Responsável por autorizar a retirada de cinco crianças de um casal de lavradores da Bahia para serem adotadas por quatro casais de São Paulo “a título de guarda provisória”, o então juiz do município de Monte Santo (BA) Vitor Xavier Bizerra divulgou há poucos dias sua versão dos fatos, justificando a decisão e alegando que o fato foi “intencionalmente distorcido”.
Em nota, o juiz garante ter tomado a decisão com base nas informações fornecidas por vários órgãos. Segundo Bizerra, ao contrário do que vem sendo divulgado, os quatro processos de adoção não foram concluídos em tempo recorde, ele indica que, desde março de 2011, o Conselho Tutelar e o Ministério Público Estadual apuravam se os cinco irmãos sofriam maus-tratos.
Segundo o juiz, em maio de 2011, uma assistente social do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas) relatou ter identificado “uma precariedade nas condições de higiene e saúde” ao visitar a casa da família, em Monte Santo, no interior baiano. Os conselheiros tutelares informaram que o pai das crianças, Gerôncio Brito de Souza, seria alcoólatra e não garantia alimento aos filhos. Já a mãe, Silvânia Maria da Mota Silva, não saberia cuidar das crianças. O juiz disse que os conselheiros tutelares chegaram a encontrar as crianças sozinhas em casa mais de uma vez, inclusive no momento em que acompanhavam o oficial de Justiça designado para cumprir a decisão judicial.
“A medida se fez necessária, pois, conforme apurou o Ministério Público, e assim manifestou-se judicialmente, as crianças estavam em situação de risco,” argumenta o juiz. “Mas as crianças não foram retiradas [de casa] à força. Foram encontradas sozinhas, algumas delas doentes, conforme consta dos relatórios.”
Procurado, o conselho tutelar confirmou que, em 2010, a mãe das crianças foi advertida por suposta negligência. Informou também que, em 2011, conselheiros encontraram uma das crianças, então com 1 ano de idade, dormindo no chão da sala. E Silvânia foi quem declarou que o marido bebia. Segundo o conselho, o Ministério Público pediu à Justiça a adoção de medidas de proteção para as crianças.
Para o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Ives de Roussan (Cedeca), organização não governamental que acompanha o caso desde junho deste ano, é “extrema leviandade” apontar os pais das crianças, como usuários de drogas e álcool. “Mesmo que fossem, seria dever do Estado encaminhá-los a programas de auxílio, dar a eles o direito de defesa e consultar outros parentes, como os avós maternos e paternos, cuja atuação na assistência às crianças foi reconhecida no processo.”
Bizerra alega, no entanto, que “apesar de existirem notícias de que os avós ou outros parentes próximos ajudavam, parcialmente na manutenção [das despesas com as crianças], não havia informações de que tivessem intenção de ficar efetivamente com a guarda dos menores”. Os pais, garante o juiz, não foram ouvidos porque não responderam às intimações.
De acordo com Bizerra, o Ministério Público foi consultado e não teria como desconhecer as soluções por ele adotadas. Como a Comarca de Monte Santo não dispõe de promotor de Justiça, o ministério, nas audiências, era representado pela promotora de Justiça da Comarca de Euclides da Cunha. Em geral, as reuniões eram agendadas respeitando a disponibilidade da promotora. Quando não era possível, ou em urgências, a própria promotora concordou em ser ouvida posteriormente, relatou o juiz.
O atual promotor de Euclides da Cunha, Luciano Taques Ghignone, disse que o Ministério Público foi ouvido somente em um dos quatro processos, no qual atestou que uma das criança de fato estava em situação precária, exigindo a intervenção do Estado, mas não que fosse retirada a guarda dos pais. “A afirmação do juiz é parcialmente verdadeira. O ministério só teve vistas a um único processo. Dos outros três processos, o ministério não tinha conhecimento”, disse Taques à Agência Brasil, adiantando que o órgão já identificou várias “irregularidades” no caso.
Uma reanálise dos processos pode levar à anulação das adoções e no retorno das crianças para os pais biológicos, de acordo com Ministério Público. O próprio Bizerra reconhece que a promotora de Justiça não participou da reunião que decidiu a futura guarda das crianças.
Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) priorize que irmãos adotados permaneçam juntos, o juiz alega que não lhe restava outra alternativa além de autorizar a adoção dos cinco irmãos por famílias substitutas em outro estado, já que não há, em Monte Santo e na região, nenhum abrigo infantil. Os quatro casais que receberam a “guarda provisória” eram, segundo o juiz, os únicos interessados na adoção, estando “devidamente habilitados”.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República identificou, no entanto, dez pontos na decisão do juiz que infringiram o ECA. Por exemplo, as crianças não foram devidamente inscritas nos cadastros estadual e nacional de adoção. A própria ministra Maria do Rosário informou que a pasta está verificando se os casais que receberam a guarda estavam cadastrados, mas disse não ter dúvidas de que a seleção foi “feita totalmente por fora do cadastro”, via “agenciamento”.
Por último, o juiz garante que antes mesmo dos fatos virem a público, as corregedorias do Tribunal de Justiça da Bahia e do Ministério Público Estadual já haviam apurado e arquivado as denúncias. Bizerra destaca que nem os pais, nem o Ministério Público recorreram da decisão em que a guarda das crianças ficou com as famílias paulistas, separando os irmãos (apenas dois deles permanecem juntos).