Ao menos dez empresas acusadas de envolvimento na Lava Jato encerrarão as negociações dos acordos de leniência com a Controladoria Geral da União (CGU) ainda no primeiro semestre. Mais adiantadas, algumas podem ver seus processos finalizados até março.
A afirmação é do novo ministro da CGU, Carlos Higino Ribeiro de Alencar. Em entrevista ao Blog, ele disse que o país precisa se acostumar a ver os acordos terminados. “A gente tem que ter nestes processos de combate à corrupção começo, meio e fim”, disse.
O ministro recorreu a uma imagem para explicar o que está acontecendo neste momento com as negociações com as empresas. "Se pudesse fazer uma analogia, eu diria assim: 'o perdão dos pecados envolve o arrependimento e a reparação' ”.
Higino nega que a lei de acordos de leniência exclua o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público, e disse que gostaria que todos esses órgãos estivessem na negociação.
Ele também respondeu as críticas feitas à Medida Provisória
editada em dezembro pela presidente Dilma Rousseff para acelerar os acordos de leniência. Os opositores da medida alegam que a norma foi criada para salvar as empresas amigas do governo. Higino discorda: “Ela veio para dar segurança jurídica, não veio para salvar ninguém”, afirmou.
Lei e assista abaixo os principais trechos da entrevista do ministro ao Blog.
Blog - Quantas empresas investigadas na Lava Jato entraram em contato com a CGU em busca de um acordo de leniência?
Carlos Higino Ribeiro de Alencar - Em torno de uma dezena de empresas estão negociando acordos de leniência conosco. Todas em sigilo.
Blog – Alguns estão mais avançados e outras nem tanto, não é isso? O que dá para o senhor dizer do andamento desses processos e as críticas de que a MP foi criada para salvar as empresas?
Higino - O que eu diria é que estão em grau ainda diferentes de amadurecimento. Cumpre destacar também que a medida provisória não fez com que várias novas empresas viessem. Isso não ocorreu. O que eu acho que vai acontecer agora, com a medida provisória, é que ela veio trazer maior segurança jurídica para que as empresas possam assinar acordos de leniência e a ideia delas, em geral, posso dizer, é sempre ter o grau de segurança maior.
Então, as empresas têm a vontade que o TCU participe, de que o Ministério Público participe, a AGU [Advocacia Geral da União], a CGU e que, com isso, você possa ter acordos costurados com maior grau de segurança jurídica. A grande questão que a gente tem é essa.
Blog - Existem ao menos 30 processos administrativos das empresas que estão sendo acusadas de envolvimento em corrupção pela Lava Jato. Qual o prazo para fechar esses acordos de leniência?
Higino – (Veja o vídeo abaixo)
Blog - Quais dificuldades a CGU tem encontrado no andamento burocrático, desde o envolvimento de outros órgãos no acordo até a insegurança da empresa diante do fato de que trata-se de algo inédito no Brasil?
Higino - Algumas empresas multinacionais que já lidavam com legislação similar em outros países têm uma facilidade maior para a negociação. Elas já sabem sentar à mesa, já sabem dos riscos que podem estar envolvidos com as grandes punições e têm uma experiência maior na negociação. Até isso, algumas vezes na mesa, elas dizem assim: “olha, isso aqui, vocês estão em termos de exigência, mas isso aqui não é exigido em lugar nenhum do mundo, eu já fiz acordo em lugar A, B ou C”. Elas conhecem um pouco mais e é uma negociação mais madura do ponto de vista técnico, porque elas já têm os advogados com experiência em acordos de leniência ligados a problemas de corrupção.
As empresas brasileiras ainda estão muito no começo nesse ponto e os próprios advogados. A gente tem advogados aqui mais na área penalista, com um outro viés, às vezes da área empresarial, na área de concorrência, acostumados com acordos de leniência, mas em relação ao Cade, que é também um outro contexto. Outro ponto: a gente tem buscado sempre um acordo com o Ministério Público. Isso também tem sido uma demanda das empresas e a gente concorda, porque a ideia é que, quanto mais agentes participem disso, todos que possam aplicar uma punição, esse acordo dá uma segurança jurídica maior à empresa.
Blog - Qual a expectativa do senhor sobre esses acordos de leniência que estão sendo fechados na Lava Jato? O senhor pode me dizer a importância disso no histórico dos acordos de leniência que a CGU vai fazer, que o senhor percebe para o futuro?
Higino - Eu acho que esse vai ser um dos principais casos, se não o principal caso, ligado à lei nos próximos 50 anos. A gente mal teve a aprovação da lei e nós tivemos que lidar com um caso extremamente complexo que envolve cartel de muitas empresas e um ramo muito forte no Brasil.
Eu tenho certeza que esse será um dos maiores, até porque eu acho que vai ter uma mudança cultural muito forte nesse campo quando a gente conseguir encerrar a Lava Jato. As empresas vão, dado esse arcabouço jurídico e todas as consequências da operação, pensar muito antes de agir fora dos padrões legais. É importante que a gente tenha, no combate à corrupção e nas decisões de aplicação da lei, começo, meio e fim, além de respostas que não sejam muito demoradas. Eu acho que esse é o grande desafio.
Blog - A CGU está tendo, na sua primeira experiência, uma das mais importantes da história.
Higino - Pela dimensão, eu tenho certeza que ele vai ser um caso importante como típico de investigação e processo anticorrupção -- inclusive com destaque internacional pela sua relevância. Eu espero que a gente consiga chegar ao final dele esclarecendo tudo, punindo quem tenha que punir e conseguindo recuperar o dinheiro, um dos pontos fundamentais. É preciso trazer de volta esse dinheiro para o contribuinte, que indiretamente é quem foi afetado por esses desvios.
Blog - O que pode impedir uma empresa de fechar um acordo de leniência?
Higino - Duas coisas. Se pudesse fazer uma analogia, eu diria assim: o perdão dos pecados envolve o arrependimento e a reparação. Então, sem nenhuma questão de natureza religiosa, mas fazendo uma analogia com isso, eu acho que tem que haver uma certa assunção. As empresas tem que assumir que erraram, e identificar os agentes que receberam valores. E existe também uma coisa importante para que elas possam, no acordo, ter uma situação de “perdão”, e continuar trabalhando com novas práticas para o futuro. É o arrependimento. Então, se eu me arrependo de algo que fiz de errado, eu não posso querer achar que eu não vou ser igual.
No mundo corporativo hoje, se você for conversar com o pessoal das áreas de auditoria, de direito empresarial, você vai ver que tem várias empresas buscando implementar programas de compliance, que buscam evitar esses riscos de dano. Tem alguns casos internacionais, e a gente espera que seja assim no Brasil, nos quais a própria empresa é quem muitas vezes toma a iniciativa de comunicar. É quando a gente chega num grau de maturidade que a empresa tem controles tão relevantes que ela toma essa iniciativa de comunicação. Em alguns desses casos, por exemplo, teve o caso Morgan Stanley, que é um banco americano, que ele comunicou um problema na Ásia, que envolvia algum tipo de fraude sujeita ao FCPA. Ela foi tão eficaz nessa identificação que não recebeu multas pelo governo americano.
Então, esse tipo de situação é o que a gente espera no futuro. A grande questão é que, passada toda essa tempestade, as empresas vão ter outro comportamento e vão ser chamadas mais a participar desse processo preventivo de corrupção. Não por uma questão só, digamos assim, de própria filosofia das empresas, mas pelo risco efetivo que as legislações criam. Até alguns anos atrás, países desenvolvidos davam incentivos fiscais à corrupção. A gente sempre cita a Alemanha, que é um caso de um país com uma cultura austera, do trabalho, que permitia que suas empresas deduzissem do imposto de renda pessoa jurídica delas as propinas pagas no exterior. Essa ideia de que o jeito de fazer negócios deve ser limpo é recente, inclusive nesses países desenvolvidos. O Brasil, com a legislação que tem, demonstra que ele quer estar dentro desse grupo.
Blog – É possível, então, esse avanço na cultura brasileira no qual o arrependimento gera essa a mudança de comportamento?
Higino - Além dessa colaboração com as investigações e de assumir a responsabilidade de ressarcir, as empresas têm que assumir a implementação de programas de integridade ou de compliance, que são programas que visam evitar esses tipos de problemas futuros. Essa implementação vai ser fiscalizada. Vou dar um exemplo do que é que está ocorrendo, por exemplo, no mundo privado nesse campo. Se o BNDES, que é um banco público e eles têm incorporado esse tipo de situação com grandes empréstimos para empresas, no sentido de saber se elas têm ou não programas que trabalhem essa parte. Porquê? Porque o banco que está emprestando dinheiro para uma empresa sabe que se ela tiver um problema grande em corrupção pode ter a sua existência finalizada.
Como essa legislação brasileira é inspirada na legislação da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], muitas empresas nacionais, quando fazem joint venture aqui no Brasil, não aceitam associações com empresas que não tenham esses mecanismos preventivos porque elas sabem que podem ser contaminadas por esse parceiro e, diante dessa contaminação, serem punidas nos seus países de origem. Eu diria que isso está mudando muito esse mercado, inclusive não só pela atuação do governo, mas pelas próprias relações privadas que, às vezes, são até muito mais eficientes para induzir a um determinado comportamento.
Blog - Ministro, para finalizar, como o senhor responderia às críticas que foram feitas à medida provisória?
Higino - Eu tenho tido muita tranquilidade. Havia uma solicitação de informação do Tribunal de Contas da União, já fizemos esse encaminhamento inclusive, conjuntamente com a AGU. Em primeiro lugar, a medida provisória não excluiu o Ministério Público e o TCU. Ao contrário, ela trouxe mais para dentro da lei. No caso do Ministério Público, prevê expressamente que ele pode fazer o acordo conjunto e que a gente deve comunicar quando instaurar um processo administrativo no início, e não no final. E prevê uma coisa, uma demanda antiga do Ministério Público, que era você poder fazer acordo na lei de improbidade, que antes havia uma vedação. Não havia norma legal nenhuma que falasse do TCU.
O TCU tinha construído uma norma interna com base nas suas competências genéricas. A gente acha que isso trouxe o TCU de maneira formal, explícita, para o acordo de leniência. A lei veio para dar segurança jurídica no acordo, não veio para salvar ninguém. A gente tem a possibilidade de corrigir pequenas falhas que havia na lei e eu acho que permitir que os acordos aconteçam. Essa lei não é para a Lava Jato. Essa lei vai marcar o panorama jurídico brasileiro, principalmente porque ela vai ter tido uma oportunidade, logo depois de seu nascimento, de ter sido colocada numa prova de fogo muito grande, e eu tenho certeza que ela vai mostrar a que veio. Ou seja, como a gente popularmente fala, vai ser uma lei que “pega”.