Atabaques, frutas, músicas, cores e estampas vibrantes. Apesar de característicos, os elementos não configuram nenhuma festa. O que acontece há 13 anos na cidade de São João de Meriti, e que tem atraído cada vez mais participantes, é uma missa afro. Na cerimônia, o sacerdote mostra que a alegria e o ritmo do continente africano são partes fundamentais para a comunicação com Deus.
A confusão com rituais das religiões afro-brasileiras é comum, mas os frequentadores da missa, na Comunidade São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, não veem problema na comparação.
— As pessoas falam que tem atabaque, mas muita igreja protestante tem atabaque e pandeiro. Quem vem de fora pensa que é macumba, mas é ignorância. Todos nós somos afro-brasileiros — explica a estudante Rosane Pereira Moura, de 24 anos.
O atabaque fica sob os cuidados do estudante Vítor Cosme Menezes da Silva, de 14 anos. Frequentador da umbanda, ele participa de todas as atividades da Pastoral Afro há dois anos.
— Um dia me convidaram para tocar e, desde então, me divido entre a igreja, a umbanda e a bateria da escola de samba Inocentes de Belford Roxo — ele brinca, mas ressalta: — Sou mesmo batizado na Igreja Católica.
Além das cores vibrantes e da música animada, características principais da missa afro, o momento do ofertório é muito diferente de uma cerimônia tradicional. Ao som de batidas africanas, as mulheres dançam com cestas de frutas, legumes e pães, que são divididas para todos eles ao final do ritual.
A alegria tem justificativa. Uma das coordenadoras da pastoral, Maria José dos Santos, de 59 anos, afirma que a própria bíblia orienta a forma como se deve cultuar a Deus.
— A bíblia diz “louvai ao Senhor com todos os instrumentos”. Eu acho que deveria ter até mais.
À frente do culto, o Frei Athaylton Jorge Monteiro Belo, o Frei Tatá, da Ordem dos Frades Menores (OFM), afirma que a missa afro faz com que o negro se sinta negro dentro da própria igreja.
— A igreja viu a necessidade de unir cultura e religião. No Brasil, existe a influência do candomblé, da umbanda. Nós não estamos misturando. Estamos aprofundando.
E a influência da cultura tem atraído cada vez mais fiéis. É o que garante Maria José:
— As pessoas vêm de muito longe para assistir à missa. A celebração é muito alegre, prazerosa. A música lembra nosso povo. Ninguém cochila.
No entanto, Frei Tatá assegura que apenas a cultura do continente africano influencia o ritual:
— Tem atabaque, falamos de Olorum (Deus nas religiões afro-brasileiras), mas as pessoas sabem que esse espaço é definido. A igreja conseguiu legitimar o ritual.
Para o sacerdote, a missa afro se propõe a enfrentar o desafio: o respeito interno na própria igreja.
— Antes de se falar de ecumenismo para fora, tem que se falar para dentro. Só queremos nosso espaço na igreja e ela tem espaço para todos.
E como não poderia deixar de ser, a missa atrai e agrada adeptos do candomblé. A ialorixá Olídia Lyra da Silva, a Mãe Torody de Ogum, do Ilê Axê Ala Koro Wo, acredita que o culto seja o caminho católico para que o homem e a mulher negros se sintam bem:
— A missa afro nos faz sentir representados. Quando criança, eu não sentia a aproximação do negro com Deus, nem percebia a imagem dele naquela oração. Hoje, a população negra quer uma igreja com a cara dela, porque acreditamos num Deus de alegria que tem na expressão corporal sua fé.
Além de ser realizada na comunidade São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, a missa afro também ocorre, mensalmente, na comunidade São José, na mesma cidade. Junto com outras 13 comunidades, elas integram a Paróquia São João Batista.
A cerimônia é apenas um um trabalhos da Pastoral Afro, entidade fundada em 1988 por ocasião dos 100 anos da Lei Áurea. Além da missa, a partoral promove cursos de idiomas e pré-vestibular gratuitos, e distribuição de cestas básicas para todas as famílias carentes.
Segundo Frei Tatá, a entidade destaca-se pelo engajamento nas causas sociais.
— Hoje, a juventude negra é a que mais morre de morte violenta no Brasil. A nossa preocupação é ser uma pastoral engajada que beba do evangelho e da força das comunidades.
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