O coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, 80 anos, reconhecido como torturador em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi o primeiro militar influente que atuou no período da ditadura (1964-1985) a ser ouvido ontem pela Comissão Nacional da Verdade, instalada há quase um ano. "Não sou assassino. Apenas cumpri uma missão", esbravejou, surpreendendo a comissão, pois havia conseguido liminar em habeas corpus que lhe dava o direito de se calar.
Em um depoimento tenso, com direito a gritaria, em que ora se mostrava irônico, ora nervoso e irritado, o comandante do temido DOI-Codi em São Paulo nos anos 1970 disse que a presidente Dilma Rousseff participou de organizações terroristas. Insistiu que perseguidos políticos morreram atropelados ou em combates nas ruas. Em pouco mais de meia hora, negou ter violado direitos humanos na chefia do DOI-Codi.
De óculos escuros e bengala, Ustra encarou os flashes da imprensa e, por vias transversas, admitiu ser uma peça do aparato repressor: "Quem deve estar aqui não é o coronel Brilhante Ustra. Quem deve estar aqui é o Exército, que assumiu a ordem de combater o terrorismo".
Ele atacou a presidente Dilma Rousseff. "Cumpri ordens legais. O objetivo dos terroristas era a implantação de uma ditadura do proletariado, do comunismo. Isso está escrito no estatuto de todas as organizações terroristas, inclusive no das quatro que a presidente da República participou."
Dilma militou nas organizações Polop, Colina (Comando de Libertação Nacional) e VAR-Palmares (uma fusão desta com a VPR, liderada por Carlos Lamarca). Foi presa em janeiro de 1970 em São Paulo, condenada por subversão. Foi libertada em 1972, após série de torturas.
"Estou ciente que estamos lutando para preservar a democracia, para isso aqui não virar um Cubão", completou, usando verbos no presente. "Nunca ocultei cadáveres, nunca cometi assassinatos." O Palácio do Planalto não quis comentar.
Falas do coronel provocaram risos. Ele disse, por exemplo, que Frederico Eduardo Mayr, assassinado sob a ditadura, foi atropelado por um caminhão.
'Em nome de Deus'. O coronel assumiu ter controle total do DOI. "O comandante é responsável por tudo que sua tropa faz. Nunca ninguém foi estuprado dentro do órgão. Falo em nome de Deus a verdade." Quando foram expostos corpos de mortos da ditadura num telão, se irritou. Negou conhecer a "cadeira de dragão" - instrumento de tortura - e disse que gostaria de ver cadáveres de militares mortos pela esquerda.
Bate-boca. No momento mais tenso da reunião, Claudio Fonteles, integrante da comissão, leu dois documentos sobre 45 mortes dentro do DOI-Codi em outubro de 1973 e outras 47 em dezembro. "Esse documento 'secreto' foi publicado no meu livro", disse o coronel, irônico. Fonteles disse que ele usava o livro A verdade sufocada como "escudo". Ustra disse que os documentos foram manipulados.
"No meu comando, ninguém foi morto dentro do DOI-Codi, mas em combates (...) A mentira me revolta", retrucou Ustra. "Não é mentira", reagiu Fonteles. "Não foram santinhos, anjinhos. Foram mortos em combates nas ruas", disse Ustra. "Acabou, não falo mais."
Fonteles perguntou se Ustra faria uma acareação com o vereador Gilberto Natalini (PV-SP), que o acusou de tortura. "Não faço acareação com terrorista", disse Ustra. "O terrorista é você", gritou o vereador.
Marival. O ex-sargento Marival Chaves, subordinado de Ustra no DOI, contou à comissão que o órgão recebia subsídios da Ford, Volkswagen e Ultragaz. Disse que assistiu às exibições de corpos de Antonio Carlos Bicalho Lana e de Sonia Maria Moraes Jones, mortos e torturados. "Teatrinho" encobriam as mortes, disse. E as ordens partiam de Ustra: "Era o senhor da vida e da morte".