Fontes de dentro do Itamaraty afirmam que o Ministério de Relações Exteriores proibiu, em comunicação interna, a concessão de visto de permanência no Brasil ao suíço Julien Blanc, conhecido por orientar rapazes a usarem violência contra mulheres para conseguir sexo.
A informação foi confirmada por três diplomatas, que pediram sigilo sobre suas identidades, e o curso de Blanc foi alvo de repúdio pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.
Em nota enviada à reportagem, o Itamaraty reconheceu que proibição estava sendo avaliada, mas se limitou a dizer que "ainda não foi tomada qualquer decisão definitiva sobre o tema e inexiste instrução para os postos (diplomáticos) - de qualquer natureza - até o momento".
"A repercussão da história causou comoção dentro do Itamaraty e vários setores pressionaram para que a gente negasse o visto. Nossa postura sempre é condenar fortemente, extremamente, qualquer ato de misoginia. O Brasil em todos os fóruns internacionais atua em prol das mulheres e minorias, e nesse caso não dava para ser diferente", disse um dos diplomatas à reportagem.
Segundo as fontes da BBC Brasil, a circular interna que comunica a proibição da entrada de Blanc no país é reflexo de forte mobilização online. Em 24 horas, uma petição contra o "professor cafetão", como o suiço é conhecido nas redes sociais, foi assinada por mais de 200 mil pessoas no site Avaaz.
A reação não é exclusividade brasileira: a Austrália decidiu na semana passada deportar o suíço, também após a criação de petições online. Outro abaixo-assinado foi criado no Reino Unido.
Até o fechamento desta reportagem, a BBC Brasil não conseguiu contato com nenhum dos telefones da Real Social Dynamics, empresa responsável pelas palestras e vídeos de Blanc.
'Assustador, mas efetivo'
De acordo com um dos diplomatas ouvido pela reportagem, a circular telegráfica que proíbe o visto a Julien Blanc foi enviada a todos os consulados e setores consulares no final da tarde desta quarta-feira.
Blanc é "instrutor executivo" da RSD, empresa norte-americana cuja promessa é "fazer mulheres pedirem para dormir com você" a partir de métodos considerados machistas e pautados por violência, intimidação e humilhação.
Desde o início da semana, uma área no site da RSD permite que clientes paguem adiantado para participar de palestras do suiço em território nacional.
Elas estão marcadas para os dias 22 e 25 de janeiro do ano que vem, em Florianópolis, e 29 a 31 do mesmo mês, no Rio de Janeiro, em locais sigilosos. Para participar do curso, que custa US$ 2,5 mil, os interessados precisam desembolsar US$ 800 como depósito adiantado.
As técnicas ensinadas em seus vídeos vão desde beijos à força até puxar a cabeça de mulheres em direção a região genital masculina. Ele sugere que rapazes ignorem quando mulheres dizem não às investidas sexuais e promete métodos infalíveis para "ativar a prostituta que existe dentro delas".
Para atrair companheiras, ele ainda sugere táticas como fazer com que elas peçam eu dinheiro, diminuir sua autoestima e fazer com que elas tenham medo.
Sobre as informações, Blanc ironiza: "É ofensivo, inapropriado, emocionalmente assustador, mas efetivo", diz, em seu site.
Leitores
Pelas redes sociais, a BBC Brasil perguntou a opinião dos leitores sobre a proibição ou não da vinda do suíço ao Brasil.
Nos quase 800 comentários e mais de 300 compartilhamentos, a maioria se mostrou favorável a cassação do visto.
"Não deve colocar os pés no Brasil", disse Maria Goreti, em comentário curtido por 566 leitores.
"Eu não acho que seja publicidade a favor do cara pedir publicamente que ele não venha. Pelo contrário, é mostrar ao mundo que as mulheres não aceitam ser tratadas como objetos de uso público", comentou a leitora Bruna Rosa.
Homens também criticaram o instrutor. "Incitação à violência contra mulher? Quem pode ser a favor disso? Fora playboy!", disse Jhonata Reis. "A pessoa tem que ter muita baixa autoestima pra precisar pagar alguém pra lhe 'ensinar' táticas de conquista", completou Bruno Januário.
Entre os que defenderam a vinda de Blanc, os principais argumentos eram a "liberdade de expressão" e "precipitação".
"Acho complicado barrar algo pelo que ele ainda não fez (digo, ele ainda não cometeu nenhum crime no Brasil)", afirmou Flávio Oliveira.
"E a liberdade de expressão? Ele obriga alguém a fazer alguma coisa?", questionou Paulo Bondephyustula.
Repúdio
Também em nota, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) afirmou ser "radicalmente contra qualquer tipo de violência contra as mulheres e pela defesa dos direitos delas".
No texto, a pasta afirma que os "conteúdos das atividades (de Julien Blanc) são considerados sexistas e racistas".
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, estima-se que mais de 143 mil mulheres teriam sido estupradas em 2013 no Brasil. De acordo com a secretaria, "essa projeção indica que se teria um estupro a cada 10 minutos no país".
"A SPM-PR é contra, portanto, quaisquer cursos, investimentos e outras atividades que promovam essas atitudes. As quais, inclusive, levaram esse senhor a ser expulso da Austrália. A SPM-PR informa ainda que solicitou providências cabíveis ao Exmo Sr. José Eduardo Cardoso, Ministro de Estado da Justiça", finaliza.