Alcance da Mídia Ninja explodiu com os protestos de junho. Entusiastas aplaudem proximidade dos ativistas com acontecimentos, mas analistas ponderam necessidade de contextualizar informação
A cada duas horas, em média, o grupo Mídia Ninja posta uma nova foto, link ou relato em sua conta no Facebook. Continuamente, o site PósTV (www.postv.org) transmite vídeos ao vivo e sem cortes de debates e protestos. Atualmente concentradas em atos contra os governadores do Rio, Sérgio Cabral, e de São Paulo, Geraldo Alckmin, as publicações parecem atestar a onipresença do grupo que, por sua cobertura ao vivo, foi chamado de “mídia social das manifestações no Brasil” no blog América Latina, do diário francês Le Monde.
A repercussão da Mídia Ninja (acrônimo de Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) registrou seu ápice durante as manifestações de junho no Brasil, quando centenas de milhares de cidadãos foram às ruas para protestar contra a corrupção, os gastos excessivos do governo com a Copa do Mundo de 2014, a falta de infraestrutura e de investimentos na área da saúde e educação, entre outros motivos.
“[O grupo] entrou em evidência porque as pessoas estavam esperando uma cobertura mais próxima sobre o que estava acontecendo nas ruas”, explica o jornalista Bruno Torturra, líder dos ninjas e ex-diretor de redação da revista Trip, onde trabalhou por 11 anos. “Acho que a mídia [tradicional] não soube ler rápido o que estava acontecendo nas redes e nas ruas, e estávamos sempre presentes nos protestos, transmitindo tudo ao vivo, fotografando e dando o ponto de vista dos manifestantes. Acho que tinha uma demanda muito grande de uma cobertura independente, e a gente estava lá.”
A explosão do Ninja – criado em 2012 no âmbito da rede de intercâmbio artístico Fora do Eixo, liderada pelo ativista cultural Pablo Capilé –, de acordo com relatos da imprensa brasileira, teria coincidido com a ampliação das manifestações, na semana de 17 de junho, quando os protestos foram convocados em todo o Brasil. Hoje, o grupo tem mais de 140 mil seguidores no Facebook.
Oxigênio para jornalismo tradicional
Lima considera, no entanto, que o alcance da Mídia Ninja pode estar sendo superdimensionado. “A estimativa que os próprios membros do grupo fizeram é de que, no auge [dos protestos], eles tenham tido uma audiência de cem mil espectadores. Não sei como esse cálculo foi feito e essas questões precisam ser colocadas num contexto”, diz o estudioso.
O papel de grupos alternativos de comunicação como a Mídia Ninja também podem servir para “oxigenar” a produção de informação do tradicional jornalismo no Brasil, segundo afirma Sylvia Debossan Moretzsohn, professora da Universidade Federal Fluminense no Rio de Janeiro.
“Eu acho que [a Mídia Ninja] vem preencher uma lacuna, sobretudo porque recupera essa reportagem de rua, essa ênfase no que está acontecendo neste momento e ao vivo”, exemplifica. “Isso tudo é importante porque é uma forma de documentar a realidade e, ao mesmo tempo, de denunciar principalmente certas violências que não são frequentemente objeto de cobertura da mídia tradicional, e então entram muito perifericamente porque a mídia tradicional fica muito refém das fontes oficiais e das assessorias de imprensa, exatamente porque não está na rua como deveria estar”, avalia Moretzsohn.
As formas alternativas de informação, como a Mídia Ninja e o site Repórter Brasil, acabam mudando também certos fluxos de trabalho da mídia tradicional, diz a autora do livro Repórter no Volante. “Há um aumento brutal de fontes que querem se apresentar como informação, e é preciso selecionar tudo isso de forma muito mais criteriosa. Os jornalistas continuam tendo esse papel de mediação. Que credibilidade tem a internet, de forma geral? Posso publicar o que eu quiser e depois apagar, como indivíduo. Mas sempre há uma promessa de credibilidade no jornalismo, seja na forma de grandes empresas ou nas formas alternativas”, explica a professora da UFF.
Credibilidade em dúvida
“Com o aumento das críticas à TV Globo pelos manifestantes, a Mídia Ninja se tornou rapidamente uma fonte confiável de informação para muitos dos envolvidos nos protestos e transmitiu ao vivo manifestações em todo o Brasil”, diz um texto do jornal britânico The Guardian, publicado um dia após a chegada do papa Francisco ao Rio de Janeiro, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude.
O diário destacou a prisão do ninja Felipe Peçanha no dia 22 de julho. Ele cobria os protestos na sede do governo do Rio, o Palácio Guanabara, e foi acusado de “incitar a violência”. Depois de ter se negado a parar de filmar os protestos após o pedido de um policial militar, Felipe foi preso com um outro ninja e libertado horas depois, encontrando do lado de fora um grupo de pessoas que gritava: “Ninja! Ninja!”.
Na mesma ocasião, o estudante Bruno Ferreira Teles foi preso pela Polícia Militar, acusado de arremessar um coquetel molotov contra a barreira de policiais. Transmitidas por streaming pela internet, filmagens mostraram que o coquetel molotov foi arremessado de outro ponto da multidão, inocentando o jovem, que foi libertado no dia seguinte.
Para Moretzsohn, porém, ainda é preciso que grupos como a Mídia Ninja encontrem uma maneira de contextualizar a informação. “Acho um pouco complicado se eles forem protagonistas dos próprios episódios. Acho que eles rejeitam a ideia de editar, e editar é uma forma de sintetizar para que as pessoas compreendam o que está acontecendo”, afirma. Já o líder da Mídia Ninja diz que o grupo “faz o possível” atualmente e que também trabalha “na edição, na filmagem offline e na produção de textos de jornalismo investigativo”. A Mídia Ninja deverá lançar um site no próximo fim de semana.
Democratizar a informação
Entre os objetivos da Mídia Ninja, Bruno Torturra lista o alcance da informação para parcelas mais amplas da população brasileira. “Queremos democratizar a produção de informação e, com isso, informar melhor as pessoas para que tenhamos uma democracia cada vez mais sólida, justa, integrada e próxima dos fatos. Acho que o próprio jornalismo tem de ser repensado e atualizado”, afirma o líder dos ninjas, que aponta para a concentração dos meios de comunicação brasileiros nas mãos de “pouquíssimas pessoas, grupos e famílias”.
Um cenário também destacado por Lima, da UnB, que costuma apontar para o “atraso” do país em relação a uma regulação do setor de comunicação, especialmente no que diz respeito normas aprovadas na Constituição de 1988 que “nunca foram regulamentadas”.
“Nunca houve preocupação com a propriedade cruzada dos meios de comunicação no Brasil. São poucas grandes empresas, é um sistema de redes que nunca foi controlado pelo poder público, e pouquíssimos grupos têm afiliações regionais e locais. Uma terceira característica é que, se formos ver como de fato esses grupos [de comunicação] funcionam, boa parte deles têm algum tipo de vínculo com políticos no exercício do mandato. Eu tenho começado a falar numa situação de corrupção histórica e sistemática da opinião pública brasileira por causa desse tipo de situação”, explica.
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