“Pessoal, familiar e empresarialmente, sobretudo em política, não se pode ser absorvido por bugigangas. Quem só cuida de coisas pequenas, torna-se pequeno. A ninharia é o ofício do pigmeu e o venenoso terreno dos répteis e das fofocas”.
(Ulysses Guimarães, uma das 100 frases recolhidas e selecionadas por dona Mora, publicadas no livro “Rompendo o Cerco”)
Diante da notícia da renúncia, esta semana, do ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, aos encargos de todas as execuções penais do Mensalão e dos demais processos vinculados à Ação Penal 470, é inevitável relembrar ensinamentos do Decálogo do Estadista. Refiro-me, evidentemente, aos mandamentos da notável criação do deputado Ulysses Guimarães, publicados no livro “Rompendo o Cerco”.
Editado pela Paz e Terra em 1978, portanto nos anos de fogo do combate democrático à ditadura em seus estertores , logo em seguida ao histórico episódio dos cães e das baionetas para reprimir o ato comemorativo do 1º de Maio, em Salvador, com as presenças de Ulysses e Tancredo. Trata-se, ainda, de leitura mais que recomendada.
Principalmente neste tempo confuso e temerário de futebol misturado com jogos de poder. Encruzilhadas políticas, jurídicas e de muitos outros tipos mais, que se embaralham no País e apontam para caminhos contraditórios e ainda insondáveis.
Ao decidir afastar-se dos encargos do processo AP470 e de aplicador das penas aos réus condenados do Mensalão, o ministro Barbosa assinou um documento com graves considerações.
Começa por afirmar que "vários advogados" que atuam nas execuções penais do processo, sem precedentes na história da justiça brasileira, deixaram de se valer de argumentos jurídicos e passaram a atuar "politicamente" na esfera pública, com insultos pessoais contra o relator.
"Assim, julgo que a atitude juridicamente mais adequada neste momento é afastar-me da relatoria de todas as execuções penais oriundas da AP470 (Mensalão)", anunciou o ministro no documento de renúncia, produzido às vésperas de Joaquim Barbosa deixar o comando da Suprema Corte de Justiça do Brasil e o próprio exercício profissional, em razão de aposentadoria precoce anunciada para o fim deste mês de junho.
Entre a política e a justiça, uma encruzilhada e tanto se anuncia para o futuro de um dos mais polêmicos e notáveis homens públicos do País na atualidade.
O Nono Mandamento do Decálogo do Estadista, segundo Ulysses, é AUTORIDADE. Está escrito no livro que este é um atributo inato. É consubstancial ao político e ao homem público. "A competência funcional é dada pelo cargo, a autoridade é pessoal, o homem público é gratificado por ela. É imantação misteriosa e sedutora, irresistível, temperada de respeito e admiração. Homem iluminado pela autoridade é visto por todos, ouvido por todos, onde está é pólo de atração" , diz o enunciado do mandamento.
No livro "Rompendo o Cerco", o autor dá exemplos concretos. - Quando o presidente de Portugal, Craveiro Lopes, visitou o Brasil, conta Ulysses, sua esposa me disse que em concorrida reunião no Palácio São Bento, em Lisboa, de repente "sentiu", embora sem vê-lo, que na sala entrara alguém. "Era o presidente Juscelino Kubitscheck que acabara de chegar".
Líder da oposição ao Governo Ademar de Barros, em São Paulo, Ulysses conta que foi ao Rio de Janeiro com Marcondes Filho, presidente do Senado. Juntos foram ao Catete. Quando saiu do gabinete do presidente Café Filho, o senador Marcondes estava furioso: "Já disse ao Café Filho, que presidente da República também é ritual. Ele não pode admitir a liberdade a que se deu o senador Georgino Avelino, dependurando-se em seu ombro. Com Getúlio Vargas ninguém teria essa coragem", desabafou o então presidente do Senado.
"É o poder de comandar com o olhar. A autoridade promove a pessoa em autoridade", assinala Ulysses Guimarães, ao finalizar o enunciado do nono mandamento de seu decálogo.
E o que diabos isso tem a ver com a renúncia, esta semana, do relator do Mensalão e a saída do ministro Joaquim Barbosa da presidência da Corte Suprema , anunciada para os próximos dias?
Pergunto e arrisco uma resposta: tudo ou quase nada, a depender do que virá depois de sua saída no comando e nas atitudes da Corte e da política brasileira. Dependerá, também, evidentemente, dos próximos passos de Barbosa diante das encruzilhadas postas agora em seu caminho.
Em tempo: O primeiro mandamento do Decálogo do Estadista é CORAGEM
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