"Para procurador-geral de Justiça, lei é instrumento de controle"
O
Ministério Público de São Paulo e a Receita Federal estão desenvolvendo
um programa que vai permitir a promotores e procuradores o acesso em
tempo real à evolução patrimonial e rendimentos auferidos por agentes
políticos e servidores públicos sob suspeita de improbidade e corrupção.
O raio de ação do protocolo não ficará restrito a demandas dessa
natureza - alcançará também o rastreamento a cargo de setores
estratégicos do Ministério Público no combate à lavagem de dinheiro e
formação de cartéis.
Adotado em 2011, o Simba faz a identificação e
comunicação on line com instituições financeiras e tem o mesmo perfil
do programa da Assessoria de Pesquisa e Análise, unidade vinculada ao
gabinete do Procurador-Geral da República, chefe do Ministério Público
Federal. As instituições financeiras transmitem as informações
consolidadas e os promotores as analisam. Este é o Simba. Assim vai
operar o acordo com a Receita. Para Elias Rosa, o termo de cooperação
com o Fisco representa "avanço extraordinário" na tarefa de dar eficácia
à Lei 8429/92, a Lei de Improbidade Administrativa, que este mês
completa 20 anos.
O procurador-geral de São Paulo é pioneiro em
investigações desse âmbito - em 1992 ele inaugurou a promotoria que tem
por missão preponderante o combate a desvios na máquina pública. Na
ocasião, o único instrumento legal contra a desonestidade era a Lei
Bilac Pinto, de 1958. Elias Rosa não vê necessidade de alterações no
texto da Lei de Improbidade. Ele avalia que o trabalho conjunto dos
órgãos de fiscalização e controle é a via certa para sufocar a
improbidade.
Qual a importância do ajuste com a Receita?
O
programa vai permitir um cruzamento imediato de informações e a
identificação da evolução patrimonial dos agentes públicos e de todo e
qualquer investigado. Será um grande avanço para comprovação da
improbidade e de crimes de lavagem de dinheiro. Esse tipo de
investigação depende sobretudo de prova documental e da análise de
contas.
Como esses dados são acessados hoje?
O levantamento
patrimonial pelo sistema atual é precário, custoso, demorado. A exemplo
do Simba essa apuração será on line, a partir da análise de dados
consolidados. Os promotores não vão mais perder tanto tempo estudando
documentos em papel, declaração por declaração dos investigados. Vai ser
possível cotejar os dados patrimoniais com os rendimentos auferidos e
evitar dilapidação de bens.
O ingresso ao banco de dados da Receita será direto?
Não,
ele será realizado exclusivamente mediante ordem e autorização da
Justiça. O acordo ainda depende de homologação, mas esse é um ponto
inquestionável. Todo acesso a dados protegidos pelo sigilo tem que
passar pela Justiça.
A Lei de Improbidade faz 20 anos. Ela deu certo?
Mostrou-se
eficaz. Transformou-se no principal instrumento de controle da
administração, sob o aspecto da moralidade, também porque vieram a Lei
de Responsabilidade Fiscal, a lei de combate a delitos econômicos e a
lei de combate à lavagem de dinheiro. Tudo isso formou um sistema
normativo que, de algum modo, reescreve a história republicana do
Brasil. A partir da Lei de Improbidade surgiram mecanismos que também
levaram ao combate ao nepotismo e deram transparência às coisas
públicas.
O Brasil reclama por condenação dos desonestos. Por que isso não ocorre?
A
etapa processual da Lei de Improbidade Administrativa não favorece a
rapidez de eventual sanção a agentes públicos e políticos envolvidos em
atos de fraudes contra o Tesouro. Foram criados mecanismos de
notificação prévia para os investigados que só retardam o desfecho da
ação a ser recebida. O réu precisa ser notificado para se manifestar, só
depois o juiz decide se recebe ou não a ação. Ela conserva a tradição
que valoriza o rito, o procedimento que muitas vezes retarda a
conclusão. Há um grande número de ações promovidas, mas tarda demais a
conclusão, a condenação definitiva ou mesmo a absolvição.
Precisa mudar o texto da lei?
Não
creio que haja necessidade de modificação. O que eu acho importante é
interligar cada vez mais o Ministério Público com órgãos de controle e
fiscalização, por exemplo, com a Receita e o Banco Central. A
implantação de sistemas de apoio, como o Simba, é um grande avanço. O
Ministério Público Estadual está desenvolvendo com a Receita um outro
programa, especificamente para acompanhar a evolução patrimonial dos
agentes públicos. Esta é uma boa estratégia. As parcerias e a união de
esforços aperfeiçoam o controle.
Os tribunais decidem reiteradamente que réus por improbidade têm direito ao foro privilegiado. O que o sr. acha?
A
Lei de Improbidade não veio para punir servidor de baixo escalão, veio
para punir todos, a começar pelo alto escalão. Temos dois graves
problemas. Primeiro, saber se agentes políticos respondem ou não por
improbidade. Segundo se o foro por prerrogativa de função se aplica ou
não para casos de improbidade. Eu não tenho dúvida de que os agentes
políticos devem responder por improbidade. Até porque a perspectiva da
Lei de Improbidade é tutelar o Estado Democrático de Direito e a
moralidade administrativa. Quanto mais elevado for o escalão, mais
significativo e mais danoso é o ato de corrupção. Esse ato é praticado
por agente político. O servidor público, o agente administrativo, também
tem que ser punido, mas sobretudo o agente político. É absolutamente
equivocado o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que exclui os
agentes políticos da aplicação da lei.
Faltam sanções mais pesadas?
Poderia
ser incluído no Código Penal o tipo que se refira à improbidade, mas
não como expressão única de enriquecimento ilícito. Não é apenas o
enriquecimento ilícito que constitui ato de improbidade ou corrupção.
Essa ideia de que a corrupção é resultante do dinheiro não é correta
porque limita o próprio princípio da moralidade. A violação dos
princípios éticos já constitui corrupção. O Brasil demorou muito para
encontrar o sentido exato da corrupção. Sempre se fez associação com o
valor monetário, ou era enriquecimento ilícito ou prejuízo ao patrimônio
público. A Lei Bilac Pinto, revogada pela Lei de Improbidade, só punia
enriquecimento ilícito e prejuízo ao patrimônio. Só com a Lei de
Improbidade, de 1992, é que o princípio da moralidade ganhou uma outra
expressão, para admitir violação dos princípios éticos como corrupção.
Só a devolução do dinheiro desviado não basta?
Punir
prejuízo e também violação de princípios ampliaria o leque de tipos
penais abrangentes. Quando se fala em enriquecimento ilícito dos agentes
públicos pode ser uma vertente, mas não a única. Não é só isso. Não
podemos patrocinar a tese de que aquele que devolve o dinheiro e repara o
dano restaura a moralidade. A transgressão ao decoro parlamentar, do
princípio da lealdade e o nepotismo são citações em que a moralidade
administrativa é violada direta ou indiretamente.
Presidente da República deve ter foro privilegiado?
Todos
podem responder em primeira instância, ainda que nem todas as sanções
possam ser aplicadas nesse grau. Exemplo: o presidente da República, em
tese, responde por impeachment, mas as demais sanções podem ser
aplicadas em primeira instância, como a obrigação de reparar o dano, o
pagamento de multa e a proibição de contratar com o poder público. Todos
respondem à Lei de Improbidade, ainda que nem todas as sanções desta
lei possam ser aplicadas. No caso do presidente aplica-se a perda da
função, que equivale à cassação do mandato. O juiz de primeiro grau
aplicaria as demais penalidades, menos aquela que, por força da
Constituição, devam ser aplicadas por um processo específico como é o
impeachment.
O sr. é a favor de que os 38 réus do mensalão
respondam perante o Supremo Tribunal Federal se apenas três deles,
deputados, têm foro especial?
É razoável que haja a junção do
processo, até para viabilizar o aproveitamento da prova e a punição de
todos, sem exclusões. O risco é não punir os três (deputados). Como
houve um concurso de condutas, a prova teria que se repetir em todos os
processos. Até por economia processual é razoável que todos respondam no
mesmo foro. Nessas hipóteses tem mesmo é que proceder a junção dos
processos e, por conta de um ou dois, todos respondem pelo mesmo foro.
Ações.
O Ministério Público paulista lidera disparado o ranking das ações
contra políticos e servidores citados por improbidade. Apenas a
Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social da Capital cobra na
Justiça R$ 32,1 bilhões de gestores públicos, com base em 764 ações
ajuizadas entre 2002 e 2009 - R$ 5,94 bilhões estão bloqueados
judicialmente para ressarcimento do Tesouro.
A Lei 8429/92, ou Lei
de Improbidade Administrativa, está fazendo 20 anos. Ela foi promulgada
em 2 de junho de 1992. Prevê punições de caráter civil aos
administradores acusados de enriquecimento ilícito - suspensão dos
direitos políticos, perda da função pública, devolução ao erário de
recursos desviados, pagamento de multa, proibição de contratar com o
poder pública.