A Polícia Federal colheu entre a última segunda-feira e hoje depoimentos de dez investigados na Operação Carne Fraca, deflagrada na semana passada para aprofundar a apuração de casos de corrupção envolvendo frigoríficos e fiscais do Ministério da Agricultura. Alice Mitico Nojiri Gonçalves e Rafael Nojiri Gonçalves, mulher e filho do suposto líder do esquema, o ex-superintendente do ministério no Paraná Daniel Gonçalves Filho, foram dois dos acusados que depuseram aos investigadores. Ambos foram alvos de mandados de prisão na operação.
Solta nesta quarta-feira por ordem do juiz federal Marcos Josegrei, responsável pelos processos da Carne Fraca, Alice Mitico confirmou que recebeu de um funcionário da Seara de nome “Fábio” ou “Flávio” um envelope em sua casa, destinado a Gonçalves Filho. Os grampos da operação da PF mostram Flávio Evers Cassou, que trabalha na empresa do grupo JBS, combinando com o ex-superintendente a entrega de uma “encomenda”.
Alice disse aos policiais não saber se o funcionário em questão era Cassou e que, tal qual o advogado José Yunes, o “mula involuntária” da Operação Lava Jato, recebeu o envelope, mas não abriu.
“Que diz que se recorda que um funcionário da Seara/JBS de nome ‘Fábio’ ou ‘Flávio’ teria deixado um envelope para Daniel Gonçalves filho em sua casa, que este fato ocorreu após uma ligação de Daniel Gonçalves Filho para a declarante dizendo que esta pessoa de nome Fábio ou Flávio passaria em sua residência para entregar um envelope; que diz não ter aberto o envelope recebido pelo senhor Flávio Cassou”, mostra o depoimento.
Nos autos da investigação, os policiais afirmam que se extrai dos grampos que “Alice Mitico está bem a par desta situação e recebe no lugar de Daniel os ‘agrados’ fornecidos por Flávio”.
“Flávio Evers Cassou atua como braço direito de Maria do Rocio e Daniel, participando ativamente de reuniões com os fiscais do Ministério a convite deles, e sempre está levando certificados de liberação de produtos/cargas da empresa que representa para serem assinados por ambos, tudo em troca de favores e ‘encomendas’ que Flávio regularmente entrega a eles, em suas casas, a fim de evitar suspeitas”, afirma a Polícia Federal.
R$ 30.000 em dinheiro para comprar imóvel
Conversas telefônicas interceptadas pela Polícia Federal também indicam, segundo os investigadores, que Alice Mitico foi à cidade de Foz do Iguaçu receber, em nome de seu marido, 30.000 reais em propina arrecadados pelo fiscal Antonio Garcez da Luz, “tendo depositado a quantia recebida na conta do filho do casal, a fim de evitar qualquer suspeita que pudesse recair sobre o Superintendente”.
Alice disse aos investigadores, no entanto, que seu filho, Rafael Nojiri, havia lhe repassado os 30.000 reais em dinheiro vivo para que ela fosse à cidade paranaense negociar a compra de um imóvel.
“Que perguntado se acha natural realizar compras de imóveis em espécie, a declarante informou que normalmente gosta de comprar propriedades em dinheiro, pois consegue um preço melhor na compra”, diz o depoimento dela.
Perguntada por que fez o depósito imediatamente após o suposto negócio ter sido frustrado, Alice respondeu que ficou com receio de “andar” com uma quantia elevada de dinheiro. “Que perguntado se a declarante não teve receio ou medo de viajar para Foz de Iguaçu com o valor em espécie a mesma informou que também teve medo, mas era uma prática comum porque gostava de fazer compras no Paraguai”, justificou em seu depoimento.
Em seu depoimento, Rafael Nojiri disse que recebeu uma ligação de sua mãe pedindo os dados de sua conta bancária para “devolver” os 30.000 reais, o que ele diz ter feito. Quando da deflagração da Operação Carne Fraca, os investigadores afirmaram que “a pronta disponibilização dos dados da conta bancária, sem qualquer questionamento acerca da finalidade, revela que Rafael tem conhecimento acerca da utilização da conta bancária de sua titularidade para movimentação de recursos da família”.
Outro lado
Por meio de nota, a JBS, que controla a Seara, afirma que “não há nenhuma medida judicial contra os seus executivos” e que “a empresa informa ainda que sua sede não foi alvo dessa operação”.
“A JBS e suas subsidiárias atuam em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias em relação à produção e a comercialização de alimentos no país e no exterior e apoia as ações que visam punir o descumprimento de tais normas”, diz a empresa.
“A Companhia repudia veementemente qualquer adoção de práticas relacionadas à adulteração de produtos – seja na produção e/ou comercialização – e se mantém à disposição das autoridades com o melhor interesse em contribuir com o esclarecimento dos fatos”.
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