Crescimento morno e retomada lenta são combinações de palavras recorrentes para definir a situação da economia brasileira nos últimos tempos.
Depois da boa notícia de que em 2017 o Produto Interno Bruto (PIB) ao menos voltou a ficar positivo, após dois anos consecutivos de retração, o ritmo de crescimento da economia não decolou e tampouco tem previsão de decolar no curto prazo.
Em 2018, o PIB cresceu 1,1%, segundo divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira. No último trimestre do ano, a variação foi de 0,1% em relação ao trimestre anterior.
"Um crescimento perto de 1% é um resultado muito fraco, se comparar com o que esperávamos ao longo do ano", disse a economista Silvia Matos, que coordena o Boletim Macro, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia).
A versão mais recente do boletim destaca que o desempenho da economia brasileiracontinua a frustrar as expectativas e reduz a projeção de crescimento em 2019 de 2,3% para 2,1%. Devido à atividade fraca no fim do ano passado, economistas passaram a esperar um resultado menos positivo em 2019 também - embora melhor que em 2018.
"Tem uma frustração generalizada, mas principalmente na indústria de transformação e na construção civil", explicou Silvia Matos, em relação aos últimos meses do ano passado.
Economista-chefe da Rosenberg Associados, Thais Zara tem uma previsão de 2,8% para o PIB de 2019, mas diz que já sabe que terá de revisá-lo após analisar o resultado de 2018. Entre outros fatores, ela destaca que deve haver um impacto negativo no início deste ano decorrente da tragédia em Brumadinho (MG), onde houve ruptura de barragem da Vale, que deixou 171 mortos e 139 desaparecidos.
"Isso deve afetar a indústria extrativa mineral e até os serviços relacionados àquela indústria", disse ela.
O economista Marcelo Portugal, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), resume assim a previsão para o ano: "eu não espero nada de fantástico para 2019". Ele diz acreditar em um resultado um pouco acima de 2% neste ano e que qualquer crescimento abaixo disso seria desapontador.
Portugal aponta que, além da lentidão, outra característica que pode ser vista na atividade econômica do ano passado é a homogeneidade entre os setores. "Em anos anteriores, tinha a agricultura indo muito bem e outros setores indo muito mal, e o que aconteceu no ano passado é que não teve a mesma disparidade de anos anteriores. De forma geral, desta vez foi morno e foi morno pra todo mundo."
A partir de conversas com economistas, a BBC News Brasil elencou três áreas que devem ser alvo de atenção durante este ano para entender os rumos e o ritmo da economia brasileira:
1. O cenário externo
A situação econômica dos outros países e a relação comercial do Brasil com eles são fatores importantes para a economia doméstica. Se a economia vai bem para os países que importam produtos brasileiros, a tendência é que eles aumentem o volume de compras e que o Brasil consiga aumentar a exportação.
Além disso, quando a economia mundial está aquecida, os investidores tendem a ficar mais animados e confiantes. A forma como esses países, especialmente os Estados Unidos, tocam suas políticas monetárias também interfere na economia brasileira.
"Economias desenvolvidas estão dando sinais de desaceleração, como na Europa e na China. Isso traz um pouco mais de cautela. Os bancos centrais já perceberam isso e já estão se preparando para esses sinais de atividade mais morna, mas por enquanto isso não é cenário que traz grande risco. Se a gente tiver recessão mais forte nesse países, aí sim pode ser um risco", disse a economista Thais Zara.
Silvia Matos lembra que a recessão na vizinha Argentina, embora não seja um fator determinante, atrapalha a economia brasileira.
A economista aponta, também, que é necessário ficar de olho nos termos de possível acordo comercial entre China e Estados Unidos. A eventual decisão de a China comprar mais commodities dos EUA pode diminuir o volume de commodities que os chineses compram do Brasil.
"Estados Unidos e nós, Brasil, competimos no mercado de commodities. Pode ser que tenha menos guerra comercial, mas pode ser que China tenha que comprar mais do EUA para ter acordo. Dependendo de como for acordo, pode ser ruim para as exportações brasileiras", afirmou Silvia Matos.
Ela diz, ainda, que o Brasil tem poucos acordos comerciais e pondera que ainda não está claro o caminho que o novo governo vai tomar nessa área.
"A sensação que eu tenho é que ainda temos país com espaço muito grande pra ter papel mais relevante em relação à abertura comercial. O mundo hoje depende das cadeias globais de valor."
2. A Reforma da Previdência
Apontada como um grande teste para o novo governo, todos os passos da Reforma da Previdência enviada neste ano ao Congresso Nacional serão acompanhados com atenção pelo mercado financeiro e pela população. Muitos economistas a veem como principal medida para colocar as contas do governo em ordem - embora não seja a única -, e apontam que é muito difícil, em qualquer lugar do mundo, aprovar mudanças nas regras de aposentadoria e pensão.
"Temos um elefante enorme na sala, que é a Reforma da Previdência. A solvência fiscal ainda não foi resolvida e há carência de recursos para outras áreas", diz Silvia Matos.
Após a eleição e até o início do ano havia uma expectativa de que a equipe do presidente Jair Bolsonaro pudesse formular uma proposta de Reforma da Previdência de forma a aproveitar o texto que já estava no Congresso e que já havia sido aprovado.
O governo optou, contudo, por enviar um novo texto aos deputados e senadores, o que significa que a tramitação terá de começar do zero. Como se tratar de uma proposta de emenda à Constituição, precisa ser aprovada em dois turnos, com o apoio de 3/5 dos parlamentares, tanto na Câmara quanto no Senado.
Isso pode influenciar, segundo Thais Zara, o momento em que a reforma surtirá efeito.
"A percepção de que a Reforma da Previdência levará mais tempo e que demore um pouco mais pra se refletir acaba dilatando um pouco o prazo da recuperação. O adiamento do prazo para aprovação da reforma pode adiar também o investimento, pelo menos do ponto de vista dos investidores estrangeiros", disse.
Da forma como foi apresentada ao Congresso, a proposta de reforma tem capacidade de gerar uma economia de R$ 161 bilhões em 4 anos e de R$ 1,072 trilhão em uma década, de acordo com os cálculos da equipe econômica.
Como o tema gera pressão de diversos grupos no Legislativo, é provável que a reforma sofra alterações durante a tramitação, o que altera o valor de economia previsto para os próximos anos.
3. Os investimentos
Ao lembrar que a Reforma da Previdência não resolve todos os problemas, Silvia Matos aponta que o Brasil tem questões estruturais para resolver. "O nosso potencial de crescimento, que é difícil de estimar, não é tão alto. Ter mais oferta de energia, infraestrutura, isso faria o país deslanchar com eficiência."
A economista diz que, além de olhar para o número geral do crescimento da economia, é necessário ter atenção ao desempenho do investimento.
"O investimento caiu 30% durante a recessão e só na guerra isso acontece. É uma queda brutal em país que já tem baixo investimento. O investimento tem a ver com a capacidade de crescer sem gerar muita inflação."
O governo quer leiloar, ainda no primeiro semestre, 24 projetos de infraestrutura, como aeroportos, terminais portuários e a ferrovia Norte-Sul.
Segundo Marcelo Portugal, os processos de concessão na área de infraestrutura são capazes de injetar confiança na economia, mas demoram para serem revertidos em investimentos.
"Isso leva tempo para ser revertido em investimentos e representar crescimento efetivamente. É importante que o calendário comece este ano, mas o efeito seria para o futuro, já que são investimentos de longo prazo", disse o economista.
Como ficam o emprego e a taxa de juros?
O IBGE divulgou nesta semana que a taxa de desemprego no Brasil aumentou ainda mais e atingiu 12,7 milhões de pessoas. O índice passou de 11,6% no trimestre encerrado em dezembro de 2018 e passou para 12% no trimestre que termina em janeiro.
A geração de emprego, principalmente no mercado formal, normalmente é a forma pela qual a população mede se a economia no país vai bem ou não. Em geral, quando há um crescimento significativo do PIB, os empresários contratam mais gente e isso estimula essas famílias a consumirem mais - o que, por sua vez, também aumenta a demanda por produtos e serviços na economia doméstica.
"O desafio do emprego é muito grande. Com desemprego alto, as famílias ficam cautelosas para consumir. Também tem muito emprego informal ou por conta própria, que geralmente impede a pessoa de conseguir crédito. É um cenário de dificuldade para as famílias", disse Silvia Matos.
Em boletim sobre o tema, a Rosenberg Associados aponta que a evolução do mercado de trabalho segue em linha com a recuperação da atividade econômica gradual e afirma que está perdendo tração. Diz, ainda, que é possível que o Banco Central tenha que fazer novos cortes de juros.
"Caso a evolução do mercado de trabalho não se intensifique, novos cortes de juros poderão ser requeridos a fim de se garantir a convergência da inflação para a meta em 2019 e 2020."
Para Marcelo Portugal, o crescimento baixo desafiará o Banco Central a cortar mais a taxa básica de juros, que está em 6,5%, o menor patamar da história.
"O ponto central é que o dado de baixo crescimento vai colocar desafio ao Banco Central para começar a coçar a cabeça e considerar possibilidade de que, mesmo a 6,5%, os juros estão altos", disse.
O economista diz que há chances de o novo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ter "uma visão um pouco diferente".
A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável por fixar a taxa básica de juros, será em março.
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