Jaime Gold, 56, foi esfaqueado na ciclovia da lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões-postais do Rio. Após o crime, no dia 19 de maio, o policiamento foi reforçado na região
A onda de esfaqueamentos no
Rio de Janeiro, incluindo o caso de maior repercussão,
o da morte do ciclista Jaime Gold, 56, na última terça-feira (19), deu início a um jogo de empurra entre o prefeito Eduardo Paes (PMDB), o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e o presidente do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho.
A polêmica começou com uma entrevista de Pezão, no dia 20 de maio, quando ele criticou a ação do Judiciário. Em sua versão, a polícia "bateu recorde de prisões em abril, sendo que cerca de 60% eram menores". Porém, afirmou Pezão, "o policial entra por uma porta e a pessoa [o criminoso] sai pela outra".
"(...) E, quando fica preso, infelizmente, o desembargador dá uma liminar soltando todos. Se for para cumprir essa lei que está aí, a gente tem que discutir isso com toda a sociedade", disse ele, em entrevista ao jornal "Blog do Guilherme Araújo".
A declaração provocou a revolta do presidente do TJ-RJ. Para Carvalho, "não há relação de causalidade entre a morte trágica do ciclista" e a "ação da Justiça". Ele disse ainda que o Judiciário "não se exime de suas responsabilidades em relação à segurança pública" e classificou a entrevista de Pezão como uma "generalização que pode levar a raciocínios e compreensões equivocadas".
"Compreendo o desabafo do governador, mas não posso aceitar essa generalização perigosa (...) O que faltou, e isso é evidente pelo exame dos fatos, foi um policiamento ostensivo eficiente, que fosse preventivo e impedisse a barbárie", afirmou o desembargador, em nota enviada à imprensa no dia seguinte ao assassinato de Jaime Gold.
"O que a gente vê nesses casos é uma pessoa que sai armada de uma faca, agride, a ponto de levar essa pessoa à morte. Esse não é um criminoso que tem que ser tratado. É um delinquente que tem que ser tratado com a dureza da força policial. Não tem jeito. Isso não é um problema social", sustentou o prefeito.
A reportagem do Blog do Guilherme Araújo conversou com o antropólogo Lenin Pires (Universidade Federal Fluminense) e com o antropólogo e ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Paulo Storani sobre o confronto de versões entre autoridades públicas do Rio. Ambos afirmaram que, em geral, o impasse mostra a falência das políticas públicas de segurança, prevenção e enfrentamento da criminalidade. "É engraçado que esse disse-me-disse não existe quando os Poderes dialogam sobre arrecadação de impostos", ironizou Pires.
"Todos eles atuam em uma representação de que a segurança pública é apenas a punição. Não há qualquer responsabilidade quanto às políticas de prevenção. Além disso, falta uma integração entre as forças de segurança para que todos falem a mesma língua. Enquanto não existir essa integração, a sociedade continuará refém dos interesses individuais de cada um", completou o antropólogo da UFF.
Storani também argumentou sobre a carência de uma regulamentação específica, em nível nacional, para a área de segurança pública, que deveria incluir, de acordo com a opinião do especialista, a Guarda Municipal. "Embora a corporação não tenha essa função constitucional, o que a gente observa, na prática, é que a Guarda Municipal também é reconhecida pela população como um instrumento de segurança pública. A presença de guardas municipais nas ruas é importante porque ajuda a coibir o cometimento de delitos", explicou.
Na visão do ex-capitão do Bope, Paes, Pezão e o presidente do TJ têm uma "percepção limitada" do que é a segurança pública. "O policiamento precisa ser acompanhado de políticas sociais de prevenção, inclusão e educação. Além disso, existe uma necessidade urgente de revisão da norma jurídica. Erra o prefeito, erra o governador, erra, em parte, o desembargador do Tribunal de Justiça. Se o Judiciário solta, isso ocorre em razão da flexibilidade da lei", afirmou Storani.