Entre os 47 incêndios apontados como criminosos no Rio Grande do Norte, desde a sexta-feira da semana passada (29), um ainda deixa de olhos marejados o pequeno empresário Paulo de Tarso Carvalho da Silva.
"O que eu vou dizer aos meus credores? E à minha família? O que vou dizer para mim, aos 50 anos de idade? Vou começar do zero? Eu estou falido. Estou quebrado", frisa ele, que já foi camelô, representante comercial e vendedor de carros.
Um microônibus Volare W8, que há sete anos era o seu "meio de sustentação" transportando passageiros, foi o primeiro alvo de bandidos em uma onda de ataques que se alastrou por 30 cidades do Estado.
"Ainda está caindo a ficha. Passei o fim de semana em decadência psicológica. O que aconteceu foi como receber a notícia de que fui demitido. O carro era o que eu tinha. E é o que sei fazer hoje".
Os ataques teriam sido ordenados por criminosos, inclusive de dentro de prisões, em retaliação à instalação de aparelhos bloqueadores de sinais de celular em uma das 32 unidades prisionais do Estado.
No dia em que começaram, Paulo "estava de folga". Pela manhã, abasteceu o veículo e o entregou a um dos dois motoristas contratados. Por volta das 13h15, estava na praia quando o celular tocou.
"Venha rápido que a coisa está feia. Queimaram o carro". Era o motorista, avisando sobre o atentado.
Na versão do empresário, dois homens armados forçaram a parada do microônibus, obrigaram os cerca de 30 passageiros que estavam a bordo a descer e atearam fogo no veículo, com a ajuda de combustível. O caso foi registrado na BR-304, no sentido Macaíba-Natal, trecho em que operava havia sete anos.
"Quando cheguei no local, fiquei em choque. Tinha só a caveira do carro. É como construir um império e ver o Satanás destruir tudo", diz Silva, também bacharel em teologia.
O prejuízo material foi estimado em R$ 135 mil. O microônibus havia sido reformado há cerca de um mês, após se envolver em uma batida. Também havia recebido, recentemente, um sistema de câmeras de segurança.
"Mas foi tudo perdido com esse vandalismo". Para o empresário, restaram não só a incerteza do negócio, mas também 10 prestações do veículo que ainda terá de pagar e uma dívida de R$ 25 mil, que, segundo ele, contraiu junto a amigos para bancar os reparos, após a batida.
Silva estuda recorrer à Justiça para obter ressarcimento do Estado. "Vi que prenderam um dos chefes do crime e apreenderam com ele R$ 300 mil. Por que não me pagar com o dinheiro que estava com o destruidor? Preciso do meu veículo".
Prisões
O "destruidor" a que se refere é o traficante João Maria dos Santos Oliveira, preso sob suspeita de ser um dos responsáveis pelos ataques. A Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesed) informou que, até a noite de terça-feira, 82 pessoas haviam sido presas por envolvimento nos atos.
Nos últimos cinco dias, foram ao menos 81 ocorrências, entre incêndios, tentativas de incêndio, disparos contra prédios públicos e proximidades, além de depredações. Entre os veículos queimados, 28 eram ônibus ou microônibus. Também foram atacados veículos particulares e outros usados por órgãos públicos.
O Ministério da Defesa informou à BBC Brasil que o Exército recebeu sinal verde para atuar no Estado desde esta terça-feira (2).
Tropas de Recife (PE) estavam em deslocamento para Natal e uma reunião, prevista para esta quarta-feira (3), deve "afinar a parceria". A previsão, de acordo com o governo do Estado, é que os militares cheguem à capital a partir das 8h desta quarta (3).
O uso das Forças Armadas em reforço à segurança no Rio Grande do Norte foi pedido pelo governador, Robinson Faria (PSD), e autorizado no último fim de semana pelo presidente interino Michel Temer.
Cerca de 1.200 homens do Exército e da Marinha atuarão na região metropolitana de Natal. A operação, segundo o Ministério, vai até o dia 16 de agosto.
Clima
Desde o início dos ataques, áudios se espalham pelas redes sociais com ameaças e apontando possíveis novos alvos de ataques.
Um adolescente chegou a ser apreendido por espalhar trotes nas redes, relacionados aos casos. A Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania confirma, no entanto, que parte das mensagens foi enviada de dentro de presídios.
Em meio a esse clima, algumas instituições de ensino públicas e particulares suspenderam parcialmente suas aulas ou adiaram o início do semestre letivo. Ônibus e micro-ônibus deixaram de funcionar no fim de semana e voltaram com frota reduzida a partir da segunda-feira.
Nas ruas, o clima ainda é de apreensão. Na terça-feira, um veículo em chamas chamava a atenção de curiosos e estava cercado por duas viaturas da polícia militar enquanto recebia jatos d'água do Corpo de Bombeiros, na capital.
"Mas não foi ataque não. Foi o motor esquentado", disse, sem se identificar, um dos policiais que atenderam a ocorrência.
Um dos moradores do bairro completou: "O problema é que todo mundo está com medo e alarmado com tudo isso que está acontecendo".