Candidata do PSOL à prefeitura de Porto Alegre e ex-presidenciável, Luciana Genro afirma que o Partido dos Trabalhadores adotou uma posição tardia sobre a defesa de novas eleições no Brasil. Somente após o afastamento definitivo de Dilma Rousseff, o PT decidiu lutar pela realização de uma nova votação presidencial antes de 2018. Em entrevista ao HuffPost Brasil, Luciana Genro criticou a postura do partido durante o processo deimpeachment.
"Se o PT tivesse aderido a essa proposta de eleições gerais, talvez não estivéssemos hoje com Temer e com eleições gerais agora em outubro. Agora, Dilma defende, e a possibilidade [de nova eleição] é impossível", afirmou Genro.
A socialista foi uma das primeiras políticas a defender um novo pleito no Brasil, quando o processo de impeachment foi aberto pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Na época, Dilma e PT nem cogitavam a possibilidade. Antes da votação final no Senado, a então presidente afastada começou a defender a proposta, que foi rechaçada pela Executiva do partido. No dia 2 de setembro, o PT mudou a forma como vê a tese de novas eleições e
atualizou a "Diretas Já" [
após a entrevista com Genro].
"O PT caiu na mesma vala comum dos demais partidos. Eles se conformaram e aceitaram o golpe ao não se somar à Dilma na defesa das eleições gerais", criticou. "O PT se conformou com o golpe", acrescentou.
Genro está tentando conquistar um terreno político que por mais de uma década foi comandado pelo Partido dos Trabalhadores na capital gaúcha. Ela lidera as pesquisas eleitorais com mais de 23% das intenções de voto. Na segunda posição, aparece o candidato Raul Pont (PT) com 18%. Os dois têm dividido os votos da esquerda na cidade.
"O PT ainda tem essa base de esquerda, só que veiculada à velha guarda. Na juventude, já é quase inexistente uma militância vinculada ao PT. Onde o partido consegue se constituir como uma referência já é tudo do PSOL", explicou.
Mesmo crítica aos petistas, Luciana Genro não descarta um possível apoio do PT no segundo turno. "Quem seria louco de rejeitar apoio? Ninguém é, mas isso não significa fazer loteamento e nem leilão de secretarias. Eu não vou discutir nesses termos", ressaltou. Leia os principais trechos da entrevista:
HuffPost Brasil: A gente observou um movimento de crescimento do PSOL no Brasil, especialmente para essas eleições municipais. Em São Paulo, com a [Luiza] Erundina, no Rio, com o [Marcelo] Freixo, Edmilson [Rodrigues], em Belém, e aí em Porto Alegre com a senhora? Como a senhora analisa esse crescimento expressivo do partido nos últimos anos?
Luciana Genro: Eu acho que esse crescimento é o resultado de um trabalho de muitos anos. O PSOL completou e foi um partido que nasceu muito dramático da política nacional. Nós fomos expulsos do PT e logo em seguida houve o mensalão, que foi também um momento muito importante porque desmascarou a política que o PT vinha desenvolvendo no governo federal. Agora, só veio a se confirmar com o escândalo da Lava Jato, que não é um 'privilégio' PT. Mas o que escandalizou grande parte da militância do partido é que o PT caiu na mesma vala comum dos demais partidos. E isso provocou levas de petistas que foram rompendo e sucessivamente. E, agora, acho que chegou no ápice esse processo. E nisso o PSOL acaba sendo um partido que se diferenciou nesse processo porque não está na Lava Jato, porque foi um partido que pediu a cassação do Eduardo Cunha e que tem toda uma trajetória de luta contra a corrupção. E nesses Estados que tu citastes combina com a trajetória pessoal, como é meu caso, a Erundina nem se fala, o Marcelo Freixo, o Edmilson… Esse processo nacional se combina com figuras, lideranças que são uma possibilidade de uma nova política.
Muito se perguntava se o PSOL poderia chegar em um momento de ganhar eleições. A senhora acredita que o PSOL está concentrando uma parcela da esquerda que votava no PT e vê agora no partido uma forma de 'reacreditar' na esquerda?
Não tenho duvidas que sim. Principalmente na juventude. Aqui, por exemplo, em Porto Alegre, a pesquisa do Ibope mostra que 44% dos votos válidos estão para mim na juventude, de 16 a 24 anos. Isso representa muito. Ainda tem uma velha guarda [da esquerda] que tem mais dificuldade de processar o divórcio com o PT. O PT ainda tem essa base de esquerda, só que veiculada à velha guarda. Na juventude, já é quase inexistente uma militância vinculada ao PT. Onde o PSOL consegue se constituir como uma referência já é tudo do PSOL. Ou até mesmo do nada, onde disputamos com o niilismo, com o descrédito da juventude.
Em março, a senhora disse à Folha que não houve uma tentativa de golpe contra Dilma Rousseff. Também foi uma das primeiras a defender a tese de novas eleições. A sua posição continua a mesma?
Os petistas aqui em Porto Alegre ressuscitaram essa entrevista de março para dizer que eu não fui contra o golpe. Isso é uma calúnia. Quando eu fiz esse debate sobre ser ou não ser golpe eu estava debatendo com a associação que o PT estava fazendo com 64, no sentido de que a queda da Dilma iria significar um fechamento do regime político, a possibilidade de ditadura, de tortura, de exílio. Era esse debate que eu estava fazendo porque era esse o medo que estava sendo semeado naquele momento. Depois, essa expressão golpe foi utilizada de uma maneira mais lato sensu, como uma manobra, um golpe palaciano e uma tentativa ilegítima de Michel Temer chegar ao poder. Nesse sentido, concordo que é um golpe e me pronunciei contra Temer desde o primeiro momento. Inclusive, agora, Dilma começou a defender o que eu defendia lá em março, com a possibilidade de novas eleições. Se o PT tivesse aderido a essa proposta de eleições gerais, talvez não estivéssemos hoje com Temer e com eleições gerais agora em outubro. Agora, Dilma defende, e a possibilidade é impossível. Eu acho que, entre quem defendeu essa ideia de eleições gerais, fomos os mais competentes no combate ao golpe porque o que nós queríamos era realmente evitá-lo e não fazer uma disputa política entre Dilma e Temer. O golpe funcionou porque a Dilma não tem respaldo social e porque abandonou os compromissos de campanha. Foi isso que levou ao golpe.
Foi uma posição tardia?
Eu acho que sim, mas antes tarde do que nunca. Mas nem o próprio partido defende a ideia da ex-presidente. O PT se conformou com o golpe. É isso que eu acho mais impressionante: eles se conformaram e aceitaram o golpe ao não se somar com a Dilma na defesa de eleições gerais. O Temer é um governo ilegítimo, com mais ataques aos trabalhadores. Vamos ver reforma da previdência uma reforma trabalhista. A situação é muito dramática para todos. E qual é a resposta que o PT ofereceu? Nenhuma. [
O PT mudou a forma como vê a tese de novas eleições e atualizou a "Diretas Já" no dia 2 de setembro, após a entrevista com Genro]
Nas eleições de 2014, a senhora imaginou no seu pior pesadelo que o Brasil poderia sofrer mais um impeachment?
Em política, a gente sabe que tudo é possível. Quando disputei a presidência com a Dilma, eu observei o discurso dela de que não havia crise. Não sou economista, mas sou uma pessoa estudiosa e já sabíamos que havia crise. Inclusive, economistas das mais diferentes matizes já afirmavam que havia uma crise e que chegaria com força ao Brasil. Nunca imaginei que o impeachment poderia acontecer, mas sabia que a Dilma iria ser um governo frágil e iria perder o apoio popular, pois não iria cumprir as promessas de campanha. Isso se confirmou na primeira semana após a vitória contra Aécio [Neves].
O PSOL optou por não fazer grandes alianças nas eleições municipais e isso limita o tempo de televisão. Como é o desafio do PSOL de chegar até o eleitor?
A gente tentou fazer alianças dentro do espectro que respeitassem o nosso programa político. Nós nos aliamos com o PPL e com o PCB. Tentamos fazer uma aliança com a Rede, que avançou bastante no ponto de vista programático, mas a maioria da cúpula da Rede foi cooptada pelo PMDB. Tentamos porque sabíamos que teríamos um desafio sobre os debates. Nós não nos movemos nas alianças com critérios de tempo de televisão ou de maior ou menor possibilidade de vencer. É uma situação dificil, do ponto de vista do tempo de televisão, com muita energia pra ir pra rua e as redes sociais. Mas o que temos visto é que as redes sociais servem para mobilização da nossa militância porque o Facebook, por exemplo, cria uma bolha que é difícil chegar ao eleitor. Só quando viraliza que conseguimos chegar mais longe.
A senhora lidera as pesquisas de intenção de voto em Porto Alegre. Se fosse para o segundo turno faria novas alianças? Receberia apoio dos partidos derrotados?
Eu acho que no segundo turno a gente não faz alianças, mas sim se recebe apoios. E apoios, em princípio, não se rejeita. Mas digo, a partir de agora, que eu não farei o loteamento partidário. Eu não vou fazer leilão de cargos e secretarias. Não vou trocar apoio por espaço no meu governo. Nenhuma pessoa que quer ganhar a eleição pode rejeitar o apoio, mas isso não significa que vamos governar juntos. Eu tenho dito também que eu quero construir o governo com a inteligência da cidade e não com o loteamento partidário. Então é possível que eu tenha pessoas dos mais diversos partidos, mas esse não será o critério que eu vou utilizar para formar o governo e, sim, o conhecimento técnico e a afinidade programática com o governo que defendo.
Se o candidato Raul Pont, do PT, que está em segundo lugar nas intenções de voto, não for para o segundo turno, a senhora aceitaria o apoio do partido?
Quem seria louco de rejeitar apoio? Ninguém é, mas isso não significa fazer loteamento e nem leilão de secretarias. Eu não vou discutir nesses termos. Eu não acredito que o PT faria isso também, até porque o PT de Porto Alegre tem um pouco mais de critérios políticos. Não creio que eles fariam esse tipo de chantagem.
A senhora tem fama de ser "radical" para alguns eleitores. Acredita que é hora de quebrar essa classificação ou adotar esse adjetivo como um aliado na sua campanha?
Eu fiz uma pesquisa qualitativa aqui em Porto Alegre para avaliar qual a percepção que as pessoas têm de mim. Percebi que esse adjetivo de radical está completamente desmanchado. É muito evidente para mim no próprio corpo a corpo com os eleitores que essa classificação não cola mais. Eu já disputei prefeitura, eleição presidencial. As pessoas me conhecem. Eu já tenho 30 anos de vida pública, não sou mais novata. Quando há alguém que tem essa percepção, basta me conhecer pessoalmente para perceber que isso não é real, no sentido negativo da palavra. Eu sempre trabalho com esta ideia: eu sou radical no sentido de querer ir à raiz dos problemas, mas jamais no sentido de não saber dialogar ou negociar e, eventualmente, ceder.
Uma candidata a prefeita mulher ainda enfrenta barreiras? Como a senhora observa esse cenário?
Eu não vejo mais essa dificuldade. Ao contrário: ser mulher é até uma vantagem junto às mulheres. Elas estão muito empoderadas e querem ser as protagonistas e querem que outras mulheres sejam protagonistas. É bem diferente de anos atrás, quando as mulheres não respaldavam outras companheiras. Hoje não. Elas se respaldam mais. Eu tenho um eleitorado feminino muito forte e que se sentiu representado por aquele momento, em 2014, que eu mandei o Aécio Neves [candidato à presidência em 2014] baixar o dedo, e aquela cena tocou em muitas mulheres que sempre se sentiram oprimidas em situações como aquela e sentiam vontade de fazer aquilo que eu fiz e, talvez, não tinham condições pela desigualdade social que ainda existem entre homens e mulheres.
Porto Alegre é um exemplo do que a crise atual tem causado nos municípios brasileiros. A cidade enfrenta uma grande crise de segurança. Nas últimas semanas, inclusive, a Força Nacional foi deslocada para a capital gaúcha. O que precisa mudar na cidade?
Este tem sido um dos principais temas da minha campanha porque, de fato, há uma crise aguda no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre. Essa é a maior preocupação do eleitor. Eu construí um programa de segurança pública municipal com seriedade e com participação de especialistas. Que parte da necessidade de prevenir o ingresso do jovem na criminalidade, a partir de uma política transversal que passa pela educação, esporte e cultura. A educação é muito importante nesse processo. Tem um dado que diz que a cada ano que o jovem fica na escola após a quinta série, reduz em 10% os riscos de criminalidade. E também de políticas de participação mais ativa da prefeitura a partir do aumento da Guarda Municipal, vinculada com a comunidade. E colocando nesse sistema também os agentes de trânsito. Hoje, eles apenas multam, mas eu quero integrar eles nessa rede de vigilância, onde eles também sejam olhos voltados para a segurança.
O PSOL tem sido sempre um crítico da atuação da Política Militar, cuja conduta muitas vezes é tachada de truculenta. Qual é o tipo de policiamento no qual o PSOL acredita?
A maior queixa dos porto alegrenses é da falta de policiamento e não do comportamento dos policiais. Isso porque faltam muitos policiais. E por essa lacuna de força humana e falta de equipamentos eles acabam agindo de forma truculenta. Eles entram na vila com medo. O criminoso está melhor armado do que ele. Até porque, em termos de classe social, os policiais também são moradores da periferia, eles ganham uma miséria. É um problema estrutural, que passa pelo treinamento e que também passa pela visão militar da polícia. Mas tem a ver também com as condições de trabalho dos policiais. Em resumo, é o contexto, o treinamento que ele recebe e a falta de estrutura.
Impeachment de Dilma: