Uma comissão de vereadores de Ubatuba está investigando denúncias vindas da Provedoria da Santa Casa de Misericórdia sobre possível desvio de doações e falta de repasses da arrecadação da cantina que funciona dentro da unidade de saúde da cidade. O caso foi parar na sessão Ordinária da Câmara na última terça-feira, com a leitura de uma correspondência da direção do hospital relatando os fatos e suspendendo temporariamente o trabalho voluntário.
O problema foi levantado logo no início da sessão, no expediente. Em ofício, assinado por toda a provedoria da Santa Casa, se relata que “houve, durante o ano de 2013 (janeiro a julho), um faturamento da cantina no valor de R$ 56.831,66, enquanto que o repasse para a Santa Casa foi de R$ 3.559,05”.
A carta acrescenta que, mesmo arrecadando isso, a cantina não paga água, luz e nem impostos, funcionando com cadastro (CNPJ) independente. Em recente fiscalização, a cantina foi notificada para proceder sua regularização, tendo sido multada em R$ 1.163,62, e nada foi feito a não ser solicitar que o hospital arcasse com a multa e que os vereadores isentassem a cantina dessa cobrança.
Pelo ofício, a provedoria informa que de repente algumas doações pararam de chegar à cozinha ou chegavam sem condições de uso ou com validade vencida, tendo que ser descartadas. Alguns doadores tradicionais, como supermercados, comerciantes e produtores rurais, suspenderam doações.
Interferências
A direção do hospital reclama ainda de interferências excessivas por parte de alguns voluntários na rotina dos procedimentos, no tipo de gestão ou mesmo em contratações e demissões. Em outros casos, “a circulação dessas pessoas pelos corredores, Pronto Socorro e dependências com salgadinhos e produtos da cantina geram cruzamento no fluxo hospitalar, sem as precauções sanitárias exigidas em ambientes como este”, diz trecho da carta, que também afirma que “criou-se uma sistemática de reclamar, tumultuar e na sequência envolver vereadores ou pessoas influentes da cidade para atender seus pedidos”. Depoimentos de funcionários falam em “atitudes extremamente agressivas, com ofensas a funcionários”.
O “Grupo Voluntários Trabalho por Amor” reúne cerca de dez pessoas sendo que quatro ou cinco comparecem diariamente à Santa Casa. O ofício tem o cuidado de evitar generalizações, mas deixa claro que ao longo do tempo surgiram distorções.
A direção reconhece ainda o esforço de pessoas que ajudaram concretamente como voluntários ao longo de anos. “Sabemos da importância que é o trabalho voluntário dentro de uma instituição filantrópica, a responsabilidade em dar o melhor aos enfermos, em ajudar um acamado lendo para ele, levando um copo d’água, captando doações e as direcionando a quem de direito entre outras ações”.
Falando depois da Tribuna Popular, a nutricionista e também sanitarista pública do hospital, Caroline Fernandes, reforçou as denúncias mostrando-se preocupada com “o alto grau de cuidados sanitários” que o trabalho com enfermos requer, pois “tornou-se rotineira a doação de verduras estragadas”. Ela está articulando um trabalho com produtores orgânicos locais, em parceria com os agricultores.
Provedor
Em entrevista com o provedor da Santa Casa, Robertson Martins, ele informou à reportagem que várias pessoas estavam se manifestando dizendo que faziam doações, que não chegavam à instituição. “Tivemos que inverter o sistema de arrecadação. Agora são funcionários voluntários, carros próprios, pra atender as retiradas. Em paralelo, estavam havendo questionamentos financeiros com relação à cantina. Elas se dizem voluntárias, mas na realidade algumas são assalariadas e estava havendo muita despesa sem comprovação”, declarou Martins.
Segundo ele, como há desconto em folha de pagamento e o Conselho Municipal de Saúde recebe a prestação de contas, foram detectados pagamentos indevidos a fornecedores, até mesmo sem recibos, e o pagamento de salários para voluntárias. “Não tivemos outra escolha a não ser solicitar ajuda dos vereadores. Entregamos a documentação pra eles fazerem uma apuração mais clara e aberta”, destacou Martins.
Segundo ele, no ano passado, elas produziram R$ 70 mil com a cantina, bruto, e repassaram pra Santa Casa R$ 3 mil. “Em 2013, de janeiro a agosto, produziram R$ 56 mil e repassaram pouco mais de R$ 3 mil. Dentre as despesas apresentadas, ainda tinha funilaria e serviço de auto-elétrico”, informou.
Grupo de investigação
O presidente da Câmara, o vereador Eraldo Todão Xibiu (PSDC), informou que, após reunião com a direção da Santa Casa, decidiu abrir um processo de averiguação para que em 30 dias se façam as oitivas das voluntárias, servidores, provedoria e doadores, concluindo com um relatório mostrando o que de fato tem ocorrido dentro da Santa Casa de Misericórdia e no funcionamento da cantina. Ele lembrou que a instituição também recebe dinheiro público, daí o dever de averiguar.
A Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara Municipal será presidida pelo vereador Claudnei Xavier (DEM), que será auxiliado pela vereadora Flávia Pascoal (PDT) e pelo vereador Reginaldo Bibi (PT).
Segundo Xibiu, ficou resolvido em comum acordo com a provedoria que durante as oitivas a cantina permanecerá fechada, mas os trabalhos das voluntárias em outros setores da Santa Casa continuarão como de costume. “Dependendo do resultado das investigações, o processo será encaminhado à Promotoria Pública para as devidas providências”, declarou Xibiu.