Doze parafusos, duas arruelas, duas porcas, uma broca, cimento e enxerto ósseos e mais algumas hastes e cânulas. A lista de material usado na cirurgia de coluna de uma paciente de 80 anos, paga pelos Correios, não tem mais do que 15 itens, mas saiu a R$ 961.886,56. Uma pesquisa feita com médicos, fornecedores de material cirúrgico e em licitações eletrônicas realizadas por órgãos públicos, mostra que a relação não sairia por mais que R$ 90 mil. A diferença entre os valores cobrados e os pesquisados chega a quase 5.000%. Um único parafuso ilíaco saiu por mais de R$ 25 mil, valor equivalente ao de um carro popular zero quilômetro. Os Correios, uma empresa pública, informaram que estão apurando o caso.
A cotação de preços, feita com apenas uma empresa, a 02 Surgical, com sede no Centro do Rio, foi realizada pelos Correios e aprovada pelo gerente de saúde da empresa pública, em 26 de março deste ano. A paciente é filha de um aposentado da empresa pública.
No formulário de Autorização de Materiais para Procedimento Cirúrgico, uma observação manuscrita: “Por se tratar de um procedimento pós-cirúrgico, onde os materiais apresentados já foram utilizados, autorizaremos o valor proposto”.
Na ficha, há a informação de que a cirurgia foi de emergência. No entanto, a Guia de Solicitação de Internação da mesma paciente diz o contrário: a operação foi eletiva e a internação aconteceu em 14 de março deste ano.
— A cirurgia e todo o material foram liberados previamente pelos Correios. Foi um processo demorado, que levou quase quatro meses. A cirurgia não foi de emergência. A paciente estava sem andar, em função de um quadro grave de osteoporose, e hoje está bem, caminhando — diz o neurocirurgião Ricardo Ribeiro, que realizou a cirurgia no Hospital Espanhol, no Centro do Rio.
Ribeiro explica que entrega ao hospital a lista de material de que precisará para o procedimento, dando as especificações de cada item. Quem faz a compra e a forma como isso é feito depende das políticas da unidade de saúde e do convênio que pagará a operação. No caso dos Correios, a cotação e a compra são feitas pela empresa.
— Quando o material é comprado, sou avisado e marco a cirurgia. Não tenho nada a ver com a compra. Recebi honorários médicos pela cirurgia que não chegaram a R$ 5 mil para toda a equipe — afirma o médico, que foi presidente da Sociedade de Neurocirurgia do Estado do Rio de Janeiro entre 2010 e 2012.
Segundo Ribeiro, é impossível que o material usado na cirurgia tenha custado mais de R$ 961 mil:
— Tenho conhecimento de quanto custa esse material. Isso é uma loucura completa. O documento dos Correios é mentiroso. Nunca vi uma conta médica de doente internado chegar a esse valor. Uma cirurgia como esta que foi realizada gasta em material algo em torno de R$ 60 mil a R$ 100 mil.
Ribeiro arrisca um palpite:
— Isso deve ser um erro de digitação, tem um zero a mais. Erros acontecem. Quantas vezes não errei o cheque?
O médico explica que o tipo de parafuso usado na cirurgia é importado e tem apenas um fornecedor no Brasil, a empresa Tecnicare. No entanto, no documento dos Correios costa que o fornecedor foi a 02 Surgical.
— Não existe apenas um tipo de prótese. Tenho que direcionar o que eu estou pedindo. Os parafusos não são todos iguais. Parafusos com injeção de cimento só são fornecidos pela Tecnicare. Nunca ouvi falar em 02 Surgical — afirma Ribeiro.
Por meio de nota, a assessoria de imprensa dos Correios afirma que "essa ocorrência foi constatada pela empresa que, de imediato, abriu processo apuratório e adotou as medidas pertinentes ao caso, que estão em andamento". Procurado, o Hospital Espanhol não respondeu às perguntas enviadas à direção médica.
Os reporteres foram até a sede da 02 Surgical, mas não encontrou nenhum funcionário no endereço informado pela empresa na internet, na Rua Conde Lages, no Centro. Um porteiro do prédio, no entanto, confirmou que a empresa continua funcionando naquele local.
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