O recente avanço de empresas estrangeiras no setor de energia brasileiro poderá reduzir a competição no mercado de energia do país, aponta estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas).Desde 2016, quando o mercado de energia brasileiro viveu uma guinada devido às reformas regulatórias promovidas pelo novo governo, foram realizadas mais de 15 fusões e aquisições, movimentando cerca de R$ 86 bilhões.
Desse montante, 95,2% se referem a compras feitas por empresas de fora do Brasil -principalmente de estatais estrangeiras, mostra o estudo.
"Mesmo que a fotografia ainda não indique um mercado altamente concentrado, se você olhar o filme, ou seja, se continuar nessa toada, pode haver problemas", afirma o economista Gesner Oliveira, responsável pela pesquisa.
Há uma preocupação quanto à redução no número de atores no mercado, já que a competição no setor elétrico é medida principalmente pelo total de participantes de leilões de energia.
Existe também um temor em relação à isonomia entre empresas nacionais e internacionais. Isso porque as companhias brasileiras têm um custo maior para captar recursos que as empresas norte-americanas e europeias, o que reduz sua competitividade nos leilões.
A maior preocupação, porém, recai sobre a entrada de estatais estrangeiras no país, que muitas vezes recebem subsídios de seus respectivos governos.
"É preciso garantir condições iguais, não permitir que haja artificialismo, como empresas que recebem subsídios governamentais e por isso podem fazer lances mais agressivos [nos leilões]. Isso fere as regras da OMC [Organização Mundial do Comércio], é concorrência desleal", afirma Oliveira.
O estudo destaca o avanço de estatais chinesas, como a State Grid, que comprou a CPFL em 2016, em uma megaoperação de R$ 40,6 bilhões. Outro caso é a China Three Gorges, que atua no setor de geração elétrica, e comprou a Duke Energy, assumindo o posto de maior geradora privada do Brasil.
Há também o caso da estatal italiana Enel, que em maio venceu a disputa pela compra da Eletropaulo -o que acentuou de forma significativa o mercado de distribuição de energia do país.
Após a compra da distribuidora paulista, as quatro maiores empresas do setor passam a deter 63,4% do mercado no país -até então, a taxa de concentração era de 55%.
A empresa italiana passou à liderança do mercado, com uma fatia de 18,3%. Em seguida, vêm a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), com 17,3%, a CPFL, controlada pela chinesa State Grid, com 15,1% e a Neoenergia, controlada pela espanhola Iberdrola, com 12,8%.
IMPACTO AO CONSUMIDOR
A concentração pode ter efeitos nocivos não só pela redução de atores, mas também porque a forma de medir o desempenho das distribuidoras é balizado pela comparação com as demais companhias do setor.
Ou seja, em um cenário com menos atores, a queda da competição tende a "nivelar por baixo" a qualidade da prestação de serviço.
"No fim das contas, o que importa é o preço e a qualidade, que são fatores que dependem muito da competição."
A análise é importante principalmente em meio à discussão sobre a privatização da Eletrobras, que planeja vender todas suas distribuidoras e outros ativos de geração e transmissão. Além disso, há o debate sobre a desestatização da própria controladora.
"Dependendo de como se faça [a privatização] pode ter uma concentração maior", diz ele.
Nos segmentos de geração e transmissão de energia, a concentração dos mercados ainda está bastante centrada na atuação da Eletrobras.
A estatal brasileira ainda representa 30,6% da geração total do país e é a empresa líder do mercado -cuja concentração é menor que os demais. Depois dela, vem a China Three Gorges, com 5,3% e a francesa Engie, com 4,9%.
A participação internacional nesse segmento é de 20,8%, entre privadas e estatais.
No mercado de transmissão, as estatais dominam, com 61,7% do total, dos quais 55,4% correspondem à participação da Eletrobras. Entre as privadas, destacam-se a colombiana Cteep (14,4%) e a chinesa State Grid (5,9%).
A abertura do mercado de transmissão para empresas estrangeiras também teve uma guinada a partir de 2016, quando começaram a se planejar leilões com condições mais atrativas aos investidores internacionais.
Desde então, a Eletrobras (que antes era o principal ator dos leilões) não arrematou novas linhas, e empresas novas no segmento passaram a se destacar, como a Cteep, a Engie, a Neoenergia e a indiana Sterlite Power.
Para evitar essa concentração, é preciso garantir isonomia nos leilões e fortalecer a regulação do setor elétrico, afirma Gesner.
"É preciso garantir condições iguais e regras claras, seguindo as normas da OMC. Outra agenda importante é uma regulação boa [por parte da Aneel, agência reguladora do setor], sem loteamento político, sem nepotismo", diz ele.
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