Altas indenizações cobradas por proprietários de terras para passagem de linhas de transmissão estão atrasando projetos para aumentar o envio de energia para São Paulo, incluindo a produzida nas usinas do rio Madeira, colocando em risco a capacidade de escoamento de energia para o Estado.
O impasse entre donos de terra e empreendedores no Estado, somado aos problemas com a obtenção de licenciamento ambiental, dificulta a viabilização de projetos já licitados e contribui para a diminuição do interesse em novas concessões, como ocorreu no último leilão de transmissão, disseram empresas do setor e autoridades governamentais
"O pessoal está supervalorizando e querendo valores muito altos de indenização. Então o tempo de negociação com os donos da terra tem demorado muito...Isso não era normal, é um fato novo", disse o diretor de Estudos de Energia Elétrica da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), José Carlos de Miranda Farias.
Segundo Farias, essa situação coloca em risco o abastecimento de São Paulo, região que está em constante crescimento e precisa de reforços no sistema de transmissão.
Cultivos altos ou sujeitos a queimadas não são viáveis no corredor de passagem das linhas de transmissão. Mas em São Paulo, o aumento do valor de indenizações cobradas pelos proprietários também está relacionado ao desenvolvimento urbano e expectativa de valorização dos terrenos, disseram empresas que atuam na região.
A elétrica paranaense Copel, que tem expandido a atuação em São Paulo, calcula que valores de indenização pedidos pelos proprietários de terra chegam a ser entre 80 a 100 por cento maiores que os orçados pela empresa.
A empresa tenta viabilizar a linha de transmissão Araraquara II-Taubaté, um dos sistemas que ajudará no escoamento da energia das usinas do rio Madeira para São Paulo e Rio de Janeiro. O projeto da linha de 500 quilovolts (Kv) foi arrematado pela empresa em leilão de 2010, mas a construção ainda não começou.
A Copel aguarda a licença de instalação, com expectativa que seja emitida até setembro para que as obras sejam iniciadas e concluídas 12 meses após o início.
No caso desse projeto, o licenciamento ambiental é o principal motivo do atraso, segundo o superintendente de Obras de Transmissão da empresa, Nilberto Lange Jr. Mas as negociações com os proprietários de terra não têm sido fáceis e grande parte delas está sendo resolvida na Justiça, disse.
"Atualmente, o custo da terra em São Paulo chega a ser 20 vezes mais caro (do que é em outras regiões)... Os proprietários têm exigido valores muito altos, ou simplesmente não querem a passagem da linha, o que nos obriga tomar ações judiciais."
A linha Araraquara II-Taubaté terá 350 quilômetros de extensão, passando por 28 cidades e por terras de cerca de 800 proprietários. A Copel ainda negocia os valores das indenizações com cerca de 40 por cento dos proprietários atingidos.
A Cteep, companhia de transmissão de energia do grupo colombiano ISA e que tem forte atuação em São Paulo, também identifica dificuldades fundiárias para expansão da transmissão no Estado.
"Temos tido problemas sérios. Tivemos um projeto recente de uma linha em Sorocaba, que não é longa, em que custos patrimoniais foram várias vezes superiores ao que se imaginaria pela referência da Aneel", disse o diretor de empreendimentos da empresa, Luiz Roberto Azevedo, que defende que a agência faça uma revisão da referência de custos para a região.
Segundo ele, a empresa já teve casos de linhas curtas em SP em que quase a totalidade das negociações fundiárias tiveram que ocorrer por meio da Justiça.
"Isso não tira a atratividade, mas está prejudicando", disse Azevedo. Ele acrescenta que, além dos custos e dificuldades de negociações fundiárias, a taxa de retorno e riscos relacionados a atrasos para licenciamento ambiental afastam interessados.
LINHAS DO MADEIRA ATÉ SP ATRASADAS
O linhão de transmissão de energia do Madeira, principal sistema para trazer energia das usinas Santo Antônio e Jirau de Porto Velho (RO) até Araraquara (SP), deve entrar em operação neste mês, segundo expectativa dos empreendedores. Mas outras importantes linhas que levariam a energia que chega em Araraquara para outras regiões de São Paulo e do Sudeste do país estão atrasadas, o que prejudica o escoamento pleno da eletricidade do Madeira para a região mais industrializada do país.
"O sistema tem vários caminhos, mas se não fizer reforços, os caminhos que existem se sobrecarregam... À medida em que as máquinas do Madeira vão entrando, é preciso ter mais caminhos", disse Azevedo, diretor da Cteep.
A linha Taubaté(SP)-Nova Iguaçu(RJ), licitada em 2011, recebeu a licença de instalação ambiental, necessária para iniciar as obras, apenas em 23 de maio, segundo informações no site do Ibama.
Outras linhas de alta tensão que ajudam no escoamento da energia do Madeira e que sairão de Araraquara não tiveram nenhum proponente interessado no último leilão de transmissão, em maio. São elas Araraquara-Fernão Dias (Lote F) e Araraquara-Itatiba (Lote J). Além disso, a linha Itatiba(SP)-Bateias(PR), que fazia parte do lote E e que ajudaria no aumento do intercâmbio de energia entre Sudeste e Sul, também não recebeu propostas no leilão.
A EPE e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estão reavaliando esse lotes não licitados, para garantir que os sistemas tenham interessados no próximo certame, o que deverá ocorrer em setembro ou outubro.
"Nós precisamos dessas linhas. Quanto mais cedo melhor, elas darão maior confiança ao atendimento em São Paulo, para o escoamento do Madeira ao principal centro de consumo do Brasil", disse Miranda, da EPE.
O superintendente de Concessões, Permissões e Autorizações de Transmissão e Distribuição da Aneel, Ivo Sechi Nazareno, disse que a agência avalia aumentar os valores de receita anual (RAP) máxima para operar os lotes e estender os prazos para a construção. Ele disse que os estudos ainda não estão concluídos e não poderia estimar em quanto os prazos e receitas aumentariam.
Nazareno explicou que o aumento dos prazos é para acomodar mais tempo para as negociações com proprietários de terra e que a Aneel também está considerando aumento nos valores relacionados aos custos fundiários para os lotes.
"As linhas já são necessárias atualmente. Então, se a gente aumenta o prazo, é para refletir a necessidade de que é melhor fazer a linha, mesmo que com um prazo um pouco maior", disse.