Foram 20 minutos de agressões do marido, Luís Felipe Manvailer, antes de Tatiane Spitzner, morrer na madrugada de 22 de julho, em Guarapuava, no Paraná. No quinto país que mais mata mulheres, a discussão sobre denunciar casos de violência doméstica veio à tona com o feminicídio da advogada. Apesar de a Lei Maria da Penha estar em vigor há 12 anos, ainda é presente a cultura explicitada pelo ditado "em briga de marido e mulher não se mete a colher".
Na avaliação de Ilka Teodoro, diretora jurídica Artemis, ONG contra a violência doméstica, essa mudança de comportamento é um processo a longo prazo. "Quando a gente tem uma tradição de banalizar a violência contra a mulher, 12 anos ainda é um prazo insuficiente para mudar uma cultura. A gente está caminhando. Deu um primeiro passo, mas ainda leva tempo", afirmou ao HuffPost Brasil.
Diante das imagens de violência contra Tatiane e do aniversário de 12 anos da lei considerada um marco dos direitos femininos no Brasil, alguns brasileiros se mobilizaram para incentivar as pessoas a não se omitirem.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) destacou a frequência da violência doméstica no Brasil e orientou que as denúncias seja feitas pelo Disque 180, mesmo por terceiros.
A especialista Ilka Teodoro lembra que as denúncias podem ser feitas de forma anônima. Ela também esclareceu que ainda que a suspeita não se confirme, a pessoa que denunciou não será penalizada. "Se você denunciar uma situação de violência ou injustiça que você viu, você não vai ser processado por isso. O importante é não fazer acusações diretas a ninguém, mas denunciar casos que presenciar", afirmou.
Na avaliação da jurista, é importante deixar claro a diferença para que as pessoas se encorajem. "O importante é não deixar uma pessoa que está numa situação de vulnerabilidade desassistida", afirmou. Em situações como a de Tatiane, a orientação é ligar diretamente para a polícia, pelo 190. "Explica que está tendo uma agressão e que uma pessoa pode estar em situação de risco de vida", orientou.
No caso de medidas protetivas, como suspensão de arma do agressor, afastamento do lar, distanciamento da vítima ou auxílio de força policial, é a própria vítima que pede. A decisão pode ser tomada por um juiz em até 48 horas.
Tatiane Spitzner e feminicídio no Brasil
As imagens das câmeras de segurança do prédio onde morava Tatiane Spitzner e o marido mostram uma sequência de agressões. Um dos vídeos mostra que Luís deu dois tapas no rosto da esposa, ainda no carro, às 2h34 da madrugada do dia 22 de julho. A porta do carro é aberta, o homem puxa Tatiane pelos cabelos e balança a cabeça dela várias vezes. A advogada fecha a porta, o marido a agride mais uma vez e arranca com o carro.
Dentro da garagem, também é possível observar uma sequência de agressões. Em uma delas, Tatiane cai no chão e parece estar desacordada. Depois, ela tenta fugir do marido, mas não consegue. Dentro do elevador e no corredor do 4º andar, onde moravam, os atos de violência seguem. De acordo com investigadores, foram 15 minutos entre a saída do elevador e a queda de Tatiane do prédio, que levou à sua morte. A polícia chegou ao local às 3h04, após ligações de vizinhos do casal.
Para investigadores, se trata de um caso de feminicídio. "O Ministério Público não tem dúvidas de que houve o cometimento do feminicídio em face da vítima, Tatiane Spitzner, por parte do Luís Felipe Manvailer. E os elementos informativos colhidos na investigação nos fornecem essa convicção de que realmente a vítima sofria agressões progressivas que culminaram na sua morte", afirmou a promotora Dúnia Rampazzo, ao Jornal Nacional.
Luís fugiu do prédio, mas foi pego de madrugada. Em depoimento, ele negou que tenha cometido o crime. O caso de Tatiane não é exceção. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres. São 4,8 homicídios para cada 100 mil brasileiras. O Mapa da Violência de 2015 aponta que, entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram por sua condição de ser mulher. Do total de feminicídios registrados em 2013, 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.
A violência atinge mais mulheres negras. De 2003 a 2013, foi registrado um aumento de 190,9% na vitimização de negras, índice que resulta da relação entre as taxas de mortalidade branca e negra. Para o mesmo período, a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, saindo de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013.
Com a Lei do Feminicídio, aprova em 2015, matar uma mulher pela sua condição de mulher, passou a ser um agravante do crime de homicídio. A mudança aumenta a pena de um terço até a metade. Para definir a motivação, considera-se que o crime deve envolver violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Nenhum comentário:
Postar um comentário