Os corredores da Câmara estão repletos de modelos em campanha por candidatos à presidência da Casa - a eleição, que ocorre na tarde desta quarta-feira, tem 14 candidatos inscritos.
Mas se as mulheres são o principal chamariz para pedir votos, no pleito elas têm papel coadjuvante.
Duas deputadas estão concorrendo - Luiza Erundina (PSOL-SP) e Cristiane Brasil (PTB-RJ) - e é de conhecimento geral que elas não têm a menor chance de vencer a eleição em uma Casa majoritariamente masculina (apenas 10% dos 513 deputados são mulheres).
A disputa está mais acirrada em torno de três homens: Marcelo Castro (PMDB-PI), ex-ministro da Saúde de Dilma Rousseff, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Rogério Rosso (PSD-DF) - este último o favorito do Palácio do Planalto e de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara.
- Ainda assim, as candidaturas das duas representam uma grande novidade: é a primeira vez na história que duas mulheres concorrem ao posto.
Segundo os dados da Casa, que remontam a 1971, só uma deputada tinha concorrido ao cargo até então, a hoje senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), em 2013. Na ocasião, ela esperava receber 150 votos, mas ganhou apenas 47.
Nos corredores, as modelos sorriem, dão bom dia a quem passa, distribuem santinhos com mensagens dos candidatos e… são constantemente assediadas, inclusive por deputados.
Ao menos quatro postulantes contrataram mulheres para atuarem como cabos eleitorais - Fernando Giacobo (PR-PR), Carlos Henrique Guaguin (PTN-TO), Marcelo Castro e Cristiane Brasil.
O uniforme de campanha é sempre o mesmo - uma blusa com o nome do candidato e uma calça justa. A maioria usa maquiagem e tem cabelos lisos ou alisados.
A BBC Brasil conversou com oito modelos sob condição de anonimato. Seis delas disseram ser assediadas - uma afirmou que recebia elogios, mas que não considerava "nada demais", e a oitava relatou não ter tido "problemas" nesta quarta.
As seis que se queixaram das cantadas contaram que mesmo parlamentares são inconvenientes, e que muitas vezes o cargo os deixa até mais abusados que os demais passantes.
"Eles são piores. Eu identifico pelo broche (de parlamentar). Por serem deputados, acham que podem fazer o que quiserem", contou uma.
Questionada sobre que tipo de coisa costuma ouvir, exemplificou: "Passam e perguntam: tem seu WhatsApp no santinho? Eu digo que não, aí eles nem pegam (a propaganda)".
- Ela diz que sua reação é neutra - não sorri nem reclama. "Eles deviam nos respeitar."
Outra modelo contou que recebeu convites para almoço de parlamentares, e que recusou.
Questionada sobre o motivo de ter sido contratada para a campanha, disse saber que era para atrair os homens.
"A maioria dos deputados são homens. Então, as mulheres têm que ser sempre bonitas. Somos mulheres-objeto", disse.
'Gaguetes'
O primeiro a contratar mulheres como cabos eleitorais foi Gaguin - as modelos circulam vestindo uma blusa verde-limão com seu nome desde a segunda-feira. Ganharam o apelido de "gaguetes".
"Os deputados passam e falam: Gaguin já ganhou, mas é por causa de vocês", contou uma delas.
A maioria não quis dizer quando estava recebendo pelo trabalho. O valor varia pela quantidade de horas. Uma revelou que receberia R$ 100 pela diária se o serviço acabasse às 16h, para quando estava marcado o início da eleição - ele acabou adiado para as 19h.
Disse que é "bem pouco" se comparado ao que costuma ganhar em outros eventos.
Uma cabo eleitoral de outro candidato contou que faz esse tipo de trabalho há dez anos. Questionada se algo mudou em relação aos assédios nesse período, respondeu: "Nada".
Contou que também costuma ser convidada para sair, e que alguns homens confundem seu trabalho com o de "ficha rosa" - como são chamadas modelos que participam de eventos e também fazem trabalho de prostituição.
"Algumas (nesse ramo) são ficha rosa. Então eles confundem, acham que todas são. Pedem telefone, chamam para sair. Eu sou ignorante, digo que não estou disponível", contou.
A BBC Brasil conversou com as deputadas Luiza Erundina e Cristiane Brasil sobre o assédio sofrido pelas modelos.
"Cruzes", respondeu a candidata do PTB, filha do ex-parlamentar Roberto Jefferson.
"Até por uma questão de preservação a elas, eu coloquei elas bem vestidas, com uma camiseta fechadinha, com uma calça que não era provocativa, justamente para evitar isso", justificou.
A deputada disse que contratou oito pessoas, quatro homens e quatro mulheres. Segundo ela, a equipe deveria trabalhar em duplas, sempre um rapaz e uma moça, justamente para evitar as abordagens.
Na manhã desta quarta-feira, apenas as mulheres estavam trabalhando.
"Penso que é um comportamento masculino que eu infelizmente não tenho controle sobre ele, né? Agora você está me contando uma novidade. Não sabia, as minhas meninas não relataram isso, não", disse.
Para Erundina, a prática de contratar mulheres para distribuir santinhos "desqualifica" as candidaturas.
"Para você ver como os homens tratam as mulheres, mesmo os homens que têm mandato popular. Isso desmerece, desqualifica esses parlamentares, sobretudo se forem candidatos. É bom que os eleitores tomem consciência e a sociedade, sobretudo, de quem está disputando poder no país", afirmou.
"E as mulheres são sempre usadas como cabos eleitorais, como tarefeiras, e quando são candidatas, são candidatas laranjas, para cumprir cotas impostas em lei", disse ainda, em referência à exigência de que as legendas tenham um percentual mínimo de candidatas mulheres nas eleições para deputados e vereadores.
Para Erundina, a eleição de uma mulher para presidir a Câmara pela primeira vez seria a correção de "uma dívida histórica".
"Nós somos mais de 50% dos eleitores e em 193 anos de existência de Poder Legislativo nunca uma mulher assumiu o cargo de presidente (da casa), pela exclusão que existe em relação a nós, sobretudo no acesso aos espaços de poder".
'Batalhão' de última hora
Na parte da tarde, os corredores da Câmara foram invadidos por 40 garotas contratadas pela campanha de Rodrigo Maia.
Além de ser bem maior que os das demais campanhas, o grupo adota uma postura mais incisiva - elas abordam diretamente os parlamentares, perguntam se já tem candidato e pedem voto para o democrata.
À BBC Brasil, Maia disse que as mulheres foram contratadas por seus aliados e que, se estavam sendo mais incisivas, é "porque estão fazendo um bom trabalho, em vez de só entregar papel".
Sobre o assédio, afirmou que "a culpa é dos deputados e de quem mais está passando pela Câmara, não das meninas e de quem contratou".
Questionado sobre a importância delas para conquistar votos, o candidato respondeu que, como não dá para ele falar diretamente com todos os colegas, o trabalho ajudaria a dar mais visibilidade à sua campanha.
Até a publicação desta reportagem, os outros candidatos não haviam comentado a contratação das modelos.