André Karam Trindade é doutor em Direito, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da IMED e advogado.
Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).
O processo inconcluso da cidadania deveria justificar a permanente vigilância de todos atores jurídicos sobre a sua parcela de responsabilidade na efetivação do Estado Constitucional prometido em 5 de outubro de 1988. Aliás, o uso do termo atores do Direito, no que se refere aos mais diversos profissionais que atuam no campo jurídico, foi proposital e visa se contrapor ao rotineiro manejo da expressão “operadores do Direito”.
O saudoso professor Warat sempre criticou essa expressão alegando que o Direito não deve ser “operado” como se fosse uma máquina ou uma engrenagem. Aqueles que atuam na área do Direito (juízes, promotores, defensores, procuradores, delegados, advogados, professores e servidores da Justiça) exercem inúmeras atividades que não devem, de maneira nenhuma, ser comparadas ao simples manejo de uma técnica, uma vez que envolvem as relações humanas e sociais. Da mesma forma, considerando a singularidade dos casos, o agir dos juristas não deve ser considerado como uma mera reprodução, como se a aplicação das normas jurídicas resultasse de um ato mecânico.
Para ele, o uso da expressão “operadores do Direito” é sintomático na medida em que revela o modo como o Direito vem sendo praticado desde o século XIX, com o advento do formalismo jurídico. Em oposição à inspiração positivista que historicamente orientou a educação jurídica no Brasil, Warat sempre defendeu a formação de “atores do Direito”, capazes de protagonizar a transformação da realidade social tão prometida nas democracias constitucionais.
E o que essas considerações se relacionam com o título dessa coluna? O jovem defensor público Eduardo Januário Newton, em sua obra A defesa intransitiva de direitos: ácidos inconformismos de um defensor público, recém lançada pela editora Empório do Direito, sustenta que somente por meio de uma intransitiva, permanente e contínua defesa dos direitos é que se mostra possível romper com a figura do operador jurídico.
O discurso apresentado pelo autor não constitui uma alusão histérica de exigir direitos imaginários, mas da defesa inflexível da arte de “defensorar”, categoria que é por ele explicada. Assumir o papel de partícipe na transformação do status quo implica em denunciar o transbordamento dos limites do exercício do poder estatal, o que não é uma tarefa tranquila no ambiente totalitário do Poder Judiciário.
A angústia e a acidez trazidas nas palavras de Eduardo se encontram relacionadas com a necessidade de se discutir o que significa “bem comum”, sendo certo que não se trata de um conceito dado, mas que atravessa a realidade de exclusão, dos assistidos que são tolerados por um sistema que mastiga humanos.
No momento atual em que os bodes expiatórios (Rene Girard) são eleitos para o fim de se buscar, compulsivamente, uma suposta harmonia social, nos limites da exclusão, não deixa de ser cínico apontar-se para uma imaginária paz social. Não há paz social com fome, dor, pessoas morrendo de doenças curáveis, enfim, não se pode falar em igualdade em um país em que se morre em filas de hospitais. Contra isso a atuação do defensor é uma esperança e é esse sentimento que a obra tenta transmitir ao seu leitor.
E a esperança se renova em cada atendimento, em cada demanda proposta, na angústia de não poder fazer mais nada. E se insiste. Sempre. A construção da cidadania no Brasil se fez e se faz, em muito, pelo destemor de pessoas que acreditam na realização do Estado Democrático de Direito.
Ora, se esta coluna é denominada Diário de Classe, fica então a nossa sugestão de leitura para a obra citada e que ela possa participar de um diálogo necessário sobre a efetivação da cidadania por meio da incansável, permanente e intransitiva luta pela defesa de direitos.
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