A indicação do professor Luiz Edson Fachin para ocupar vaga no Supremo Tribunal Federal chamou a atenção pela demora. Com efeito, nada menos do que oito meses e meio se passaram entre a aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa e a indicação do jurista paranaense.
A indicação foi precedida de protesto do ministro Celso de Mello (de todos os ministros, o mais discreto) em sessão realizada em 26 de fevereiro de 2015. Disse o decano da Corte, quando foi suspenso um julgamento no Plenário, por empate de votos: “Essa omissão irrazoável e abusiva da presidente da República já está interferindo no resultado dos julgamentos. Novamente, adia-se um julgamento. Nós estamos realmente experimentando essas dificuldades que vão se avolumando. É lamentável que isso esteja ocorrendo”[1].
No entanto, para os que acompanham a vida política, o atraso por parte da presidente da República não é novidade alguma. O TRF-4 indicou aos 22 de agosto de 2011 o juiz Jorge Antonio Maurique para o cargo de desembargador federal e ele só foi nomeado aos 25 de janeiro de 2012. O advogado Agrimar Rodrigues de Araújo foi indicado por volta de 25 de março 2011, em lista tríplice do TRE do Piauí, tendo sido nomeado somente em 7 de dezembro de 2011. O STJ formou lista tríplice para o cargo de ministro em 29 de setembro de 2011, sendo que somente em 24 de maio de 2012 foi a desembargadora Assusete Magalhães indicada pela presidente ao Senado.
Diante de tal situação e de outros atrasos existentes, nos Tribunais da União de segunda instância (TRFs, TRTs e TREs), em fevereiro deste ano as três grandes associações de magistrados, AMB, Ajufe e Anamatra ingressaram no STF com “Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental” (ADPF 311), pedindo que fosse determinado à presidente da República “que passasse a exercer a competência de escolha e nomeação de membros dos tribunais de segunda instância da União e dos tribunais superiores no prazo máximo de 20 dias”[2]. O pedido foi indeferido pelo relator, ministro Teori Zavascki.
Todavia, os atrasos não ocorrem apenas nas nomeações do Poder Judiciário. Reportagem do jornal O Estado de São Paulo aos 22 de março passado, apontou ocorrências semelhantes em outros órgãos[3]. Por exemplo, o importante cargo de presidente da Autoridade Pública Olímpica, que coordena as ações da Olimpíada de 2016, acha-se vago desde 6 de fevereiro de 2015. A Comissão de Ética ficou desfalcada de um de seus membros em 2012, face à saída de Sepúlveda Pertence. Até a data da reportagem a vaga não havia sido preenchida.
Nas agências, órgãos reguladores de importância máxima, a omissão nas indicações é, ainda, mais grave. Reportagem da Folha de S.Paulo aos 19 de abril deste ano[4] apontou vacância de cargos e auditoria do TCU registrou que parte das decisões deixaram de ser tomadas ou foram tomadas por interinos, arriscando serem questionadas na Justiça. Na ocasião, a Anac tinha dois efetivos e três interinos. Na ANTT, um titular e três interinos, estes desde 2012. Na Anvisa, quatro cadeiras ocupadas e três vagas. Na Anatel, ANS e Ancine, idem. Na ANA, cinco contra dois e na Antaq, três contra dois. Como se vê, a situação é grave e os prejuízos são notórios, pois a administração emperra ou é decidida por uma só pessoa, como na Anac, onde o diretor-geral acaba tendo poderes extraordinários.
Expostos os fatos, vejamos o Direito. A Constituição Federal, no artigo 37, impõe à administração pública os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Por outro lado, o artigo 11 da Lei 8.429, de 1992, declara como ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão que atente contra os princípios da administração pública.
A doutrina diverge quanto ao alcance da previsão de cumprimento de princípios, sob pena de improbidade. De um lado, em posição francamente favorável, encontra-se o membro do Ministério Público paulista, Wallace Paiva Martins[5]. Em posição oposta, Mateus Bertoncini, membro do Ministério Público do Paraná[6]. A jurisprudência, no entanto, tem optado pela primeira hipótese.
O STJ, no AgReg 1319558-RS, após aceitar que o princípio da eficiência pode caracterizar improbidade administrativa, concluiu que ela não ocorreu no caso em julgamento, onde um prefeito manteve escolas em área rural pouco populosa.
A mesma Corte Superior, no Recurso Especial 699.287-AC, relatado pelo ministro Campbell Marques, envolvendo depósito de lixo irregular por prefeito de município do Acre, não só aceitou a existência da possibilidade de constituir improbidade administrativa a ofensa ao princípio da eficiência, como reformou acórdão do Tribunal local que havia rejeitado a inicial mandando que a ação civil pública se processasse.
Evidentemente, para atribuir-se a alguém improbidade por ofensa ao princípio da eficiência, é necessário ter-se fatos concretos. Com efeito, seria irresponsabilidade acusar um agente público, seja qual for a hierarquia, de ímprobo, por algo de somenos importância ou até mesmo por fato cuja existência escapa-lhe dos limites do possível. Por exemplo, não teria sentido atribuir-se ao presidente do Tribunal de Justiça improbidade, porque determinada comarca está com seus serviços em atraso.
Por isso, com razão afirma o administrativista Fábio Medina Osório que “os casos de improbidade associados à grave ineficiência funcional de agentes públicos serão, naturalmente, excepcionais, integrando uma pauta extraordinária cujos requisitos haverão de ser aquilatados cautelosamente pelos controladores”[7].
Diante do quadro fático apontado e do disposto nas normas, doutrina e jurisprudência, forçoso é indagar se os atrasos reiterados da chefe do Executivo Federal na nomeação para cargos públicos ou na indicação de nomes ao Senado podem ou não constituir improbidade administrativa. Evidentemente, a relevância do cargo exige prudência e análise dos fatos com muita técnica e pouca paixão.
Mas, de qualquer forma, o atual estágio de consolidação da democracia brasileira não permite mais que apenas prefeitos de municípios de secundária importância respondam ações por fatos tidos como de improbidade, por vezes até insignificantes.O tratamento deve ser o mesmo para todas as autoridades da República e dos três Poderes.
Resta, pois, indagar. Pode ou deve o Ministério Público Federal tomar alguma providência a respeito? As reiteradas omissões merecem apuração em Inquérito Civil, como prevê a Lei 7.347/1985 no seu artigo 8º, parágrafo 1º ? Será o caso de propositura de ação civil pública? Estas e outras dúvidas sobre a inédita situação precisam ser esclarecidas. É um direito da sociedade brasileira.
[1] http://oglobo.globo.com/brasil/celso-de-mello-chama-dilma-de-omissa-por-nao-indicar-ministro-do-stf-15448299, acesso em 21/5/2015.
[3] O Estado de São Paulo, ‘Caos’ trava indicações dependentes de sabatina, 22/3/03, A5.
[7] OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, p. 176.
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