Nesta quarta-feira (1º), a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) completa 70 anos e permanece coberta de contradições. Se por lado, apenas 20% do seu texto é aplicada, por outro, ela criou princípios utilizados até hoje pela Justiça Trabalhista.
Apesar das conquistas, cerca de metade dos trabalhadores brasileiros, segundo o IBGE, não têm o direito mais básico previsto pela CLT: o registro na carteira de trabalho. Sem o reconhecimento do vínculo, o empregado perde direitos como FGTS, férias, 13º salário, hora extra, entre tantos outros garantidos.
É caso da cuidadora de idosos Tânia Rodrigues Egete, 64, que nem se lembra como era ter todos os direitos. “Trabalhei 28 anos sem carteira assinada. No início, tinha medo de ser demitida. Agora, acho que não adianta mais. Até já fui registrada, mas nunca tirei férias”, conta.
Segundo o IBGE, entre os trabalhadores domésticos, como Tânia, a informalidade é ainda maior: apenas 26% possuem carteira assinada em todo o país. “A falta de registro em carteira atinge todas as classes”, diz o juiz titular da 88ª Vara do Trabalho em São Paulo, Homero Batista Mateus da Silva
Depois de anos como empregada doméstica e auxiliar de limpeza, Izaneide Mendes, 35, deixou para trás o registro em carteira para tentar mudar de ramo e fazer o que realmente gosta. “Quando decidi fazer um curso de manicure, já sabia que era muito difícil ter carteira assinada”, diz. Perdeu alguns direitos, mas não deixou de pensar no futuro. “Faz três anos que estou pagando o INSS”.
História
A CLT foi publicada em 1º de maio de 43 durante o Estado Novo, o primeiro governo de Getúlio Vargas, marcado pelo fechamento do Congresso e o país sob o estado de emergência. “O Brasil, naquele momento, estava alinhado ao Eixo e não aos Aliados [durante a Segunda Guerra Mundial]. Tinha uma simpatia nazista, fascista, então a CLT é totalmente ligada às ideias da época de Mussolini, foi criada e transcrita da Carta del Lavoro [documento publicado em 1930 na Itália fascista para coordenar as leis sobre previdência e assistência aos trabalhadores]”, afirma o juiz.
Desde a década de 1940 até 2013, quando os domésticos alcançaram os direitos dos demais trabalhadores, o texto da CLT foi alterado diversas vezes. Além da nova redação, foram criadas outras leis que regulam itens específicos da relação trabalhista, como o recolhimento do FGTS e a participação nos lucros, e das novas regras fixadas na Constituição de 1988.
Há ainda os diversos casos em que súmulas e jurisprudências do TST (Tribunal Superior do Trabalho) fixaram entendimentos que devem ser seguidas pelos tribunais inferiores. É o caso recente em que os ministros do TST entenderam que as gestantes que têm contrato de experiência têm direito à estabilidade, como as demais trabalhadoras.
Vícios e virtudes
Com 70 anos de vida, a CLT tem virtudes e princípios importantes, que fizem dela uma grande âncora para toda a Legislação Trabalhista. “Ela consegue abranger uma quantidade de pessoas, que nenhuma outra lei conseguiria, serve do mais humilde empregado ao mais alto executivo”, diz o magistrado, ao citar o que acredita ser uma virtude da consolidação. Para Silva, o texto foi vanguardista em vários aspectos, como ao prever os conglomerados financeiros, a sucessão e a terceirização.
Apesar disso, o texto ainda carrega fortes traços do período em que foi criado, que dificultam o dia a dia de empregados, empregadores, juízes, promotores e advogados trabalhistas em todo o país. “Um dos principais vícios da CLT é a contribuição sindical [cada trabalhador doa um dia de salário por ano ao sindicato da sua categoria]. Isso fez com que os sindicatos tenham sofrido uma atrofia ao longo dos anos”, afirma Silva.
“A CLT parece ser um retrato da sociedade brasileira, essencialmente contraditória, arrojada em alguns pontos e irritantemente retrógrada em outros, conseguindo a proeza de conciliar o patético e o sublime”, concluiu.