A deputada Tia Eron (PRB-BA) foi um show à parte (sem ironia) na votação do Conselho de Ética que aprovou o parecer pela cassação do deputado Eduardo Cunha. Ela demonstrou segurança, mandou recados à esquerda e à direita. E, de quebra, recomendou aos jornalistas que lessem Umberto Eco.
Gosto de seguir conselhos ajuizados e lembrei que a minha modesta biblioteca guardava um exemplar, da década de 1980, do livro “Viagem na irrealidade cotidiana”, do mestre italiano, e resolvi rever alguns ensaios nele contidos.
Talvez Tia Eron se referisse ao que Eco escreveu no ensaio “Guerrilha semiológica”, no qual afirma, em relação aos grandes meios de comunicação em massa: “Não muito tempo atrás, se quisessem tomar o poder político num país, era suficiente controlar o exército e a polícia (…). Hoje, um país pertence a quem controla os meios de comunicação”.
(Mas, como se verá abaixo, o próprio Eco tratará de contestar essa premissa.)
Lembrei-me, também, de outro livro “Nós, o povo”, em que o autor, Timoth Garton Ash, narra a derrocada dos regimes comunistas na Polônia, Hungria, Alemanha Oriental e na República Checa (antiga Checoslováquia). Em um trecho, ele reproduz uma negociação entre o sindicato Solidariedade e burocratas do regime comunista na Polônia. Os representantes sindicais reivindicam uma televisão pública, “como a BBC”, e não governamental. Um veterano integrante do Partido Comunista responde: “Nós lhes daremos a Zomo (tropa de choque), antes de dar-lhes a televisão”.
Voltando a Eco, ele diz que, nos tempos atuais (o artigo reproduzido no livro é de 1967), não importa o quê e como a mensagem é transmitida, pois a disputa se dá no nível receptor, isto é, no modo de interpretar a informação. Para ele, não é verdade que o conteúdo da mensagem “pode converter” quem a recebe, “uma vez que quem recebe a mensagem parece ter um resto de liberdade: a de lê-la de modo diferente” (grifo do autor).
Assim, para Eco, não é se apropriando dos meios de comunicação que se controlará o conteúdo: “A batalha pela sobrevivência do homem como ser responsável na Era da Comunicação não é vencida lá, de onde a comunicação parte, mas aonde ela chega”. Para isso, diz, a estratégia é “uma solução de guerrilha”. Eco afirma que “uma organização educativa que conseguisse fazer um determinado público discutir a mensagem que está recebendo poderia inverter o significado dessa mensagem”. Ele ressalva que não está propondo uma nova “e mais terrível forma” de controle de opinião, mas uma ação para “impelir o público a controlar a mensagem e suas múltiplas formas de interpretação”.
Ele dá uma exemplo: para um trabalhador de classe média, a publicidade de uma geladeira é um estímulo ao consumo, mas, para um camponês desempregado, a mesma imagem significa a “denúncia de um universo de bem-estar que não lhe pertence”; portanto, funciona como “mensagem revolucionária”.
Ocorreu-me outro livro sobre o fim do regime comunista (este não lembro o título) em um país do Leste Europeu. O autor dizia que o Partido Comunista (como ainda faz a Coreia do Norte) proibia qualquer tipo de filme ou série americanos, incluindo os mais banais, mas que as pessoas os viam clandestinamente.
Para os americanos e ocidentais, podia ser mera diversão; mas, para quem vivia em regimes fechados, o significado era revolucionário, pois descobriam haver outras formas de viver. E os ditadores comunistas – talvez muito à frente de certos “teóricos” brasileiros – sabiam disso.
NOTAS
Internet
Umberto Eco escreveu o ensaio quando nem se cogitava a possibilidade da internet. Imaginem o quanto se ampliou a possibilidade de “guerrilha” pela interpretação das mensagens com o surgimento da rede mundial de computadores.
Guerrilha
O modo de fazer essa “guerrilha”, Eco diz que precisaria ser estudado, mas sugere formas que se parecem com as oportunidades abertas pela internet: “Adotar um mídia para comunicar uma série de juízos sobre um outro mídia”.
Férias
Aviso aos eventuais leitores que eles terão férias desta coluna nas próximas semanas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário