Na atividade da imprensa, a caracterização da responsabilidade civil pela divulgação de notícia deve estar associada a uma conduta abusiva ou excessiva do profissional ou do meio de comunicação. A imprensa também não tem obrigação de aguardar a conclusão de uma investigação oficial ou processo judicial, até que não restem mais dúvidas sobre os fatos.
Foi o que entendeu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao julgar procedente a ação movida por uma editora para tentar rescindir o acórdão que a condenou pagar R$ 8 mil a um homem citado nas reportagens que publicou sobre a chacina de Vigário Geral. A decisão foi proferida na última segunda-feira (16/6).
A chacina aconteceu em 1993, em uma favela da Zona Norte do Rio — 21 pessoas morreram no episódio. O homem foi citado nas reportagens como um dos integrantes do grupo Cavalos Corredores, responsável pela matança.
Ele, então, processou a editora sob a alegação de que havia sido absolvido em outra ação julgada anteriormente pelo TJ-RJ. Depois de tramitar na primeira instância, recursos levaram o caso à 8ª Câmara Cível, que acolheu o pedido e condenou a empresa de comunicação e um de seus profissionais a pagarem de forma solidária a indenização.
A editora baseou o pedido em dois fatos. O primeiro seria o dolo processual do acusado, que teria omitido da 8ª Câmara Cível que o processo em que fora absolvido versava apenas sobre o crime de quadrilha ou bando, previsto no artigo 288 do Código Penal, “sem pôr a termos às investigações e aos processos sobre as relações do réu com o grupo Cavalos Corredores”.
O desembargador Mauricio Caldas Lopes, não acolheu essa alegação. Para ele, não houve dolo processual. "Isto porque, na peça inicial da demanda originária encontra-se a transcrição literal de diversos trechos do voto do relator da ação penal a evidenciar que o ora réu não procurara falsear a realidade objetiva dos fatos. Tanto assim que a sentença de 1º grau julgara improceder a ação indenizatória”, afirmou.
Posição diferente demonstrou o relator diante do segundo argumento do pedido rescisório apresentado pela editora: o surgimento de um novo documento — no caso, o inquérito policial e a subsequente denúncia que resultou na abertura de nova ação penal.
“Como demonstra a prova diligentemente produzida pela douta procuradoria de justiça, os documentos em questão preenchem os requisitos para o conhecimento da presente ação rescisória, pois existiam antes da prolação do julgado que se pretende desconstituir, e a parte autora justificara o motivo pelo qual estava impedida de tê-lo obtido para o fim de ser utilizado na fase instrutória do processo principal”, disse o desembargador.
Segundo Lopes o inquérito, que tramitou em sigilo, só foi instaurado em 1996. A denúncia, por sua vez, somente chegou ao Judiciário em julho de 2011, quando já havia sido concluída a fase recursal da ação movida pelo homem contra a editora.
Jurisprudência
Ao analisar o caso, o relator destacou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmada no julgamento de uma ação sobre “a potencialidade ofensiva de matéria publicada em jornal de grande circulação” que apontava o possível envolvimento de um juiz com ex-deputado ligado ao desabamento do edifício Palace II, também no Rio de Janeiro. No julgamento, o STJ afirmou que ainda que o magistrado tenha sido absolvido, a reportagem foi veiculada quando as investigações estavam em andamento.
Ao analisar o caso, o relator destacou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmada no julgamento de uma ação sobre “a potencialidade ofensiva de matéria publicada em jornal de grande circulação” que apontava o possível envolvimento de um juiz com ex-deputado ligado ao desabamento do edifício Palace II, também no Rio de Janeiro. No julgamento, o STJ afirmou que ainda que o magistrado tenha sido absolvido, a reportagem foi veiculada quando as investigações estavam em andamento.
“A diligência que se deve exigir da imprensa, de verificar a informação antes de divulgá-la, não pode chegar ao ponto de que notícias não possam ser veiculadas até que haja certeza plena e absoluta da sua veracidade. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial, no qual se exige cognição plena e exauriente acerca dos fatos analisados”, entendeu a corte na ocasião.
O desembargador aplicou o mesmo entendimento ao caso das reportagens da chacina. Lopes votou pela desconstituição do acórdão da 8ª Câmara Cível. Ele foi seguido por todos os membros do Órgão Especial do TJ-RJ.
Processo: 0066562-35.2013.8.19.0000.