O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) tem sido um cobertor cada vez mais curto para o trabalhador brasileiro. Desde 1999, a Taxa Referencial (TR), índice que serve de correção para o fundo e alguns tipos de investimentos no mercado financeiro, não cobre as perdas causadas pela inflação. Com isso, o dinheiro que o trabalhador “empresta” para o governo — já que o FGTS é usado para financiar habitação, infraestrutura urbana e saneamento básico — está, a cada ano, perdendo seu poder de compra, voltando desvalorizado para o bolso do cidadão.
Segundo cálculos feitos pelo EXTRA e pelo Instituto FGTS Fácil, nos últimos 13 anos e meio, os rendimentos do Fundo de Garantia totalizaram 107%, enquanto, no mesmo período, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulou 162% (veja a tabela abaixo).
Em nota técnica publicada em junho, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) destacou que a redução da TR começou em 1999, quando o governo trocou a taxa de câmbio administrada (em que ele fixa a cotação) pela flutuante (em que o mercado é quem a fixa), o que tirou a pressão sobre a taxa de juros básica da economia (Selic).
— Quando o governo adota o câmbio flexível, não é mais obrigado a manter a taxa de juros alta para atrair dólares — explica o técnico do Dieese Leandro Horie.
Para o departamento, o governo deve mudar a fórmula de cálculo da TR ou escolher outra forma de atualização dos saldos, que permita sua valorização.
O Instituto FGTS Fácil defende uma nova fórmula de remuneração, em que a TR seja substituída pelo INPC, já que a diferença entre a que contém a TR e a que é baseada no INPC representa uma perda de 101% no saldo do FGTS de 1999 até hoje.
Saldo de R$ 41 mil poderia chegar a R$ 63 mil
A professora Marli Alice Taveira, de 48 anos, pretende se aposentar daqui a dois e já demonstra preocupação com o valor que o governo vai pagar a ela.
— A gente olha o extrato da Caixa Econômica Federal, mas não sabe se esse cálculo está correto — observa Marli, que, por já ter casa própria, quer usar o dinheiro para terminar a reforma da moradia, em Vila Valqueire, na Zona Oeste.
A professora trabalha em três escolas, dando aulas de Artes e Matemática para crianças do ensino fundamental. Somados hoje, os três saldos do Fundo de Garantia totalizam R$ 41.263, valor que, segundo cálculos do Instituto FGTS Fácil, poderia chegar a R$ 63 mil, se a conta da remuneração do fundo usasse o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) no lugar da Taxa Referencial.
— O trabalhador está sendo roubado pela manipulação do Banco Central em relação à TR. Ninguém pediu autorização ao trabalhador para meter a mão no dinheiro dele — avalia Mario Avelino, presidente do Instituto FGTS Fácil.
Marli não tem todos os extratos de suas contas, que há alguns meses deixou de receber da Caixa Econômica Federal, sem ainda saber o porquê. Com os documentos, ela poderá se cadastrar numa ferramenta que será lançada, amanhã, pelo FGTS Fácil e que permitirá a todo trabalhador fiscalizar seu saldo de Fundo de Garantia.
Qualquer um pode solicitar o extrato detalhado do FGTS, desde a data de sua admissão, em qualquer agência da Caixa.
O lado negativo da mudança
Mudar a fórmula da remuneração do Fundo de Garantia (TR + juros de 3% ao ano) não é tarefa fácil. Apenas o Congresso Nacional, por meio de uma lei, poderia fazê-lo. Para Myrian Lund, professora de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), é impossível, porém, que o governo vincule o saldo do FGTS à inflação:
— O endividamento do governo iria lá para as alturas. O país quebraria com isso.
Para a especialista, uma solução seria a União criar fundos de investimentos em que os trabalhadores pudessem aplicar o dinheiro do FGTS e ter rendimentos maiores.
Uma alternativa seria alterar a fórmula da Taxa Referencial. Isso dependeria apenas do Banco Central (BC), mas também seria problemático, pois a taxa é aplicada em muitos contratos imobiliários para corrigir as prestações dos financiamentos.
— Na atual situação de inflação alta, isso pode elevar a inadimplência — diz Leandro Pacífico, presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH).
Para o professor de Economia do Ibmec Mauro Rochlin, mexer na TR seria mais traumático do que alterar a capitalização do FGTS.
— A alternativa seria adotar um indexador de preços, acrescido de uma taxa de juros real (descontada a inflação).
Instituto lança site de controle do seu saldo
Qualquer trabalhador que quiser fiscalizar o saldo do Fundo de Garantia poderá fazê-lo gratuitamente, a partir desta segunda-feira, pelo novo site FGTS Devido (www.fgtsdevido.com.br). A ferramenta foi criada pelo Instituto FGTS Fácil e vai permitir o cadastramento de todos os depósitos mensais — obtidos pelos extratos da Caixa Econômica Federal — e o cálculo de possíveis perdas, além da identificação de fraudes.
Para se cadastrar na ferramenta, o interessado deve inserir seu nome completo e um e-mail, além de criar uma senha. No link “criar contas”, o usuário vai cadastrar cada empresa onde tenha trabalhado. Em cada conta, deverá inserir dados como nome da companhia, datas de admissão e demissão, e número da carteira de trabalho. Depois, bastará selecionar um ou mais entre os 14 motivos que o site apresenta para o controle da conta, como “minha empresa não depositou meu FGTS, e já saí da empresa” ou “fiscalização preventiva para evitar perdas futuras”.
No site, o presidente do Instituto, Mario Avelino, calculou, por exemplo, que um um trabalhador que tinha em novembro de 2002 um saldo de R$ 10 mil, tinha um saldo de R$ 16.362,28 no dia 10 do mês passado, considerando o cálculo oficial do governo, com base na TR. Se a fórmula fosse baseada no INPC, o saldo seria de R$ 26.787,19. A diferença entre os dois saldos traduz uma perda de R$ 10.424,91, o equivalente a 63,71%.
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