O Vaticano retirou, nesta segunda-feira (27), a referência à "psiquiatria" da declaração feita na véspera pelo papa Francisco que provocou uma imensa polêmica. O sumo pontífice declarou que, se detectada na infância, a psiquiatria poderia tratar a homossexualidade.
Segundo o Vaticano, o papa não quis abordar a homossexualidade como uma doença psiquiátrica. Por isso, a palavra "psiquiatria" foi retirada do "verbatim" publicado hoje pelo serviço de imprensa do Vaticano.
O objetivo, declarou uma porta-voz do sumo pontífice, era "não deturpar o pensamento do papa". "Quando o papa se refere à 'psiquiatria', é claro que ele faz isso como um exemplo que entra nas coisas diferentes que podem ser feitas", explicou a mesma fonte. "Mas, com essa palavra, ele não tinha a intenção de dizer que se tratava de uma doença psiquiátrica, mas que talvez fosse necessário ver como são as coisas no nível psicológico", acrescentou.
Em uma coletiva de imprensa no voo de volta de Dublin, onde encerrou o Encontro Mundial das Famílias no domingo, Francisco respondeu à pergunta de um jornalista sobre o que ele diria aos pais que constatassem orientações homossexuais em seus filhos. "Quando [a homossexualidade] se manifesta desde a infância, há muitas coisas a serem feitas pela psquiatria, para ver como são as coisas. É diferente de quando se manifesta depois dos 20 anos", reiterou.
O papa também recomendou que as famílias conversem sobre o assunto para tentar compreendê-lo. "Jamais diria que o silêncio é um remédio. Ignorar seu filho ou sua filha que tem tendências homossexuais é um defeito na paternidade ou maternidade", concluiu.
Declaração irritou militantes LGBT
Diversas associações de defesa dos direitos LGBT da França denunciaram a irresponsabilidade das declarações do sumo pontífice. "Condenamos essas afirmações que dão a ideia que a homossexualidade é uma doença. Ora, se há uma doença é essa homofobia engessada na sociedade que persegue as pessoas LGBT", reagiu a porta-voz da ONG francesa Inter-LGBT, Clémence Zamora-Cruz.
"Graves e irresponsáveis", classifica a ONG SOS Homofobia da França. No Twitter, a organização escreve que as afirmações do sumo pontífice "incitam ao ódio em nossas socidades já marcadas pela homofobia e a transfobia".
"Adoraria que o papa Francisco não usasse os homossexuais para que paremos de falar dos padres pedófilos", diz a présidente da GayLib, Catherine Michaud.
O mesmo tom foi adotado em um comunicado da Associação das Famílias Homoparentais da França. "É impressionante escutar regularmente conselhos e julgamentos morais da Igreja na qual certas pessoas são incapazes de denunciar atos pedocriminais cometidos por padres". Segundo o documento, esses religiosos é que "deveriam ser os primeiros a se beneficiar de tratamentos psiquiátricos".
Já para a presidente da federação LGBT, Stéphanie Nicot, a declaração do papa é uma estratégia do Vaticano para afastar as recentes polêmicas em torno de abusos sexuais. "Trata-se de uma operação cínica de comunicação que tem o objetivo de não abordar o problema atual que envolve a Igreja Católica, ou seja, os milhares de padres, bispos e provavelmente de cardeais criminosos e pedófilos que agrediram sexualmente crianças. Tudo o que eles sabem fazer é atacar as crianças, dessa vez suspeitas de não estarem na linha da Santa Igreja", afirmou em entrevista à RFI.
Retoque de declarações
Essa não foi a primeira vez que o Vaticano "retocou" declarações dadas pelo papa, na tradicional coletiva que ele dá ao voltar de suas viagens ao exterior. Segundo a agência I.Media, especializada na Igreja Católica, a assessoria de comunicação da Santa Sé retirou, em 2013, uma frase inteira pronunciada por Jorge Bergoglio, sobre o monsenhor Oscar Romero, arcebispo de São Salvador, assassinado em 1980: "Não duvido que ele mereça ser beatificado, mas temos de considerar o contexto".
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