GACC - Grupo de Assistência à Criança com Câncer

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Desde o início de suas atividades, em 1996, o GACC - então Grupo de Apoio à Criança com Câncer - existe para aumentar a expectativa de vida e garantir a oferta e a qualidade global do tratamento oferecido integral e indistintamente a crianças e jovens com câncer, diagnosticados com idades entre 0 e 19 anos incompletos, independente de sexo, cor, religião ou posição socioeconômica.

sábado, 27 de agosto de 2011

Em Cuba, a sociedade civil se constrói aos poucos diante do partido único

  • Ignacio Estrada e Wendy Iriepa, um ex-seminarista e uma transexual, casaram-se em Cuba, em 13 de agosto, mesmo dia em que Fidel Castro completou 85 anos 
  • Ignacio Estrada e Wendy Iriepa, um ex-seminarista e uma transexual, casaram-se em Cuba, em 13 de agosto, mesmo dia em que Fidel Castro completou 85 anos
Depois dos intelectuais, os gays, os negros e os advogados aspiram a mais autonomia

Na trilha aberta por intelectuais e artistas, os primeiros a conquistarem uma relativa autonomia, outros cubanos têm se esforçado para consolidar uma sociedade civil ainda incipiente, em um sistema socialista de partido único: a começar pelos homossexuais, pelos negros e pelos advogados.
Leannes Imbert Acosta, 34, vem tentando há meses obter o reconhecimento legal do Observatório dos Direitos dos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais (LGBT). Ela tem ciência de estar invadindo o território do Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex), dirigido por Mariela Castro, filha do chefe do Estado, Raúl Castro, cujos méritos ela reconhece. “Os transexuais que foram operados devem muito a ela”, admite a jovem. “Mariela apresentou um projeto de união homossexual, mas sua aprovação não depende dela”, diz a militante LGBT.
No entanto, para ter acesso à biblioteca do Cenesex, é preciso ter uma justificativa institucional. O Observatório quer criar um centro de informação aberto a todos. Segundo Leannes Imbert Acosta, o Cenesex limita seu trabalho pedagógico à reprodução e à prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, ao passo que a educação nacional continua fechada à diversidade sexual.
“A Mariela é contra o Gay Pride, que ela considera uma manifestação de protesto que não teria razão de existir em Cuba”, explica a coordenadora do Observatório LGBT. “Ora, existem discriminações no trabalho, mesmo que elas sejam difíceis de provar.” No dia 28 de junho, respondendo ao apelo do Observatório, algumas dezenas de pessoas levando faixas e cartazes celebraram pela primeira vez o dia do orgulho gay em Havana, no bulevar do Prado, em meio a um forte dispositivo de forças de segurança.
O mal-estar do Cenesex em relação a qualquer iniciativa que escape de seu controle assumiu um viés curioso quando uma funcionária do centro, a transexual Wendy Iriepa, foi penalizada por sua relação com Ignacio Estrada, soropositivo e coordenador da Liga Cubana contra a Aids. Seu casamento aconteceu no dia 13 de agosto, data do aniversário de Fidel Castro.
O pedido de legalização enviado ao Ministério da Justiça “protegeu” o Observatório LGBT, pois mostrou a intenção de agir em total transparência, dentro das leis em vigor, explica Leannes Imbert. O caso foi confiado à Associação Jurídica Cubana, que reúne dezenas de advogados, ela mesma à espera de reconhecimento legal. Essa associação também acompanha a iniciativa da Confraria da Negritude, que luta contra a discriminação racial, uma praga reavivada pelas crescentes desigualdades desde a implosão da União Soviética e a crise do “modelo cubano”.
Wilfredo Vallin nos recebe em um modesto apartamento do bairro popular de La Vibora. Sua perseverança e seu conhecimento dos meandros da legalidade socialista lhe permitiram vencer um primeiro round em janeiro, após dois anos de processo: uma instância de apelação admitiu que nenhuma associação jurídica cubana existia sob a mesma denominação.
“Não existe separação de poderes em Cuba, a Justiça é subordinada ao Executivo e recebe instruções da segurança do Estado”, observa Vallin. Somente os advogados reunidos nos “escritórios coletivos” -  todos funcionários públicos – têm o direito de representar seus clientes nos tribunais. A recente autorização de 178 profissões que podem ser exercidas de forma autônoma ressalta a arbitrariedade de uma proibição profissional que se estende aos arquitetos, aos analistas de sistemas, aos professores e aos médicos.
O código penal cubano pune atos que não são punidos em outros países. Resultado: as prisões estão lotadas. “Detentos esperam por dois, três anos antes de serem julgados, razão pela qual queremos restaurar o habeas corpus”, afirma Vallin. O proprietário de uma vaca não pode abatê-la sem autorização oficial, mesmo que seja para alimentar uma criança doente.
O desacato a uma figura do Estado ou a tentativa de deixar a ilha sem permissão também são passíveis de pesadas penas de prisão. A Constituição autoriza os cubanos a escolherem seu local de residência, mas a polícia desaloja qualquer um que se estabeleça em Havana sem a permissão prévia da administração. Assim, Leannes Imbert, originária de Guantánamo, onde é forte a homofobia, reside na capital correndo o risco de ser uma clandestina em seu próprio país.
A Associação Jurídica cubana tem conduzido uma ação de formação cívica, com cursos sobre direito constitucional, direito penal e o código de processo penal. Ela pede pela ratificação e pela difusão dos pactos das Nações Unidas sobre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais, assinados pelo governo cubano em 2008.
A Constituição atribui um papel dirigente ao partido único: e isso não bloqueia a evolução da sociedade? “A questão do Partido Comunista, do qual sou militante, se coloca em termos de democratização, de mais representatividade ou de participação”, acredita Rafael Hernández, diretor da revista de ciências sociais “Temas”, que lembra o número de membros do PC cubano: 800 mil. “O multipartidarismo não é a única alternativa ao partido único”, reforça um outro intelectual reformista, Júlio César Guanche.
Antonio Rodiles, um jovem economista que estudou no México, vê as coisas de outra forma. Ele coordena, em sua própria casa, um fórum de discussão chamado “Estado de Sats”, cujos debates depois circulam na internet e sob forma de DVD ou de pendrives. A sessão dedicada à emergência de uma sociedade civil em Cuba chamou a atenção.
“O governo pode até reiterar sua fidelidade ao socialismo, mas as pessoas nas ruas agora pensam em termos de mercado, elas não querem mais depender do Estado”, garante Rodiles. “Mesmo que elas sejam a favor da saúde e da educação gratuitas, elas não descartam mais serviços privados nesses domínios.” Mas ele se mantém reservado: “Eu vivo mais em função do futuro que do presente”, conta.
Apesar dos obstáculos à mudança, Vallin está otimista. De acordo com ele, as iniciativas individuais e das associações mostram que o medo está mudando de lado em Cuba: “Eu sempre cito uma frase de Montesquieu: ‘A República é um despojo, sua força não é nada além do poder de alguns cidadãos e da licença de todos’”.

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