A afirmação é da socióloga e professora universitária aposentada Maria Lucia Victor Barbosa, que diz à Folha ter inventado o termo Ursal em 2001 como uma ironia, uma crítica a um encontro do Foro de São Paulo em Havana que ocorreu naquele ano.
Na ocasião, participaram da reunião do grupo, que reúne partidos latino-americanos de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva e o então ditador cubano, Fidel Castro, entre outros.
No evento, Lula fez um discurso veemente contra a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), dizendo ser um projeto de anexação que os Estados Unidos queriam impor, afirmando que seria o fim da integração latino-americana.
Em artigo publicado na internet em 9 de dezembro de 2001 intitulado "Os Companheiros", que foi reproduzido em alguns blogs à época, a professora escreveu: "Mas qual seria, me pergunto, essa tal integração no modelo Castro-Chávez-Lula? Quem sabe, a criação da União das Republiquetas Socialistas da América Latina (URSAL)?" -em tom de deboche, ela utiliza o termo Republiquetas, em vez de Repúblicas.
A partir daí, diz a professora, a sigla começou a se espalhar na blogosfera e fugiu a seu controle.
A professora afirma que pessoas telefonavam para ela para saber se a tal união existia mesmo, e ela explicava que era uma invenção.
"Eu falava para as pessoas 'não passa isso' [adiante], mas não teve jeito, de repente espalhou", diz ela.
Na internet, a referência mais antiga encontrada pela reportagem para a Ursal é o artigo de Maria Lucia. Cinco anos depois, em maio de 2006, a Ursal já era tratada como um fato em artigo do filósofo Olavo de Carvalho, papa do conservadorismo brasileiro, para o jornal Diário do Comércio.
Maria Lucia diz que ficou surpresa ao ver sua piada citada por Cabo Daciolo no debate da Band. "Isso é meu, olha onde foi parar, eu fiquei boba", afirmou.
No encontro, na última quinta (9), Daciolo se dirigiu a Ciro Gomes (PDT) e perguntou a ele, "um dos fundadores do Foro de São Paulo", o que teria a dizer sobre o plano da Ursal. Ciro responde que não é fundador do Foro e que desconhece a sigla.
Formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, a socióloga não declara em quem vai votar para presidente, mas diz que na juventude era de esquerda.
"Todos éramos de esquerda, eu achava lindo o Fidel Castro", disse. "Aí, vc me pergunta, 'o que mudou então?' Vou parafrasear Paulo Francis: Eu era criança e cresci."
Hoje a professora aposentada se diz adversária ferrenha do PT porque começou a perceber "que não ia dar certo, como não deu". E disse que já perdeu coluna em jornal por censura a seus artigos.
Maria Lucia tem alguns livros publicados, entre eles "O Voto da Pobreza e a Pobreza do Voto - a Ética da Malandragem" (Zahar, 1988) -que ela considera seu principal. É autora ainda de "Contos da Meia-Noite", que, ela brinca, é para ser lido até esta hora, nunca depois.
A ex-professora da Universidade Estadual de Londrina agora se dedica a estudar as redes sociais e seus algoritmos, que ela denomina de "o quinto poder".
"A mídia é o quarto poder e as redes sociais, sem dúvida, estão se tornando o quinto poder. Veja o caso de Jair Bolsonaro.
Ele não tem partido, não tem dinheiro, não tem nada, mas é muito favorecido pelas redes. É um poder paralelo", afirma ela.
A reportagem procurou a assessoria de Cabo Daciolo para comentar as observações da socióloga, mas não conseguiu falar com ele.
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