Após décadas sem manutenção, as fachadas dos prédios centenários da rua Reina, no centro de Havana, ganharam cores vivas nos últimos dias. Mas só as fachadas.
Na véspera da visita do papa Francisco, trabalhadores faziam os últimos retoques em trechos que poderão ser percorridos pelo pontífice durante sua passagem pela capital cubana.
Via onde fica a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, a rua Reina – também chamada de Simón Bolívar – foi uma das mais beneficiadas pela visita.
Nos nove quarteirões entre a igreja e a avenida do Capitólio, sede do governo cubano até a Revolução de 1959, buracos foram tapados e edifícios, pintados.
Na última quinta-feira, uma escavadeira demolia e recolhia os escombros de um prédio em ruínas. Perto dali, operários consertavam vazamentos no asfalto.
A rua reformada contrasta com as vias perpendiculares e boa parte do centro de Havana, onde calçadas esburacadas e prédios degradados ficaram intocados.
Mesmo os edifícios pintados só receberam melhorias em suas partes mais visíveis: os fundos e áreas internas comuns continuam a exibir infiltrações e paredes descascadas, quando não prestes a desabar.
"É lamentável que tenham deixado Havana chegar a este ponto", diz à BBC Brasil um morador que pediu para não ser identificado.
"Quando eu era um menino dizia-se que vivíamos numa das cidades mais bonitas do mundo. Hoje há ruínas por todos os lados."
Para ele, quando o papa for embora, "tudo voltará a ser como antes e a pintura logo vai começar a desbotar".
Os trabalhos começaram há cerca de duas semanas e também coloriram trechos da rua 25, no distrito vizinho de Vedado.
Outros locais que serão visitados pelo papa na capital cubana são importantes pontos turísticos e recebem manutenção mais regular, entre os quais a catedral de Havana e a Praça da Revolução, onde Francisco celebrará uma missa na manhã do domingo.
Apogeu e declínio
Considerado patrimônio histórico da humanidade pela Unesco, o centro antigo de Havana foi fundado por conquistadores espanhóis em 1519. À beira de uma baía, a cidade logo ganhou um forte que a protegia de ataques de piratas.
A capital cubana tornou-se um importante centro portuário entre a Europa e as Américas e, a partir do século 18, passou a receber africanos escravizados que trabalhariam em fazendas de cana de açúcar no interior da ilha.
O comércio enriqueceu a cidade, e teatros e palacetes proliferaram.
Um novo ciclo de desenvolvimento teve início após a Guerra de Independência (1895-1898) com a enxurrada de investimentos americanos e a chegada de imigrantes de vários cantos do mundo.
Após a Revolução de 1959, Havana ganhou monumentos de inspiração soviética, e a arquitetura rebuscada das décadas anteriores deu lugar um estilo mais funcional.
Estatizados, muitos prédios residenciais deixaram de receber reparos regulares. O governo revolucionário tinha "motivos de maior urgência", descreve o engenheiro Michel Delgado Martinez em pesquisa que realizou pela Universidade Politécnica de Valência.
"Paradoxalmente, esse esquecimento a salvou de piores desastres", diz Martinez, referindo-se a temores de que a cidade tivesse sua arquitetura desfigurada pelos novos governantes.
Com o colapso da União Soviética e o embargo americano à ilha, a decadência se agravou.
Atrás de outras fontes de receita, o governo cubano se voltou ao turismo. Em 1994, lança-se um plano para a revitalização do centro velho de Havana, a cargo do Escritório do Historiador da Cidade e da Agência Espanhola de Cooperação.
Os investimentos recuperaram parte do bairro, especialmente o entorno da catedral de Havana.
Nos últimos anos, as reformas econômicas que facilitaram a venda de imóveis entre cubanos e a abertura de pequenos negócios também estimularam a revitalização de alguns edifícios pela cidade.
Grande parte da capital, porém, segue à margem das melhorias.
De passagem pela recém-reformada rua Reina, onde seu filho estuda, a enfermeira Mabel Sterling diz esperar que as melhorias logo cheguem à sua vizinhança.
"Há alguns anos não imaginávamos que um trabalho como esse pudesse ocorrer na cidade", ela diz. "Vivemos tempos de mudanças."
Para ela, as reformas em partes de Havana já fizeram "a visita do papa valer a pena".
"É preciso começar a consertar as coisas por algum lugar."