Mesmo depois de perder seus principais patrocinadores, que cederam à repercussão negativa da contratação, o Boa Esporte manteve o acordo de pé e, ao que parece, ainda não compreendeu o tamanho do equívoco que comete ao tratar Bruno como um popstar injustiçado pela opinião pública.
Não se trata de um ex-presidiário que cumpriu pena e busca reintegrar-se à sociedade. Trata-se, na verdade, de um homem que foi condenado em primeira instância por um crime bárbaro, como mandante do assassinato de Eliza Samudio – mãe de seu filho –, e que, por culpa da morosidade do Judiciário brasileiro, aguarda em liberdade o desfecho do processo.
Embora dentro da lei, a contratação de Bruno é uma representação machista da insensibilidade que segue banalizando a violência contra a mulher. O goleiro foi condenado a 22 anos e 3 meses de prisão em 8 de março de 2013, no Dia Internacional da Mulher. Dois dias depois da mesma data, agora em 2017, sem ter cumprido nem metade de sua pena, Bruno foi contratado por um clube de futebol que o enxerga como mercadoria e ignora a gravidade do crime pelo qual ele ainda responde.
Bruno não deveria ter ficado tanto tempo preso aguardando julgamento de seu recurso, assim como não deveria voltar a jogar antes de uma sentença definitiva da Justiça. Caso o tribunal julgue improcedente a apelação, ele pode retornar para a cadeia antes mesmo de pisar novamente nos gramados. Algo que deixaria cicatrizes em todas as partes envolvidas: o time do Boa, que teve sua imagem arranhada pela má condução do episódio; Bruno, que viu sua rejeição aumentar depois de tanta exposição; e principalmente a família de Eliza, a começar pelo filho do goleiro, que tem sua ferida reaberta a cada nova repercussão do caso.
Entrevistei Bruno em 2014, na penitenciária Nelson Hungria, em Contagem. Na época, ele havia acabado de assinar um contrato com a equipe do Montes Claros. Sempre que se referia a Eliza, ele rechaçava a acusação de mandante do assassinato, mas admitia ter sido “omisso”, dando a entender que poderia ter evitado o crime. Entretanto, em nenhum momento, demonstrou arrependimento.
Neste episódio, o Boa Esporte confunde boa ação com oportunismo ao justificar a aposta em Bruno sob a perspectiva da ressocialização. O clube não tem sequer um plano de reintegração social, jamais recorreu ao sistema prisional para compor seu quadro de funcionários. Ao espetacularizar ao máximo a contratação de Bruno, as verdadeiras intenções do clube ficaram claras. Para o Boa, o que vale é capitalizar o retorno midiático, que acabou saindo pior que a encomenda, e um possível ganho técnico para o time, como destacado pelo diretor Roberto Moraes antes da apresentação: “Eu não tenho que comentar se o Bruno é culpado ou inocente. O que interessa nesse momento é a parte técnica. E o Bruno vai agregar bastante à nossa equipe”.
Seria nobre, e emprestaria algum caráter humano à contratação, se o Boa Esporte abrisse as portas e pagasse salário a Bruno somente para treinar, condicionando a disputa de jogos oficiais ao julgamento de seu recurso pela Justiça. Ressocialização por meio do futebol é possível, mas não devemos confundi-la com hipocrisia e a inescrupulosa obsessão dos cartolas por holofotes.
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