Romário é tema de capa da edição de abril da revista Rolling Stone Brasil.
Abaixo, trecho da reportagem
Favela
do Jacarezinho, zona Norte do Rio de Janeiro, meados dos anos 50. O
rádio, aparelho sagrado nos lares brasileiros, está sintonizado no
prefixo PRE-8, no programa César de Alencar, o mais ouvido do Brasil. No
horário das 15h, a grande atração era intelectual: o fenômeno “Romário,
o Homem Dicionário”, célebre pelo vasto vocabulário, que para
amplificar o mistério em torno de si ornava a cabeça com turbantes
indianos e se fantasiava com vestes exóticas. A semana inteira, os
ouvintes estudavam palavras difíceis para desafiá-lo.
Qualquer um do auditório podia perguntar: “Seu Romário, o que significa ‘zíngaro’?”
Ele concentrava-se por instantes e respondia:
“Cigano, ou boêmio.”
“Uma salva de palmas!”, comandava Alencar. A claque delirava.
Outro desafiante tirava um papelzinho do bolso e investia:
“Me diga o que quer dizer ‘helíaco’.”
Em tom professoral, Romário respondia: “Diz-se do nascimento ou ocaso de um astro”.
Ninguém
jamais embolsou o polpudo prêmio que seria pago a quem apresentasse um
vocábulo desconhecido para o craque das letras. Reza a história de que
não houve sequer uma vez em que ele tenha errado. Romário era imbatível
com as palavras.
Dono de espirituosas tiradas, o
jovem Edevair de Souza Faria era tão fiel ao programa radiofónico
quanto ao América Futebol Clube, seu time do coração. Recém-casado com
Manuela Ladislau Faria, a dona Lita, ele buscava um nome importante para
batizar o filho que se encaminhava. E não pensou duas vezes em batizar o
rebento com o nome do ídolo do rádio. Romário de Souza Faria foi
escalado por “Papai do Céu” (como ele gosta de dizer) para entrar em
campo no dia 29 de janeiro de 1966. E, tal qual seu homônimo,
predestinava-se a acertar incontáveis vezes ao longo da vida. Mas, ao
contrário do imbatível Homem Dicionário, a errar outras tantas também.
“Sou
bem diferente do Homem Dicionário. Porque de vez em quando eu erro,
né?”, assume o baixinho, do alto de seu 1,69 m. Porém, não é preciso
dizer que a fama do proverbial “peixe” foi bem mais longe. Da Holanda ao
longínquo Qatar, nos Emirados Árabes, o nome de Romário – e suas
façanhas – correram o mundo. Apelidos não faltaram: “Gênio da Grande
Área”, “Reimário”, “Romágico”. Em 2001, sua marrentice foi satirizada na
Escolinha do Professor Raimundo de Chico Anysio, com a paródia
“Ramório”. Os fãs, para recordar os feitos heroicos nos 11 clubes para
os quais o jogador emprestou sua arte (cronologicamente: Estrelinha,
Vasco da Gama, PSV Eindhoven, Barcelona, Flamengo, Valencia, Fluminense,
Al-Sadd, Miami, Adelaide United e, realizando o sonho do falecido pai, o
adorado América, pelo qual disputou uma única partida), instituíram, em
11 de novembro de 2011, o “Romarian Day”.
Atualmente
fora dos gramados, palco habitado profissionalmente por mais de 20
anos, é no minado campo da política nacional que, até 2015, o deputado
federal Romário disputará suas partidas. Em uma chuvosa tarde de
terça-feira de março, ele está sentado relaxadamente em seu escritório
abafado de 40 metros quadrados, no anexo da Câmara dos Deputados. O
número do gabinete (411) alude ao cabalístico 11 da camisa com que
inúmeras vezes se sagrou campeão. Vestindo o amarelo da seleção, o
centroavante – escudado pelo parceiro Bebeto – foi o expoente decisivo
da conquista do tetra na Copa dos Estados Unidos, em 1994. Na estante no
canto, descansa uma réplica da Taça Fifa que ele levantou em 17 de
julho daquele ano.
Amaury Jr., veterano
colunista televisivo, também está na sala, e quer saber de Romário se
ele frequenta as baladas de Brasília. “Já tive bastantes fraquezas”, ele
confidencia. Durante o expediente, de terça a quinta-feira e sem hora
para terminar, o gabinete é assolado constantemente por políticos,
representantes de entidades e toda sorte de pessoas em busca de algum
tipo de apoio. Pedem desde autógrafos, cessão de imagem, passagens e, se
for possível, até dinheiro vivo. Em cima da mesa, uma pilha de objetos
(livros, fotografias, fardamentos oficiais) o aguarda para que neles
Romário eternize o autógrafo. A maior parte do material é relacionado ao
Vasco, flâmula com a qual os torcedores mais o identificam. O telefone
toca intermitentemente. Uma das ligações, revela a secretária, é de
Andrew Parsons, presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro. “Precisa
urgentemente falar com o deputado”, ela explica.
Coberta
por fios prateados, a cabeça de Romário não esconde a calvície. Em
2007, quando atuava pelo Vasco, a queda de cabelo chegou a levá-lo à
suspensão de 120 dias nos jogos do Campeonato Brasileiro. Tudo por causa
da loção Propécia (para o combate da queda de cabelo), que contém a
substância finasterida, proibida pelo Controle de Dopagem da CBF. “Se [o
remédio] fazia algum efeito era ao contrário, pois eu corria cada vez
menos e fazia menos gols. Até brinquei, na época, que era o ‘doping do
Paraguai’”, diz, acariciando a cabeça e esboçando um raro sorriso (na
verdade, ele é “tímido”, garante a assessora).
Na
ocasião, Romário está trajando um bem cortado terno Armani
azul-petróleo riscado com listras brancas. Embora tenha cursado dois
períodos de educação física na Universidade Castelo Branco (RJ), poucos
sabem que ele também estudou Design de Moda na faculdade Estácio de Sá,
visando ser “estilista de moda masculina e feminina”. É elegante e
vaidoso, mas não se considera metrossexual. E, ainda que carregue marca
de furo na orelha, ao menos na vida pública dispensou o clássico
brinquinho. Ligeiramente caídos e avermelhados, os olhos estão sempre
atentos, como se vigilantes, e a língua, levemente presa, permanece
afiada. Romário atende o celular, fala rapidamente e, após desligar,
volta-se em minha direção. “O cara ligou pra avisar que hoje vai ter uma
reunião pra decidir se vai ter uma reunião amanhã. Foda, né?
Nenhum comentário:
Postar um comentário