caso, impede o seu surgimento e, por via oblíqua, de candidatura. Conforme Swenson, invocado por Torquato Jardim, inelegibilidade é a ‘impossibilidade legal de alguém pleitear seu registro como postulante a todos ou alguns dos cargos eletivos’.
Alexandre de Moraes a define como ‘ausência de capacidade eleitoral passiva, ou seja, da condição de ser candidato e, conseqüentemente, poder de ser votado, constituindo-se, portanto, em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania’."
Desde a Constituição Federal de 1934 já se elencava o parentesco com o detentor de mandato eletivo como hipótese de inelegibilidade, a exemplo do art. 112, alíneas 1, 2 e 3, da referida Constituição, bem como o art. 147 da Carta Magna de 1967. Nos exemplos acima referidos, a inelegibilidade estendia-se até o terceiro grau de parentesco.
Com o advento da Carta Política de 1988, manteve-se a mesma linha de entendimento, apenas reduzindo o alcance da inelegibilidade para os parentes até o segundo grau.
A Constituição Federal de 88, em seu art. 14, § 7°, prevê:
"Art. 14. (...)
(omissis)
§ 7° São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição."
Com tal regra (de cunho histórico, como já noticiado) buscou-se evitar o uso da máquina administrativa para favorecer os parentes dos chefes do executivo, no âmbito de influência destes. Assim, os familiares dos detentores de mandatos eletivos executivos eram inelegíveis na circunscrição dos titulares, ressalvada a parte final do dispositivo.
Sufragando tal entendimento, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, em outubro de 1992, editou a súmula n° 06, que, embora se refira apenas aos prefeitos, é aplicável aos demais chefes do executivo. Prescreve a Súmula:
"É inelegível, para o cargo de prefeito, o cônjuge e os parentes indicados no § 7o do art. 14 da Constituição, do titular do mandato, ainda que este haja renunciado ao cargo há mais de seis meses do pleito." (grifos aditados)
Destarte, mesmo que o detentor de mandato eletivo tivesse renunciado ao cargo há mais de seis meses, ainda assim permaneceria a inelegibilidade por parentesco. Evitava-se a perpetuação de um mesmo grupo familiar no poder, o que poderia gerar abusos (uso irregular da máquina administrativa), "...com evidente desvantagem para os demais competidores e para a lisura do processo de escolha democrática." (3).
Como se pode perceber, a ratio da cominação de inelegibilidade por parentesco defluia diretamente de impossibilidade de reeleição do detentor de mandato eletivo do Poder Executivo, vez que, em última análise, o que se buscava evitar era a perpetuação de um agrupamento familiar à frente do Executivo.
Questão interessante diz respeito à amplitude que tem sido dada, pelo TSE, ao tratamento das hipóteses de inelegibilidade por parentesco, abarcando casos que, em análise perfunctória, não estariam inseridas na Constituição e nem em Lei Complementar. A princípio, poder-se-ia pensar que o Tribunal Superior Eleitoral estaria interpretando extensivamente normas restritivas para criar novas hipóteses de inelegibilidade, mas não se trata da verdade.
Ora, como é sabido por todos, exceptiones sunt strictissime interpretationis ("interpretam-se as exceções estritissimamente"). A chamada interpretação extensiva ou aplicação analógica não pode ocorrer com os chamados "direitos excepcionais", tentando abarcar hipóteses neles não contempladas, como pontificava o saudoso Ministro do STF, CARLOS MAXIMILIANO (4), que definiu os referidos direitos:
"275 – Consideram-se excepcionais, quer estejam em repositórios de Direito Comum, quer se achem nos de Direito Especial, as disposições: a) de caráter punitivo, quando se não referem a delitos, porém cominam multa; indenização; perda, temporária ou definitiva, de cargo; (...) b) as que restringem ou condicionam o gozo ou o exercício dos direitos civis e políticos..." (grifos aditados)
Logo, não há dúvidas de que não pode o TSE CRIAR novas hipóteses de inelegibilidade por meio de interpretação ampliativa. Mas, a fim de precisar os conceitos amplos elencados no texto constitucional, pode sim a Corte Eleitoral interpreta-los à luz dos princípios que regem o direito eleitoral, a fim de determinar-lhes o alcance.
Não há dúvidas de que exageros podem ocorrer. Quando o Tribunal Superior Eleitoral ultrapassar a tênue barreira que separa o preenchimento de conceitos vagos descritos na Constituição e a criação de novas hipóteses de inelegibilidade, caberá ao Supremo Tribunal Federal a última palavra, vez que só se admitem a veiculação de novas hipóteses de inelegibilidade (criação) por meio de Lei Complementar ou Emenda à Constituição (§ 9°, art. 14, CF).
De qualquer sorte, ainda que necessária a utilização de diplomas normativos infraconstitucionais para precisar os conceitos de parentesco vagamente descritos na Constituição Federal (a exemplo do Código Civil), tem-se entendido que, em relação à inelegibilidade por parentesco, estamos diante de ordem ou matéria constitucional, insuscetível, portanto, de preclusão, por força do quanto disposto nos arts. 223 e 259, ambos do Código Eleitoral. Logo, caso a inelegibilidade por parentesco não seja aventada por ocasião do registro de candidatura, por meio de ação de impugnação, ou que o seja tardiamente, nada impede que a matéria seja abordada quando da diplomação, através da previsão do art. 262, I, do Código Eleitoral, em sede de Recurso contra expedição de diploma.
2. REELEGIBILIDADE.
Em 04.06.97, com o advento da Emenda Constitucional n° 16, a denominada emenda da reeleição, fruto de interesses casuísticos, que deu nova redação ao art. 14, § 5°, da Carta Política, criou-se a possibilidade dos detentores de mandato eletivo do Poder Executivo disputarem um segundo mandato, sem necessidade de se desincompatibilizarem ou mesmo se afastarem de suas funções. O dispositivo passou a ter a seguinte redação:
"§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente." (5)
Vigente a referida emenda, facultou-se ao Presidente da República, Governadores e Prefeitos, bem como eventuais substitutos e sucessores, a disputa de um segundo mandato, "...quebrando longa tradição política de nosso país, ao admitir a possibilidade de reeleição dos ocupantes de cargos eletivos do Poder Executivo." (6).
Num primeiro momento, vez que a emenda da reeleição não modificou o parágrafo 7° do art. 14, entendeu-se que a mesma em nada modificou o sistema de inelegibilidade por parentesco.
JOEL JOSÉ CÂNDIDO (7) confirma que a referida emenda em nada alterou a inelegibilidade pelo parentesco, ao afirmar:
"A novidade do instituto da reeleição para os titulares de mandatos eletivos do Poder Executivo, introduzida entre nós pela EC n° 16/97, não alterou a dogmática da inelegibilidade pelo parentesco, nela não se refletindo. Na consulta n° 341, de Brasília, DF, o TSE respondeu neste sentido: ‘Consulta. Inelegibilidade. Parentesco. CF, art. 14, § 7°. A emenda da reeleição em nada alterou a inelegibilidade decorrente de parentesco. Portanto, o filho de Governador, ao postular cargo eletivo, sujeita-se à inelegibilidade prevista no art. 14, § 7°, da Constituição Federal’". (grifos aditados)
O próprio TSE, em outras oportunidades, já havia se manifestado sobre o tema. Confira-se a ementa da Resolução n° 19.973, de 23.09.97, da lavra do Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA:
"Consulta. Emenda Constitucional n° 16/97. Reeleição. O advento da EC n° 16/97, que alterou o art. 14, § 5°, da Constituição Federal, para permitir a reeleição do titular do mandato de chefe do Poder Executivo, não produz modificação na disciplina constitucional referente ao seu cônjuge e parentes, que continuam inelegíveis no território de sua jurisdição."
Mesmo o Excelso Pretório abraçou esta tese, como referido pelo Min. GARCIA VIEIRA, em seu voto na Consulta 709-DF:
"Esse é o entendimento que prevalece, também, no Supremo Tribunal Federal, ao que pude perceber dos acórdãos nos Recursos Extraordinários n° 236.948, de 24.9.98, e 247.416, de 29.2.00, ambos relatados pelo Ministro Octávio Gallotti. Ali se proclamou que a emenda da reeleição constitui exceção absoluta e ‘em nada interferiu no tratamento das hipóteses de inelegibilidade por parentesco ou afinidade, cujas regras permanecem intocadas.’". (grifos aditados)
3. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO. CONCLUSÕES.
Contudo, tal raciocínio não mais se adequava à nova realidade jurídica provocada pela emenda da reeleição. Com efeito, como se justificaria a mantença da inelegibilidade por parentesco quando o titular do cargo poderia pleitear a reeleição sem sequer se desincompatibilizar?
Ora, se a inelegibilidade por parentesco era um corolário da impossibilidade de reeleição (rectius: mantença do mesmo agrupamento familiar à frente do Poder Executivo em qualquer das três esferas federativas), sua manutenção quando o titular pudesse se reeleger criava um contra-senso lógico.
Foi então que, em 21.08.01, em votação unânime da qual participaram os Ministros FERNANDO NEVES, SEPÚLVEDA PERTENCE, NELSON JOBIM, a recém empossada Ministra ELLEN GRACIE, ao relatar o Recurso Especial Eleitoral n° 19.442, liderou a mudança do entendimento do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, afastando a inelegibilidade por parentesco quando o titular for reelegível e tiver renunciado até seis meses antes do pleito. O acórdão foi assim ementado:
"ELEGIBILIDADE. CÔNJUGE. CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ART. 14, § 7°, DA CONSTITUIÇÃO.
O cônjuge do chefe do Poder Executivo é elegível para o mesmo cargo do titular, quando este for reelegível e tiver renunciado até seis meses antes do pleito.
Recursos não conhecidos"
Merece transcrição a parte final do voto condutor:
"Uma interpretação literal do § 7°, como se vê, gera situação paradoxal, à medida que impede a eleição dos parentes e do cônjuge para o cargo titular, quando ele mesmo, por sua vez, pode candidatar-se para este mesmo cargo.
Daí concluir que a única solução razoável é a que conjuga os ditames dos §§ 5° e 7° e lhes dá leitura condizente com os princípios que informaram a redação das normas constitucionais, sem desconsiderar a nova realidade, introduzida pela EC n° 16."
Esse novo posicionamento parece já se ter consolidado na Corte, como se pode observar na Resolução nº 20.931, de 20/11/2001 e no acórdão nº 3.043 de 27/11/2001, embora, formalmente, a súmula n° 06 ainda subsista (não foi expressamente cancelada). Interessante trazer à colação o acórdão 16.718 do TSE:
"Registro de candidatura. Vice-prefeito que é irmão do titular e que o sucedeu no cargo de chefe do Executivo Municipal. Possibilidade de se candidatar à reeleição como prefeito por um período subsequente. Art. 14, § 5°, da Constituição Federal. Incidência da ressalva contida no § 7o do mesmo dispositivo. (...)"
(Ac. no 16.718, de 14.9.2000, rel. Min. Fernando Neves da Silva.) (8)
Observe-se que a ressalva contida na parte final do § 7°, art. 14, da CF, dizia respeito à reeleição para os cargos do Poder Legislativo, vez que se trata de dispositivo com redação original e anterior à emenda da reeleição. Observe-se que o TSE, atento à idéia de congruência do ordenamento jurídico, objetivando afastar antinomias, já interpreta com maior elasticidade o conceito de inelegibilidade e reeleição, a fim de adequar o sistema às alterações introduzidas pela referida emenda constitucional.
Logo, em que pese o posicionamento conservador dos Tribunais Superiores quando da criação da emenda da reeleição, afirmando que não se havia operado qualquer alteração em relação à inelegibilidade por parentesco, as contradições advindas de tal posicionamento levaram a uma revisão do entendimento, quando então, como corolário lógico da possibilidade de reeleição sem necessidade de desincompatibilização, passou-se a entender que deve ser afastada a inelegibilidade por parentesco, quando o titular estiver em seu primeiro mandato e se desincompatibilizar no prazo legal.
Com essa situação já definida,
a Frente SupraPartidaria segue firme em Caraguá.
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