Deixar a porta de casa aberta, a chave do carro no contato, a bicicleta sem cadeado são hábitos de uma realidade distante em cidades onde o aparato de segurança indispensável ganha mais itens a cada dia. Mas acontece em pelo menos dois municípios brasileiros que, na contramão das estatísticas, ganharam status de cidades menos violentas: Borá (SP) e São José do Inhacorá (RS).
Em Borá, a menor cidade do Brasil, com 805 habitantes, o último homicídio que se tem notícia - um crime passional - aconteceu em 2004. Em São José do Inhacorá (RS), de 2,2 mil moradores em 2010, a mais recente ocorrência policial foi registrada em abril deste ano: o roubo de uma mesa velha no galpão de uma residência abandonada na área rural. A estratégia, destacam as autoridades locais, inclui tirar do papel programas preventivos de segurança, câmeras em locais estratégicos e o contato "personalizado" com a população, a ponto de policial e morador se chamarem pelo nome.A criminalidade no pequeno município paulista, porém, "não é uma coisa inexistente", afirma o delegado Marcelo Petuba Lombert, responsável pelo expediente da Polícia Civil. "Os crimes acontecem sim, só que num âmbito muito menor. A maior incidência de delitos que temos hoje é, em primeiro lugar, os crimes contra a honra (injúria, difamação, calúnia). Já os crimes contra a vida, realmente, são raros, felizmente", aponta o policial.
Apesar do aparente "pouco trabalho", Lombert destaca que a presença constante das autoridades policiais é essencial para manter a ordem. "É o que gera a pacificação social. Existe um furto, a polícia investiga rapidamente; existe uma briga, a PM intervém rapidamente e evita que o pior aconteça. Essa é a verdadeira causa, eu acredito, para o baixo índice de delitos registrados na cidade", afirma. "Nós temos as mesmas preocupações de um policial da cidade grande. Ficamos preocupados com roubos no caixa eletrônico, nos mercadinhos, na lotérica", diz o cabo Valdinei Carlos Nogueira, há 17 anos na PM de Borá.
Com as estatísticas a favor, os moradores mantém apenas os itens mais básicos do kit de segurança. "As casas têm grades nas janelas, mas só duas aqui em Borá têm cerca elétrica. Uma é a do dono do mercadinho e a outra é de um homem que veio de São Paulo", conta o policial.
Apesar do alarme no único posto de combustíveis da cidade servir apenas para "intimidar" eventuais assaltantes, o dono do estabelecimento, João Antonio Nespoli, 44 anos, mostra que a guarda não está baixa. "Quem não se preocupa? Há tanta violência no País. Não tem mais tamanho de cidade. A violência que a gente vê pela televisão tem até em cidade pequena. Só que em Borá, por enquanto, não estamos passando por esse problema ainda. No comércio não lembro nenhum tipo de assalto, nada. Roubo só se for por gente de fora", diz.
Câmeras de vigilância contra 'miguelitos'
Em 2009, tão logo assumiu a prefeitura do município gaúcho de São José do Inhacorá, a 480 km de Porto Alegre, o médico Alexandre Vaz Ferreira determinou a instalação de câmeras de vigilância nos acessos e na área central. A ideia de um colega médico surgiu para coibir uma estratégia ousada e planejada de assaltantes: uso de grampos (os chamados "miguelitos") para furar pneus de veículos e dificultar o acesso ao local dos crimes, principalmente viaturas policiais.
O prefeito comemora estar a dois anos sem "eventos de violência dignos de nota", mas não tira o olho dos noticiários. "Também víamos inúmeros casos de roubos a bancos e cooperativas em cidade próximas, igualmente interioranas, que nos deixavam apreensivos, pois é visto que os criminosos estão trocando os grandes centros pelas cidades menores."
Assim como a PM do município paulista, a Brigada Militar de São José do Inhacorá vê na proximidade com a população uma maneira eficiente de reduzir a criminalidade. "Aqui é um lugar muito pequeno, então é possível fazer um trabalho mais conectado com a comunidade. A prefeitura tem um sistema de monitoramento, então isso também inibe bastante a criminalidade. Para nós, é bom, é preventivo. Os criminosos pensam duas vezes antes de vir fazer um furto na cidade", afirma Thomas Butzke, soldado da Brigada Militar, que alega não se lembrar "de cabeça" do último crime de repercussão registrado na cidade.
Geração de empregos é vetor de tranquilidade
Nas duas cidades, o elevado nível de emprego é apontado como um dos principais fatores que contribuem para a baixa criminalidade. "Aqui não tem desocupado, por isso que não tem crime. Você conta as pessoas que não trabalham", diz o PM de Borá, citando uma usina de açúcar e álcool como a principal geradora de emprego na região.
A tranquilidade da cidade gaúcha também é fruto do trabalho. "A melhoria de todos indicadores de qualidade de vida, com um programa de geração de emprego e renda que praticamente terminou com o desemprego", diz o prefeito de São José do Inhacorá.
Uma eventual migração da violência de outras cidades para a pequena São José do Inhacorá também deixa as autoridades em alerta. "Há a preocupação de que a violência venha para cá, porque a cidade está em desenvolvimento, mas tentamos prevenir. Quando as empresas contratam pessoas de fora, tentamos saber quem é", afirma o soldado Butzke.
O comerciante Vianei Both, proprietário de uma loja de material elétrico e hidráulico, também espera que a criminalidade não ultrapasse as fronteiras do município. Vítima de um arrombamento em seu estabelecimento há três anos, ele diz que hoje se sente seguro, principalmente depois da instalação das câmeras de vigilância. "A loja tem alarme, mas a minha casa não tem grade nas janelas, não. E eu me sinto seguro, mesmo sem a grade. A cidade é muito calma e espero que a violência não chegue aqui. Foram colocadas na cidade as placas 'sorria, você está sendo filmado' e isso ajudou muito, muito mesmo",
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