Cartilha Stalinista: Rui Falcão,
presidente do PT (ao lado), e Marco Maia, presidente da Câmara: para
tentar apagar os crimes cometidos por petistas no mensalão, a ordem é
mentir até parecer verdade
Josef Stalin, o ditador soviético ídolo de muitos petistas, considerava
as ideias mais perigosas do que as armas e, por isso, suprimiu-as,
matando quem teimava em manifestá-las. O PT até que tenta se arejar,
exercitar certo pluralismo, mostrar respeito às leis e conduzir as
instituições do país que ele governa não como propriedade particular do
partido, mas reconhecendo-as como conquistas da sociedade brasileira.
Mas basta uma contrariedade maior para que o espírito de papai Stalin
baixe e rasgue a fantasia democrática dos petistas parcialmente
convertidos ao convívio civilizado. A contrariedade de agora é a
proximidade do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da maior
lambança promovida pelos petistas com dinheiro sujo, que produziu o
escândalo entronizado no topo do panteão da corrupção oficial brasileira
com o nome de mensalão. Sussurre esse nome aos ouvidos de um petista
nos dias que correm e ele vai reagir como se uma buzina de ar comprimido
tivesse sido acionada a centímetros de seus tímpanos. A palavra de
ordem emanada do comitê central sairá automaticamente: "Isso é invenção
da oposição e da imprensa!".
Como formigas guiadas por feromônios, os militantes de todos os
escalões, de ministros de estado aos mais deploráveis capangas pagos com
dinheiro público na internet, vão repetir disciplinadamente o mantra de
que o mensalão "foi uma farsa". Ele vai ser martelado sobre os cinco
sentidos dos brasileiros na tentativa de apagar os crimes cometidos
pelos petistas e, seguindo a cartilha stalinista, fazer valer as versões
sobre os fatos, transmutar culpados em inocentes e, claro, apontar
bodes expiatórios como responsáveis pelas próprias misérias morais que
eles infligiram ao país, a si próprios e a sua reputação, firmada quando
na oposição, de paladinos da ética. Esse processo perverso de
reescrever a história está em curso em Brasília, em pleno século XXI.
Sua mais recente iniciativa é a iminente instalação de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) mista do Congresso Nacional, a primeira
do governo Dilma Rousseff. O objetivo declarado — e desejável — da CPI é
elucidar os limites da atuação no mundo oficial do contraventor Carlos
Cachoeira, que explorava o bingo ilegal em Goiás e se encontra
trancafiado em presídio de alta segurança. Acusado de receber dinheiro
para defender os interesses do contraventor no governo e no Legislativo,
o senador Demóstenes Torres, do DEM, está a caminho de perder o
mandato. Razões para uma investigação republicana, portanto, não faltam.
O problema está nos objetivos subalternos da CPI, que os petistas e
seus aliados mal conseguem esconder nas conversas: criar um fato novo e,
assim, desviar o foco da atenção da opinião pública do julgamento do
mensalão. Eles esperam que as investigações produzam imagens que ajudem a
demonstrar a tese central do presidente Lula sobre o mensalão, a de que
o PT fez apenas o que todo partido político sempre fez. Esperam também
criminalizar jornalistas para quem Carlos Cachoeira serviu de fonte
sobre o que ia nos subterrâneos da corrupção no mundo oficial em
Brasília, terreno que ele frequentava com especial desenvoltura.
Em resumo, o PT espera desmoralizar na CPI todos que considera pessoal
ou institucionalmente responsáveis pela apuração e divulgação dos crimes
cometidos pelos correlegionários no mensalão — em especial a imprensa.
Por quê? Principalmente porque o esquema de compra de apoio parlamentar
pelo governo do PT começou a ser desbaratado em 2005, após uma
reportagem de VEJA mostrar um funcionário dos Correios cobrando e
recebendo propina em nome do PTB. Depois disso, o presidente do partido,
o ex-deputado Roberto Jefferson, revelou ao país que parlamentares
recebiam dinheiro na boca do caixa para votar com o Planalto. O chefe do
esquema era o então ministro da Casa Civil José Dirceu, que vivia
repetindo o bordão segundo o qual não fazia nada sem o conhecimento do
presidente Lula. Tanto a CPI dos Correios quanto a Procuradoria-Geral da
República deixaram claro que parte do dinheiro que financiou o mensalão
saiu dos cofres públicos. Durante as investigações, o então marqueteiro
de Lula, Duda Mendonça, admitiu ter recebido dólares por fora, no
exterior, por serviços prestados na campanha do presidente. Foi tão
grave e acintosa a agressão dos petistas às leis brasileiras no mensalão
que, tecnicamente, o presidente Lula poderia ter sofrido um processo de
impeachment. Seu mandato foi preservado por falta de apetite da
oposição e pelo cálculo, que se mostraria redondamente equivocado, de
que Lula definharia no poder, sangrando pouco a pouco em consequência do
mensalão. Nada disso ocorreu. Lula deu uma magnífica volta por cima,
reelegeu-se, fez a sucessora e saiu do Palácio do Planalto da mesma
forma que entrou — nos braços do povo.
Agora o fantasma do mensalão volta a ameaçar a hagiografia do líder
petista — e a ordem de cima é atropelar quaisquer escrúpulos para
preservar Lula. "A bancada do PT defende uma CPI para apurar esse
escândalo dos autores da farsa do mensalão. É preciso que a sociedade
organizada, movimentos populares, partidos políticos comprometidos com a
luta contra a corrupção, como é o PT, mobilizem-se para impedir a
operação-abafa e para desvendar todo o esquema montado por esses
criminosos, falsos moralistas que se diziam defensores da moral e dos
bons costumes", declarou Rui Falcão, deputado paulista, presidente
nacional do PT. A forma cristalina pela qual Falcão explica os objetivos
do partido na CPI parece a transcrição perfeita de uma cartilha de
propaganda soviética. Dado que os companheiros cometeram crimes no
mensalão e que esse fato é devastador para o partido que no passado
empunhou a bandeira da ética para vencer a antipatia e a desconfiança da
classe média brasileira, vamos tentar mudar a percepção da realidade e
acionar os companheiros para ver se cola a ideia de que o mensalão foi
uma armação cujos responsáveis, vejam só que coincidência, estão todos
orbitando em torno de um contraventor cujas atividades vão ser
investigadas por uma CPI.
A lógica política de Falcão é irretocável — até certo ponto. Esse
truque funcionou na União Soviética, funcionou na Alemanha nazista,
funcionou na Itália fascista de Mussolini, por que não funcionaria no
Brasil? Bem, ao contrário dos laboratórios sociais totalitários tão
admirados por petistas, o Brasil é uma democracia, tem uma imprensa
livre e vigilante, um Congresso eleito pelo voto popular e um Judiciário
que, apesar de fortemente criticado recentemente, tem demonstrado
independência e vigor doutrinário. Isso significa que para o delírio de
Falcão se materializar é preciso neutralizar as instâncias democráticas,
calando-as ou garantindo que a estridência radical petista supere as
vozes da razão e do bom-senso.
Uma CPI dominada pelo PT e seus mais retrógrados e despudorados aliados
é o melhor instrumento de que a falconaria petista poderia dispor —
pelo menos na impossibilidade, certamente temporária para os falcões, de
suprimir logo a imprensa livre, o Judiciário independente e o
Parlamento, fósseis de um sistema burguês de dominação que está passando
da hora de ser superado pelo lulopetismo, essa formidável invenção
tropical diante da qual empalidecem todos os demais arranjos
político-sociais do mundo atual. Mas, enquanto o triunfo final não vem,
os falcões petistas vão se contentar em usar a CPI para desmoralizar
todos os personagens e forças que ousem se colocar no caminho da marcha
arrasadora da história, que vai lançar ao lixo todos os que atacaram o
PT e, principalmente, seu maior líder, o ex-presidente Lula.
Não por acaso, a estratégia que a falconaria petista está executando
disciplinadamente em Brasília saiu da cabeça de Lula. Em novembro de
2010, a menos de dois meses do término de seu segundo mandato, o então
presidente recebeu o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu para um
café da manhã no Palácio da Alvorada. À mesa, Lula prometeu a Dirceu, o
mais influente quadro da engrenagem petista, que lançaria uma ofensiva
para desmontar "a farsa do mensalão" tão logo deixasse o cargo. Não era
bravata. Conforme prometido, essa cruzada para abafar o maior escândalo
de corrupção da história recente do país começou a se materializar em
pequenos movimentos. Foi ela que levou à eleição do petista João Paulo
Cunha, um dos 36 réus no processo do mensalão, para a presidência da
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em 2011, o que garantiu a
ele uma posição privilegiada para dialogar com a cúpula do Poder
Judiciário. Foi ela também que resultou na nomeação do petista José
Genoíno, outro réu no processo, para o cargo de assessor especial do
então ministro da Defesa, Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), justamente a corte que julgará o caso.
O esquema: O então deputado Roberto Jefferson contou
ao Congresso como o governo do PT criou o mensalão, o esquema de suborno
de parlamentares que era operado pelo publicitário Marcos Valério. As
revelações provocaram decepção e choro de alguns parlamentares petistas,
ameaçaram a continuidade do governo Lula e resultaram no processo que
acusa 36 pessoas de crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa,
peculato, evasão de divisas e lavagem de dinheiro
Esses dois movimentos da reação capitaneada por Lula foram costurados
nos bastidores. Fizeram parte de uma estratégia silenciosa destinada a
reabilitar publicamente as estrelas petistas envolvidas até o pescoço
com os desvios de dinheiro público para abastecer o caixa partidário.
Uma tática deixada de lado na semana passada, quando o PT partiu para
uma espécie de vale-tudo a fim de varrer para debaixo do tapete o
esquema de compra de apoio parlamentar que funcionou durante o governo
passado. A estratégia evoluiu para o uso da Operação Monte Carlo da
Polícia Federal, que deu origem à CPI. A ação da PF desbaratou um
esquema de exploração de jogos ilegais comandado por Carlinhos Cachoeira
e revelou uma rede suprapartidária de políticos envolvidos com ele.
Além do senador Demóstenes, as investigações atingiram o governador de
Goiás, o tucano Marconi Perillo, desafeto de Lula desde que declarou, em
2005, que alertara o então presidente da existência do mensalão.
Lula viu na CPI a oportunidade política de mostrar que todos os
partidos pecam. Que todos são farinha do mesmo saco e, por isso mesmo, o
mensalão não seria um esquema de corrupção inaudito, muito menos
merecedor de um rigor maior por parte do Judiciário e da sociedade. Para
os petistas, apagar a história neste momento é uma questão de
sobrevivência. Seus caciques sustentam que, com a aproximação da data
prevista para o julgamento do mensalão e diante da hipótese de uma
condenação, não há o que perder na arriscada aposta em tentar
menosprezar a inteligência das pessoas, zombar das autoridades que
investigaram o caso durante anos, impor constrangimentos aos ministros
do Supremo que se preparam para julgar o processo. É tamanha a ânsia de
Lula e dos mensaleiros para enterrar o escândalo que, se preciso, o PT
rifará o governador do Distrito Federal, o petista Agnelo Queiroz, que
também aparece no arco de influência dos trambiques da máfia do jogo.
Lula e os falcões petistas viram também abrir-se para eles a retomada
de um antigo, acalentado e nunca abandonado projeto de emascular a
imprensa independente no Brasil. Os projetos de censura da imprensa que
tramitaram no PT foram derrotados não por falta de vontade, mas porque o
obscurantismo cobriria a imagem do Brasil de vergonha no cenário
mundial. Surge agora uma oportunidade tão eficiente quanto a censura,
com a vantagem de se obter a servidão acrítica da imprensa sem recorrer a
nenhum mecanismo legal que possa vir a ser identificado com a supressão
da liberdade de expressão. Não por coincidência, na semana passada a
Executiva Nacional do PT divulgou uma resolução pedindo a regulamentação
dos meios de comunicação diante "da associação de parte da imprensa com
a organização criminosa da dupla Cachoeira-Demóstenes". Dando sequência
à diretriz do comitê central do partido, o comissário Marco Maia,
presidente da Câmara, complementou: "Todas as informações dão conta de
que há uma participação significativa de alguns veículos de comunicação
nesse esquema montado pelo Cachoeira. A boa imprensa, que está
comprometida com a informação e a verdade, vai auxiliar para que a gente
possa fazer uma purificação, separar o joio do trigo".
A oportunidade liberticida que apareceu agora no horizonte político é
tentar igualar repórteres que tiveram Carlos Cachoeira como fonte de
informações relevantes e verdadeiras com políticos e outras autoridades
que formaram com o contraventor associações destinadas a fraudar o
Erário. A nota da Executiva Nacional do PT e a fala do comissário Maia
traem o vezo totalitário daquela parte do PT que não tem a mínima noção
do papel de uma imprensa livre em uma sociedade aberta, democrática e
que tenha como base material a economia de mercado. Papai Stalin ficaria
orgulhoso dos pupilos. Caberá a eles agora, aos "tropicastalinistas" do
PT auxiliados pelos impolutos José Sarney e Fernando Collor,
"purificar" a imprensa, decidir qual é a boa e a ruim, o que é joio e o
que é trigo nas páginas dos órgãos de informação e apontar que
repórteres estão comprometidos com a informação e a verdade. Alguém com
mais juízo deveria, a bem do comissário Maia, informá-lo de que quando
governos se arvoram a "purificar" seja o que for — a população, a
imprensa ou a literatura — estão abrindo caminho para o totalitarismo.
Quem diria, comissário, que atrás de óculos modernosos se esconde uma
mente tão arcaica.
Os petistas acham que atacar o mensageiro vai diminuir o impacto da
mensagem. Pelo que disse Marco Maia, eles vão tentar mostrar que obter
informações relevantes, verdadeiras e de interesse nacional lança
suspeita sobre um jornalista. Maia não poderia estar mais equivocado.
Qualquer repórter iniciante sabe que maus cidadãos podem ser portadores
de boas informações. As chances de um repórter obter informações
verdadeiras sobre um ato de corrupção com quem participou dele são muito
maiores do que com quem nunca esteve envolvido. A ética do jornalista
não pode variar conforme a ética da fonte que está lhe dando
informações. Isso é básico. Disso sabem os promotores que, valendo-se do
mecanismo da delação premiada, obtêm informações valiosas de um
criminoso, oferecendo-lhe em troca recompensas como o abrandamento da
pena. Esses são conceitos de difícil digestão para os petistas
acostumados a receber do comitê central as instruções completas sobre o
que devem achar certo ou errado, bom ou ruim, baixo ou alto. Fora da
bolha ideológica, porém, a vida exige que bons jornalistas falem com
maus cidadãos em busca de informações verdadeiras. Motivo mesmo para uma
CPI seria investigar os milionários repasses de dinheiro público que o
governo e suas estatais fazem a notórios achacadores, chantagistas e
manipuladores profissionais na internet. Fica a sugestão.
Carlos Ayres Britto: “Há risco de prescrição de
algumas imputações. Uma vez disponibilizado o processo para julgamento,
vou colocá-lo em pauta em 48 horas.”
Marco Aurélio Mello: “O processo está muito maduro e há risco de prescrição. A responsabilidade de quem julga é muito grande.”
Gilmar Mendes: “Tem de ser neste semestre. Tudo recomenda, e nada indica o contrário. Devemos e podemos julgar o processo neste ano.”
Ricardo Lewandowski, ao ser questionado, na última
quarta-feira, sobre quando apresentará seu relatório, última etapa antes
do julgamento: “Essa pergunta vale 1 milhão de dólares!”
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