A TBrasil tem recebido, de maneira crescente, manifestações de cidadãos de diversos municípios do País solicitando orientação para a formação de grupos locais de combate à corrupção. Evidentemente, a natureza do trabalho envolvido e as particularidades locais não permitem, nem recomendam, a elaboração de manuais ou roteiros, já que cada comunidade deverá ser capaz de fazer seu próprio diagnóstico acerca dos problemas locais e decidir de que forma atuar e participar de seu equacionamento.
Como combater a corrupção?
Ainda existe quem diga que a corrupção é fenômeno cultural. Afinal, só um traço tão presente nos costumes mais básicos das pessoas poderia explicar a presença tão disseminada da corrupção em nossa sociedade. Mas será que isso faz sentido? Parece que não. Se isso fosse verdade, a corrupção não seria identificada como um mal em todos os levantamentos de opinião que se fazem a respeito.
Dizer que corrupção é cultural em nada ajuda para combatê-la. Se considerarmos a corrupção apenas como conseqüência de uma característica cultural ou falha de conduta de algum agente público, corremos o risco de gastar esforços em uma “cruzada moral”, em busca, apenas, da punição de culpados. Tendo em vista que as práticas de corrupção são difíceis de identificar, investigar e punir, os resultados são raramente satisfatórios.
É evidente que isso não significa defender a impunidade de corruptos e de corruptores, mas o velho ditado de que “prevenir é melhor que remediar” parece mais eficaz no combate à corrupção. Previne-se a corrupção aperfeiçoando-se os mecanismos institucionais e administrativos do Estado. Um ato de corrupção só pode acontecer porque há oportunidade para que aconteça. É preciso, portanto, examinar as circunstâncias que favorecem essas oportunidades e desenvolver métodos para reduzi-las.
Onde a corrupção ocorre? Quais os processos que favorecem a ocorrência da corrupção?
Os processos cujo mau funcionamento levam à corrupção podem, em linhas gerais, ser divididos em duas principais categorias: os institucionais e os administrativos.
Alguns exemplos de processos institucionais que propiciam a ocorrência de corrupção no Brasil são:
- a negociação entre os executivos municipais, estaduais e federal e os parlamentares em torno de emendas aos orçamentos para realização de obras públicas, muitas vezes realizadas tendo em vista o futuro direcionamento das licitações;
- A promulgação de projetos de lei que beneficiam setores ou grupos econômicos, que assim ganham vantagem sobre seus concorrentes;
- O mecanismo de nomeação dos membros de Tribunais de Contas, órgãos encarregados do controle das ações do Executivo, geralmente realizada sem debate suficiente, o que muitas vezes leva à indicação de pessoas cujos comprometimentos políticos prejudicam a independência de suas decisões;
- A incapacidade da maioria dos municípios brasileiros e dos conselhos municipais de cidadãos de controlar a aplicação de recursos repassados pela União e pelos Estados, responsáveis pela maior parte de seus orçamentos.
Quanto às falhas administrativas que levam à corrupção, elas são extremamente variadas, mas podem-se citar os seguintes exemplos:
- a falta de racionalidade dos mecanismos de coleta de impostos, o que facilita a ação individual de funcionários sem escrúpulos;
- a existência de rotinas administrativas que criam dificuldades e, assim, propiciam a oportunidade de se venderem facilidades.
- a pouca transparência sobre as decisões do Estado, o que não apenas dificulta a vigilância da sociedade e dos órgãos de imprensa, como desgasta a eficiência da própria administração. No Brasil, o Judiciário, em especial o dos estados, é muito pouco transparente, a ponto de ser considerado uma verdadeira “caixa preta”.
O que fazer? Por onde começar?
Cada vez mais, as pessoas se preocupam com os males causados pela corrupção. Mas o que fazer para prevenir sua ocorrência? É claro que os governos podem agir e impor práticas administrativas mais saudáveis. Isso sempre faz grande diferença. Pressões sociais articuladas também são importantes para levar a mudanças. A vigilância que a sociedade pode exercer sobre o poder público tem sido exemplificada em diversas comunidades brasileiras, levando à identificação de desvios e à punição dos responsáveis. No entanto, cidadãos que trabalham em ONGs ou participam de movimentos sociais por vezes não sabem como se organizar e como contribuir para o combate à corrupção.
O primeiro passo é reunir um grupo de pessoas com interesses comuns e definir o objetivo que se quer atingir, ou o processo decisório que se quer acompanhar. O monitoramento de qualquer aspecto do funcionamento do poder público exige o interesse e o conhecimento sobre determinado assunto. Pode ser interessante agregar lideranças locais e pessoas ligadas a outras entidades da sociedade civil que possam contribuir com experiências de outros movimentos.
Também é importante decidir se o grupo quer se tornar uma entidade legalizada ou se pretende trabalhar como um grupo informal para agir pontualmente. É preciso ter em conta que a criação de uma ong tem custos iniciais de registro e constituição da entidade, além dos fixos, de manutenção. O funcionamento de organizações sem fins lucrativos é regulado pela Lei 9.790/99.
O que monitorar?
O simples fato de se identificar a necessidade da criação de um grupo local de combate à corrupção já significa que algum desvio ou mau funcionamento do Estado foi identificado. (uma fonte de consulta sobre casos de corrupção é o banco de dados Deu no Jornal, da TBrasil, que reúne notícias diárias de 60 jornais e revistas de todo o país ( aqui).
Antes de mais nada, porém, é preciso conhecer as diferentes instituições municipais e saber como elas funcionam: quais as atribuições da Prefeitura, qual o papel da Câmara de Vereadores, qual a função dos Tribunais de Contas Estaduais e dos conselhos sociais? A partir daí, é possível avaliar se estão cumprindo suas atribuições com eficiência, com transparência. (veja aqui metodologia elaborada pela Transparência Itapeva (SP) para a realização de pequenas pesquisas de opinião.
A tarefa do grupo poderá se concentrar no acompanhamento das ações do legislativo, na identificação dos projetos de lei que estejam sendo discutidos e votados pela Câmara de Vereadores e sua repercussão para os interesses da comunidade, a existência de práticas clientelistas, o desempenho dos vereadores em seu papel de fiscais do povo, o cumprimento pelos representantes de suas propostas eleitorais, etc. (veja aqui o documento “A experiência dos grupos de acompanhamento do Legislativo”, de Domingos Taufner e Helder Salomão).
No caso do executivo, é natural que o foco da atenção se concentre sobre áreas de maior risco, entre estas o orçamento, a prestação de serviços municipais, a contratação de obras e serviços pelo poder público. (veja aqui o que se espera de prefeitos comprometidos com uma governança decente).
Outro processo com elevado risco no que se refere à ocorrência de corrupção é o eleitoral. A participação da sociedade civil organizada no acompanhamento das eleições não só contribui para diminuir a ocorrência de práticas condenáveis como a compra de votos, o uso da máquina administrativa em campanhas, mas, principalmente, desenvolve a consciência política da população. Da mesma forma, é importante a avaliação sobre a atuação dos eleitos, a verificação de sua dependência ou independência em relação a seus financiadores, por exemplo. (É possível consultar as doações feitas a candidatos no sítio Às Claras, desenvolvido pela Transparência Brasil.)
Também é importante acompanhar o funcionamento dos conselhos municipais de cidadãos, formados para possibilitar a participação da população local na definição de prioridades sobre o uso dos recursos e de controlar sua aplicação. Os exemplos mais conhecidos dessas experiências têm sido os orçamentos participativos, os mutirões habitacionais, além dos conselhos de acompanhamento dos programas federais, como o Merenda Escolar e o Fundef - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
Muito desses conselhos, no entanto, não têm desempenhado bem suas funções, não tendo conseguido evitar o mau uso ou o desvio de recursos em vários municípios. Uma das tarefas a que o grupo local poderá se dedicar é a realização de um levantamento sobre os conselhos de cidadãos em funcionamento no município para, posteriormente, verificar suas atribuições e avaliar seu desempenho.
Evidentemente, não há receitas prontas sobre como atuar no combate à corrupção. É preciso que cada comunidade assuma esta tarefa, reunindo informações, identificando os problemas locais e criando mecanismos para pressionar o poder público a coibir sua ocorrência, de forma permanente e organizada.
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