Embora os benefícios oferecidos aos 94 deputados paulistas estejam previstos em lei, o conjunto de regalias na Assembleia Legislativa de São Paulo é um “exemplo de falta de ética”. Essa é a opinião do cientista político Humberto Dantas, conselheiro do Movimento Voto Consciente, organização não-governamental que fiscaliza a atuação dos deputados na Casa.
“Não tem nada menos ético do que isso. Você tem um pacote de benefícios aprovado pelos deputados para eles mesmos”, afirma. Segundo o pesquisador, a falta de fiscalização do uso do dinheiro público e o pouco acompanhamento do trabalho dos parlamentares podem facilitar a aprovação de leis que multiplicam as benesses. “Isso não passa pela sociedade. O cidadão comum não tem tempo nem meios de fiscalizar diretamente, apenas por meio da mídia”, diz.
Desde a semana passada, o BLOG DO GUILHERME ARAÚJO divulgou reportagens revelando que mais de um terço dos 94 deputados de São Paulo recebem auxílio-moradia da Assembleia Legislativa, mesmo sendo proprietário de imóveis em São Paulo. Mostrou ainda que o orçamento da Casa cresceu 250% na última década, mesmo período em que os deputados aprovaram a criação de uma série de benefícios.
Um dos primeiros projetos aprovados pela Assembleia nesta legislatura, por exemplo, foi o que dobra o número de assessores de 16 para 32. Para o pesquisador, a medida pode ajudar o deputado a se reeleger. “Não cabem 32 pessoas num gabinete. Com isso, o deputado vai ter ainda mais gente falando em nome dele por aí, nas ruas”, explica. O projeto ainda aguarda a sanção do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Para Dantas, a multiplicação de assessores poderá ajudar, ainda, a “perpetuar” um político no cargo. “Uma coisa é ser deputado, outra coisa é se perpetuar como deputado”, diz. Na Saxônia, Estado alemão, cada deputado só tem direito a um assessor, exemplifica o cientista político. Ele ressalta, no entanto, que é difícil fazer uma comparação direta entre Brasil e Alemanha por serem “duas culturas completamente diferentes”.
Enriquecimento
As mordomias concedidas aos deputados também facilitam o acúmulo de bens particulares. Além do salário de cerca de R$ 20 mil por mês, os parlamentares recebem verba indenizatória, verba de gabinete e auxílio-moradia. Com isso, grande parte dos salários pode ser investida. “Óbvio que o patrimônio (dos deputados) vai aumentar. Agora, qual é o limite, se as leis são eles mesmos que criam? O limite é ética e moral”.
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O espelho federal não inspira a ética. O Senado é o harém do recurso público sendo gasto em benefício dos mandatos"
Dantas enfatiza, porém, que o exemplo deveria ser dado pelo Congresso Nacional, em Brasília. “O espelho federal não inspira a ética. O Senado é o harém do recurso público sendo gasto em benefício dos mandatos”, pontua. Na última legislatura no Estado de São Paulo, entre 2006 e 2010, 16 deputados paulistas dobraram seu patrimônio. Para ilustrar os “benefícios extraordinários”, o pesquisador conta um episódio curioso: “Levei dois alunos que vieram da Alemanha para almoçar na Assembleia. Eles me perguntaram se tudo aquilo ficava à disposição do deputado. Eles não acharam nem bom nem ruim, apenas não entendiam. Não entra na cabeça deles essa quantidade de benefícios em torno de um mandato. É surreal”.
Contraponto
Para o professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB), Carlos Pio, o País carece de mecanismos para frear abusos, porque ainda não há pensamento político que promova o controle. “Se você permitir que o deputado tome decisões sobre seu próprio nível de bem-estar, a tendência é que se aumentem os gastos. O exercício da representação não deve se dar às custas do dinheiro público, mas algum custo vai ter que ter.” O ideal, para o especialista, seria criar um mecanismo de autocontenção produzido pela sociedade.
Pio pontua que a manutenção da democracia, no entanto, depende do nível de amadurecimento da sociedade e dos partidos. “Na cultura do País, não há uma tradição de atribuir responsabilidade pelo sustento das pessoas às próprias pessoas (...) Não tem razão para controlar o Estado porque ele é responsável por tudo. Pelas estradas, pelos aeroportos, pela merenda escolar.”
Segundo ele, a definição do que é razoável depende da visão prevalecente na sociedade sobre o papel que os parlamentares têm na vida pública. No Brasil, essa visão ainda é imatura. Como exemplo, professor citou o episódio do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que recentemente foi parado em uma blitz da lei seca e se recusou a fazer o teste do bafômetro. “Pela lei você pode se negar a fazer o bafômetro. A população não se nega? Então o que a população pensa é: eu faria o mesmo."
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