Hugo Marques
VEREDICTO
Em dúvida, Dias Toffoli disse que ainda não vê motivo para impedimento,
mas decidirá sobre sua eventual suspeição “no momento oportuno”
(Alan Marques/Folha Press)
Sempre que lhe perguntam se participará do julgamento do processo do
mensalão — o escândalo de corrupção envolvendo políticos durante o
governo Lula —, o ministro José Antonio Dias Toffoli responde de maneira
evasiva. Antes de assumir o cargo de ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), em 2009, Toffoli foi advogado do PT, assessor jurídico do
então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e advogado-geral da
União. Para juristas, apenas essa relação funcional com o grupo acusado
de comandar o maior esquema de corrupção da história já seria um motivo
suficiente para que o magistrado considerasse a hipótese de se afastar
do julgamento, cujo início está previsto para maio. Existe, porém, outra
razão que deve precipitar a decisão do ministro: sua ex-sócia e atual
companheira atuou diretamente na defesa de três acusados de envolvimento
com o escândalo do mensalão, incluindo José Dirceu, apontado pelo
procurador-geral da República como o chefe da quadrilha.
Até 2007, quando assumiu a chefia da Advocacia-Geral da União, Toffoli
foi sócio do escritório Toffoli e Rangel, junto de sua companheira, a
advogada Roberta Maria Rangel. Antes disso, entre 2005 e 2007, Roberta
foi contratada por três réus do mensalão. José Dirceu usou os serviços
da banca para tentar barrar no Supremo o processo de cassação de seu
mandato. Por puro acaso, a ação teve Toffoli como relator, mas foi
arquivada sem que o ministro precisasse julgá-la. Já os ex-deputados
Paulo Rocha e professor Luizinho contrataram Roberta para se defender
das acusações de lavagem de dinheiro no próprio processo do mensalão.
Todos os três estão envolvidos até o pescoço na engrenagem corrupta
montada pelo PT que desviava recursos públicos para o caixa do partido,
subornava parlamentares e maquiava a roubalheira por meio de empréstimos
bancários fictícios e licitações fraudulentas no governo. Se participar
do julgamento, Toffoli vai ajudar a decidir o destino de três figuras
que já foram defendidas diretamente por sua companheira. Segundo
especialistas consultados, é um caso que pode configurar conflito de
interesses.
A lei determina que um juiz deve ser considerado suspeito — e,
portanto, impossibilitado de julgar uma causa — quando existirem entre
ele e uma das partes relações de parentesco, amizade ou vínculo
financeiro. Ele também deve ser afastado se já tiver representado uma
das partes em instâncias inferiores ou se seu cônjuge atuar como
advogado no processo.
Desde que foi nomeado ministro, há dois anos e meio, o magistrado é
perguntado sobre sua intenção de julgar o mensalão. Publicamente, sempre
se esquivou de responder. A pessoas próximas, já confidenciou que não
vê nenhuma restrição à sua atuação no caso. Essa postura tem provocado
desconforto no Supremo. Nos bastidores, colegas do ministro questionam a
postura de Toffoli e afirmam que sua ligação umbilical com o PT faz com
que seu eventual voto — qualquer que seja ele — seja visto com
desconfiança.
Procurado, o ministro disse, por meio de nota, que “não existe nenhum
impedimento de ordem legal” à sua participação no julgamento. Sobre uma
eventual suspeição, decidirá “no momento oportuno”. Toffoli informou que
já tinha conhecimento de que sua ex-sócia e atual “namorada” trabalhou
para José Dirceu e os ex-deputados Paulo Rocha e professor Luizinho, mas
que ele não mantém “amizade íntima ou inimizade capital com nenhum
deles”. A advogada Roberta Rangel não quis se pronunciar. “O juiz deve
se declarar impedido se um antigo cliente de sua mulher estiver sendo
julgado”, lembra o ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça Célio
Borja, falando em tese, sem conhecer os detalhes do caso. O afastamento
de um juiz para garantir a imparcialidade de um julgamento pode ser uma
decisão pessoal do magistrado ou se dar por solicitação dos réus ou do
Ministério Público. É uma questão preliminar que, certamente, ainda será
motivo de muita discussão.
CLIENTE 1
A procuração mostra que o ex-deputado Paulo Rocha contratou os serviços da sócia de Toffoli para defendê-lo das acusações de lavagem de dinheiro
A procuração mostra que o ex-deputado Paulo Rocha contratou os serviços da sócia de Toffoli para defendê-lo das acusações de lavagem de dinheiro
CLIENTE 2
José Dirceu também pagou pelos serviços de advocacia da sócia do ministro do Supremo quando tentava escapar do processo de cassação
José Dirceu também pagou pelos serviços de advocacia da sócia do ministro do Supremo quando tentava escapar do processo de cassação
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