André Karam Trindade é doutor em Direito, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da IMED e advogado.
Depois de os juízes federais Antônio Bochenek e Sergio Moro afirmarem, no ano passado, que o “problema é o processo” (leia aqui), agora é a vez do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, procurador da República José Robalinho Cavalcanti, que declarou que “o Brasil é o país mais garantista do mundo”. Imagino que, para ele e tantos outros, isso deva ser péssimo... Discordo duplamente!
Soube da polêmica declaração por meio das redes sociais. O elevado grau de garantismo, para o presidente da ANPR, deve-se a “uma interpretação equivocada do artigo 5º da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal”. Busquei a notícia na ConJur (leia aqui) para verificar o contexto. Trata-se de uma “resposta” à reportagem sobre o parecer elaborado por juristas britânicos que concluiu pela violação aos princípios da presunção de inocência e do ônus probatório da acusação na operação “lava jato”. O teor da declaração não me surpreendeu. Aliás, pareceu-me bastante previsível. No dia seguinte, em artigo publicado também na ConJur(leia aqui), o professor Leonardo Isaac Yarochewsky colocou alguns pontos nos is. Mais não precisaria ser dito.
De todo modo, fiquei pensando o que será que o presidente da ANPR entende por garantismo? Qual seria o garantistômetro empregado por ele para chegar a tal conclusão? Acredito que tenha lido, ao menos, os clássicos Cesare Beccaria, Gaetano Filangieri, Mario Pagano, Benjamin Constant, onde se encontram as raízes do garantismo. Da mesma forma, aposto tenha ele conhecimento de que Ferrajoli não é um penalista e, ainda, de que sua teoria jurídica se aplica aos mais diversos campos do Direito, transcendendo — e muito — a esfera criminal.
Uma chave de leitura da polêmica declaração pode ser encontrada, facilmente, na seguinte passagem publicada na notícia: “Eles [os executivos da Odebrecht] têm os melhores advogados do país, com os escritórios mais estruturados do Brasil. Não tem como dizer que não têm acesso a uma ampla defesa”. Será mesmo que ele compreende a ampla defesa desse modo? Espero que não. Seria duplo insulto: à advocacia criminal e à Defensoria Pública. Até porque, se assim fosse, todos aqueles cidadãos que não têm condições de contratar os “escritórios mais estruturados do Brasil” deveriam ter seus processos criminais anulados por violação à ampla de defesa...
Para completar, ao final de sua manifestação, o presidente da ANPR afirmou: “Em nenhuma democracia desenvolvida do mundo há o garantismo que se vê aqui”. O que isso quer dizer, afinal? Que as garantias constitucionais devem ser flexibilizadas? A presunção de inocência dispensaria o trânsito em julgado apesar de sua expressa exigência constitucional. E a estrutura dos escritórios asseguraria, por si só, a ampla defesa. É isso?
Penso, ao contrário, que a democracia somente é possível por meio dos direitos. E essa é uma tese garantista. Aliás, é por isso que o país mais garantista do mundo será sempre aquele que mais respeitar os direitos fundamentais. E que, portanto, possui os maiores indicadores de IDH. Lamento informar que esse não é o nosso caso. Basta, para tanto, visitar escola, hospital ou presídio mais próximo. Talvez o presidente da ANPR precise viajar mais, certamente em classe executiva, uma vez que a liminar que suspendia a benesse prevista no artigo 20 da Portaria 41/2014, da PGR, foi cassada pelo TRF da 1ª Região (leia aqui). Isso, sim, não ocorre nas democracias constitucionais desenvolvidas. O garantismo é incompatível com práticas antirrepublicanas. Mas aí já é tema para outra coluna.
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