O Brasil possivelmente não conseguirá fazer valer, dentro do prazo determinado e em todas as esferas, poderes e estados, a Lei de Acesso a Informações Públicas, na opinião da diretora de Prevenção à Corrupção da Controladoria Geral da União (CGU), Vânia Vieira. A afirmação foi feita em seminário em São Paulo, no qual foram apresentadas experiências de outros países na execução de leis que dão ao cidadão o direito de acessar informações públicas.
Sancionada em 18 de novembro pela presidente Dilma Rousseff, a lei acabou com o sigilo eterno de documentos oficiais e estabeleceu que órgãos públicos, em todas as esferas, têm de prestar em no máximo 30 dias informações solicitadas por cidadãos sem que eles tenham que justificar o pedido.
No Executivo Federal, a CGU é o órgão que vai avaliar recursos dos cidadãos e estruturar a União para a norma, que entra em vigor em maio do ano que vem.
- A entrada em vigor é o maior desafio. Provavelmente, o Brasil não conseguirá cumprir em 180 dias, em todas as esferas e em todos os poderes, esse prazo tão exíguo - disse Vânia, em palestra no Seminário Internacional de Acesso à Informação Pública, promovido pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ), pelo Consulado dos Estados Unidos em São Paulo e pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
- O que, possivelmente, não conseguiremos cumprir é a organização de tudo num processo eletrônico, para termos um sistema que permita a tramitação eletrônica desses pedidos. Para isso, talvez, o prazo não seja factível - completou Vânia, destacando que o Brasil tem muito o que aprender com a experiência de outros países na execução de leis de acesso à informação.
Um exemplo bem-sucedido é o do México, onde a maioria das solicitações por informação pública é feita e processada pela internet, num portal. No país, foi criado um órgão especial para tratar dos pedidos, o Instituto Federal de Acesso à Informação e Proteção de Dados (Ifai) e, desde 2003, quase 700 mil pedidos de informação foram analisados.
- Em 2011, cerca de 47% das solicitações foram feitas pela academia (pesquisadores), 25%, por empresas, 16%, pelo governo e 10%, pela mídia - disse a diretora de coordenação de políticas de acesso do Ifai, a mexicana Gabriela Segovia.
Mais de 3 mil apelações acumuladas na Escócia
Na Escócia, pedidos de informação resultaram em mudanças importantes de postura do governo. Exemplo disso ocorreu quando os pais descobriram que o governo se baseava em dados desatualizados para decidir pela desativação de escolas rurais. A partir daí, a administração pública passou a ser obrigada a justificar o fechamento das instituições de ensino. Na Escócia, o governo já lidou com mais de 3 mil apelações desde 2005, de casos de informações não recebidas.
Na Índia, cidadãos que solicitam informações podem não ter o pedido atendido, mas são beneficiados de outras formas, segundo o pesquisador americano Thomas Blanton, da Universidade George Washington. Há casos de pessoas que questionam o governo sobre as razões de não terem água encanada no local onde moram, e, embora o poder público não dê uma resposta, acaba fazendo a instalação dos canos de água na referida comunidade, exemplifica o pesquisador.
Nos Estados Unidos, em 2010, foram feitos 597 mil pedidos de informação. O governo americano se negou a divulgar uma fotografia do terrorista Osama Bin Laden, alegando que isso incitaria a violência, e a Justiça é que decidirá sobre a solicitação.
Na África do Sul, 70% dos pedidos são ignorados
Já a África do Sul foi citada como um exemplo que não deve ser seguido pelo Brasil. Isso porque, apesar de ter uma lei de acesso à informação há mais de dez anos, de 60% a 70% dos pedidos dos cidadãos são ignorados pelos órgãos públicos.
A diretora da CGU e o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Abramo, demonstraram preocupação com a implementação da lei nos estados e municípios, que precisam criar estruturas próprias de processamento de pedidos e recursos.
- O plano municipal é uma selva. É o desafio mais grave que existe. A informação não flui de forma geral - criticou Abramo, afirmando que muitos municípios dependem de repasses dos governos estaduais e da União para sobreviver.
Na opinião da diretora da CGU Vânia Vieira, a capacitação de servidores e a mudança de cultura do funcionalismo sobre os direitos da população a informações governamentais são os principais desafios para colocar a lei em prática. Segundo Vânia, é preciso que os servidores tenham clareza de que permitir o acesso a dados é agora a regra, e não a exceção.
De acordo com o levantamento feito pela CGU com cerca de mil servidores do Executivo Federal, muitos funcionários acham, erroneamente, que o solicitante só pode ter acesso a dados pessoais e que apenas chefes de departamento podem liberar as informações. Os servidores demonstraram receio de que a nova lei cause sobrecarga de trabalho ao funcionalismo.
- A nossa prioridade é a capacitação de servidores. Eles têm que saber da lei. Estamos lançando uma cartilha para os funcionários e vamos fazer cursos - disse Vânia.
O coordenador de Comunicação e Informação da Unesco, Guilherme Canela, afirmou que é preciso pressionar para que a lei seja implementada.
- Tem que haver um investimento volumoso de recursos. Temos de sair da cultura do segredo para a do acesso.
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