"Salve Jorge" teve a espinhosa missão de suceder um dos maiores sucessos da dramaturgia brasileira. "Avenida Brasil" deixou telespectadores órfãos e conquistar parte desse público foi o maior desafio de Gloria Perez, autora do folhetim que termina nesta sexta-feira (17).
Criticada em boa parte da trama por diversos furos no roteiro, a autora se diz recompensada. Principalmente por tratar de um assunto tão forte como o tráfico de pessoas.
"A novela mostrou exatamente como se faz o aliciamento e o sistema de escravidão a que as pessoas traficadas ficam sujeitas. Informou, alertou e teve força para interferir na realidade”, contou em entrevista à revista "Época".
As respostas da sociedade sobre sua novela satisfazem muito Gloria. E ela cita um caso que aconteceu com a exibição de "Salve Jorge".
"Ficou bem conhecido, nacionalmente, o caso da mãe que percebeu o que tinha acontecido com a filha por meio dos telefonemas que recebia, semelhantes àqueles que Morena dava para a família sob a mira de um revolver. Ela denunciou, a quadrilha foi presa na Espanha e as garotas, libertadas."
"Salve Jorge" como um serviço social foi um dos fatores para Gloria se sentir recompensada com o trabalho. Para ela, aliar isso com diversão, foi o maior acerto do folhetim. E seu maior desafio foi colocar o tráfico humano como tema central de uma novela.
"É um tema muito duro, muito difícil de abordar. Era necessário encontrar o tom certo para a narrativa, de modo a não agredir o público, mantendo a força e a seriedade do assunto. Apesar da alta rentabilidade, US$ 32 bilhões por ano [cerca de R$ 64 bi], o tráfico humano continua sendo um crime invisível, talvez porque seu público-alvo sejam pessoas socialmente invisíveis, moradores de regiões mais desfavorecidas, prostitutas, travestis", disse.
Elogios à Nanda Costa
Outro desafio para a autora foi apresentar, pela primeira vez em novelas, como protagonista, uma personagem típica das favelas, com a cultura e as vivências dos morros cariocas.
"Uma protagonista favelada e prostituída, magistralmente interpretada pela Nanda Costa", afirmou.
Gloria acredita que as críticas que aconteceram em "Salve Jorge" deve-se aos temas que costuma tratar em suas obras.
"Minhas novelas falam de assuntos que ainda não estão claramente percebidos, então é comum esse estranhamento. É aquela coisa que o Caetano já explicou muito bem: “à mente apavora o que ainda não é mesmo velho”. Foi assim quando falei de barriga de aluguel, de imigração ilegal, de clonagem humana, transplante de coração, e até da internet", afirmou.
Audiência em foco
A audiência de "Salve Jorge" foi, em boa parte de sua exibição, um problema para Globo. Mesmo assim, Gloria garante que não mudou a direção de seu roteiro para tender as expectativas da emissora.
"Mudar, não. É claro que a gente conta uma história atenta à reação do público. Se percebe que não está obtendo a resposta que espera, você muda a maneira de contar, mas não o rumo da história", garantiu.
Sobre a interação nas redes sociais, Gloria se diz "antiquíssima": "'Explode Coração' [1995] foi a primeira novela interativa. Escrevi com base nas experiências românticas, então muito novas, vividas pelo pessoal de lá, e em contato direto com os outros usuários durante o decorrer da trama. Tinha até um hacker na história. Hoje em dia, com o crescimento e a expansão das redes sociais, fica mais complicado avaliar seu trabalho por ali. Há que saber filtrar".
Uma das maiores críticas que Gloria sofreu nos últimos meses foi que "Salve Jorge" teve muitos personagens e alguns ficaram de lado na trama. Mas para ela isso é algo normal.
"Em todas as novelas, existem reclamações, nem todos ficam satisfeitos. É claro que nessa também aconteceu. Nada de novo nisso."
Fim de viagens ao mundo?
"Salve Jorge" pode ser a última novela sobre outras culturas de Gloria Perez. Mas Gloria rebate essa afirmação.
"'Salve Jorge' não foi uma novela sobre outra cultura, como 'O Clone' e 'Caminho das Índias'. Quem acha isso está trocando a moldura pelo quadro. Precisei de uma locação no exterior porque estava falando de tráfico internacional de pessoas. Esse é o tema, esse é o coração da novela. O exterior aqui entrou como moldura".
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