O PT, quando na oposição, foi o mais udenista
Estou correndo para conseguir terminar a gravação de voz para meu novo disco e viajar para a Bahia sem mais preocupações quanto a isso. Vou para o aniversário de minha mãe. Ela faz 105 anos, e eu não deixaria de ir mesmo que fossem 53.
A questão de concluir as vozes para o disco não se restringe aos três dias que são o mínimo requerido para eu ir do Rio a Santo Amaro e voltar: um adiamento desse tamanho se multiplica por pelo menos dez. Se você tem tudo pronto para mixagem e masterização num determinado dia, tudo pode correr de modo a termos o CD pronto para lançamento em X de novembro. Inclusive (muito importante) minha disponibilidade para realizar ou acompanhar os trabalhos de feitura de capa e encarte. Levando em conta tudo isso, três dias de adiamento podem significar mais de um mês de atraso para a entrega do disco. Não tenho muito tempo para pensar. Pelo menos para pensar em outras coisas.
As eleições se aproximam. Minha decisão por Freixo foi tomada, sem hesitação, logo que soube que ele era candidato. Ter confiança política em alguém por conhecer seu modo de agir no passado não significa abandonar a pesagem das circunstâncias e adotar um critério messiânico. Entro assim nesse assunto porque ele me veio à cabeça. Ouvi de amigos e conhecidos ponderações sobre os ganhos do Rio devidos à parceria de Paes-Cabral com Dilma-Lula, ou seja, com o governo central. E acabo de ler um panfleto pró-Paes que cita Aristóteles e Kant e desqualifica os eleitores de Freixo como “playboys neofascistas da Zona Sul”.
Uma amiga já tinha me escrito em e-mail que é eleitora de Aspásia (trata-se de uma moça que mantém um blog ecológico) e que não votaria em Freixo porque ele não atinge sua “sensibilidade Zona Norte”. Percebi nessa sua observação o efeito de definições, nascidas de resultados de pesquisas eleitorais, da candidatura de Freixo como um fenômeno “Zona Sul”. Mesmo porque as candidaturas verdes têm sido, até aqui, consideradas de modo semelhante. Vide Gabeira e Marina.
Bem, eu moro na Zona Sul do Rio. Mas não fui formado nesse ambiente. Minhas escolhas respondem mais a Santo Amaro e a Guadalupe do que ao Leblon. Mas a Zona Sul é Antonio Carlos Jobim fazendo “A felicidade”. É Carlos Lyra escrevendo “Você e eu”. Vinicius achando as rimas de “Maria Moita”. É sobretudo o ambiente que acolheu a batucada embutida no violão de João Gilberto — e que mudou a medula do samba, de Lúcio Alves aos mestres de bateria de escola de samba, passando por Beth Carvalho — tendo sido concebida em Juazeiro e desenvolvida em Diamantina. A bossa nova é fogo. Então, vamos deixar de crer que podemos desvalorizar o que brota ou viceja na Zona Sul.
Mas, se eu quisesse continuar usando a metáfora da bossa nova, o caso Freixo está mais para a batida de João Gilberto do que para as composições e arranjos de Tom. O mesmo para minha adesão à sua candidatura. Algo que vem se formando desde Santo Amaro e Niterói encontra primeiro receptividade entre alunos da PUC-Rio. O que não quer dizer que pare por aí.
Apoio Freixo como apoiei Brizola, Mangabeira, Gabeira e Marina. E também como apoiei Lula contra Collor. Na eleição Lula versus Serra, votei — e declarei voto — em Lula. Mas não com a mesma decisão interna com que apoiei os outros citados. Uma adesão semelhante a essas muito definidas se deu quando da candidatura de Ciro Gomes à presidência. Mas tal adesão não resistiu ao comportamento a um tempo afoito e desmotivado do candidato.
No caso de Freixo, estou seguro de que se o Rio der estatura à sua personalidade política demonstrará maturidade e saúde social. E sempre terminará obtendo ganhos. A começar pela situação imediata. Se Paes se elege sem contrapeso, contando com dezenas de legendas, dezenas de minutos na TV, poderosas corporações e a grande imprensa (no Rio isso se resume ao GLOBO), o Rio fica sem mostrar resistência aos abusos das empresas de transporte público, sem crítica ao desenho do metrô, sem exigência moral.
Nada disso significa que Paes tenha sido ruim para a cidade. Mas é preciso ser menos vulnerável aos epítetos “udenista”, “lacerdista” etc. que se aplicam a todo e qualquer esboço de critério ético para a atividade política. O PT, quando na oposição, foi o mais udenista de todos, exigindo ações ilibadas e coerência nas definições entre amigos e inimigos.
FH nunca encontrou entre os que agora elogiam a aproximação entre Lula e Sarney, Lula e Delfim, Lula e Maluf quem quisesse justificar seu diálogo com Sarney ou ACM.
Minhas escolhas são públicas. Não é do meu feitio escondê-las. Escolhendo Freixo, estou sendo fiel ao que aprendi com meu pai, minha mãe, meu povo.