Médicos norte-americanos afirmam terem curado um bebê do sexo feminino que nasceu com HIV depois de tratamento precoce com o coquetel antirretroviral, em um caso potencialmente pioneiro que pode oferecer esperança de erradicar a infecção por HIV entre crianças.
O caso anunciando neste domingo, 3, é o primeiro relato da chamada cura funcional de uma criança - um raro evento no qual uma pessoa atinge a remissão, estado em que não precisa mais de drogas e em que exames de sangue não mostram sinais de que o vírus esteja se replicando.
Mais testes são necessários para ver se o tratamento teria efeito em outras crianças, mas resultados podem mudar a maneira com que bebês de alto risco são tratados e possivelmente levar à cura de crianças com HIV.
"Essa é uma prova de conceito que o HIV pode ser potencialmente curável em crianças", disse Deborah Persaud, uma virologista da Universidade Johns Hopkins, de Baltimore, que apresentou a descoberta na Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas em Atlanta.
A história da menina - cuja identidade não foi revelada - é diferente do caso famoso do paciente Timothy Ray Brown, conhecido como o "paciente de Berlim", cuja infecção por HIV foi completamente erradicada com um tratamento complexo para leucemia em 2007 que envolveu o transplante de células-tronco de um doador que possuía uma mutação genética que conferia resistência ao HIV.
Quando o bebê nasceu em um hospital rural do Mississippi, a mãe tinha acabado de receber o resultado positivo para o teste de HIV. Como ela não havia feito nenhuma profilaxia durante a gestação, os médicos sabiam que a criança tinha grande risco de estar infectada. Então, o bebê foi transferido para o Centro Médico da Universidade do Mississippi, onde ela passou a ser tratada por uma especialista em crianças com HIV, Hannah Gay.
Por causa do alto risco de infecção, a médica administrou um coquetel com três drogas anti-HIV quando a criança tinha apenas 30 horas de vida. Em gravidezes mais típicas, quando uma mãe infectada com HIV recebe drogas para reduzir o risco de transmissão para a criança, o bebê só receberia uma única droga para reduzir o risco de infecção.
Os pesquisadores acreditam que esse uso precoce do tratamento antirretroviral provavelmente resultou na cura da criança por impedir que o vírus forme conjuntos de células difíceis de tratar conhecidos como reservas virais, que ficam adormecidas e fora do alcance de remédios comuns. Essas reservas "ressuscitam" a infecção por HIV em pacientes que param a terapia, e elas são a razão pela qual a maioria dos indivíduos com HIV necessitam de tratamento pela vida toda.
Depois de iniciar o tratamento, o sistema imunológico do bebê respondeu e testes mostraram que o nível do vírus estava diminuindo, até que se tornou indetectável aos 29 dias de vida. O bebê recebeu tratamento padrão até os 18 meses, mas então parou de comparecer às consultas por 10 meses, período no qual a mãe afirma que a menina não recebeu qualquer medicação.
Quando a criança voltou a ser consultada por Hannah, foram pedidos os exames de sangue padrão para ver como ela estava, antes de voltar a receber o tratamento. O que ela descobriu foi surpreendente. O primeiro teste mostrou que não havia níveis detectáveis de HIV. Assim como o segundo. "Naquele momento, eu sabia que estava lidando com um caso incomum", diz Hannah.
Perplexa, Hannah contatou colegas da Universidade de Massachusetts, que fizeram uma série de exames de sangue mais sofisticados. O primeiro deles buscou reservas silenciosas do vírus, que permanecem dormentes, mas podem replicar se forem ativadas. Então, o grupo procurou pelo DNA do HIV, que indica que o vírus se integrou no material genético da pessoa. Esse teste detectou níveis muito baixos de HIV. Como não havia vírus detectáveis, a equipe médica resolveu suspender a terapia antirretroviral.
No Brasil. O Ministério da Saúde possui um protocolo de prevenção de transmissão vertical (de mãe para filho) do HIV que prevê a profilaxia imediata do bebê logo ao nascer, mesmo que a mãe não tenha recebido antirretrovirais durante a gravidez. O protocolo recomenda que seja feita a quimioprofilaxia do recém-nascido com a Zidovudina (AZT) ainda na sala de parto ou nas duas primeiras horas de vida.