BRASÍLIA - Entre os 41 deputados titulares escalados para a Comissão Especial da reforma política da Câmara, criada para elaborar leis que vão disciplinar o financiamento público de campanhas, estão parlamentares fichas-sujas, acusados de enriquecimento ilícito, que enfrentam ou enfrentaram problemas com a Justiça Eleitoral e são investigados, entre outras coisas, por uso de caixa dois em campanhas eleitorais em escândalos como o mensalão. O nome mais emblemático é o do deputado Paulo Maluf (PP-SP), que chegou a ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo na eleição do ano passado. No site da Interpol, Maluf aparece como procurado por desvio de dinheiro.
Não é preciso convocar doutor para falar sobre a reforma política
(
Vote: Qual é o tema mais importante da reforma política?)
Também foram indicados como integrantes dois réus de processos no Supremo Tribunal Federal (STF): Valdemar Costa Neto (PR-SP), que responde a processo no chamado mensalão do governo Lula, e Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que é réu no processo do mensalinho mineiro.
(
Relembre o escândalo do mensalão)
A lista de deputados também traz José Guimarães (PT-CE), que enfrentou processo de cassação do mandato quando era deputado estadual, sob acusação de uso de recursos financeiros não declarados na Assembleia Legislativa do Ceará. Guimarães apareceu na lista do empresário Marcos Valério, por receber R$ 250 mil de recursos não contabilizados para a campanha a governador do petista Airton Cirilo, no Ceará. Irmão do ex-presidente do PT José Genoino, Guimarães, entretanto, ficou famoso com o escândalo do dinheiro na cueca. Ele conseguiu ser absolvido pela assembleia e não é réu em processo, mas ficou conhecido no Brasil depois que seu assessor Adalberto Vieira foi preso em São Paulo com US$ 100 mil escondidos na cueca e mais R$ 440 mil numa mala.
“História política” credenciou Maluf Outro nome chama a atenção pelo parentesco: a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), filha do ex-governador Joaquim Roriz que teve a candidatura cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com base na Lei da Ficha Limpa.
A comissão terá como presidente o deputado Almeida Lima (PMDB-SE), que quando era senador notabilizou-se como um dos integrantes da tropa de defesa do então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em seu processo de cassação. O relator será o deputado Henrique Fontana (PT-RS).
- Eu não convivo com ladrões aqui na Câmara! Eu não considero Maluf ladrão! A Justiça não o considerou! O Legislativo não tem nada com isso. O problema é o Judiciário - rebateu Almeida Lima, frisando que a comissão não ficará desmoralizada com a presença de Maluf e os demais enrolados na Justiça.
Para o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), integrante da comissão, as indicações podem significar uma tentativa de desqualificar o debate sobre a reforma, mas isso se combate com argumentos.
- O fato de alguns serem réus enfraquece a opinião deles na comissão - disse Miro.
O líder do PSOL na Câmara, deputado Chico Alencar (RJ), critica as escolhas feitas pelos líderes partidários para composição da comissão.
- Começa mal uma comissão para qual os maiores partidos parecem não ter zelo absoluto na relação de seus indicados. Alguns deles notórios acusados em deslizes político-eleitorais - criticou Chico Alencar.
Indagado sobre a indicação de Paulo Maluf, o líder do PP, Nelson Meurer, afirmou por meio de sua assessoria, que a escolha de Maluf se deu em razão de sua história política: ele foi governador de estado, prefeito e candidato a presidente, além de ter sido eleito várias vezes com recorde de votos no país.
O líder do PR na Câmara, deputado Linconl Portela (MG), afirmou que a escolha de Valdemar se deu por ele ser um deputado experiente e que não pode ser condenado antecipadamente.
- O Valdemar é um deputado experiente. Ele é réu, não é culpado, não podemos antecipar a culpa. Será julgado. Não podemos penalizar o deputado de suas funções na Casa por ser réu - disse o líder do PR.
A comissão de reforma política da Câmara foi criada ontem pelo presidente Marco Maia (PT-RS), uma semana após a criação de comissão para a mesma finalidade no Senado. Assim como aconteceu no Senado, a sessão de criação e instalação da comissão contou com a presença do vice-presidente da República, Michel Temer, do presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, do vice-presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, e do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Há anos, a Câmara tenta votar uma reforma política sem sucesso. Henrique Fontana pretende debater o tema com a sociedade e convencer os brasileiros da importância do financiamento público das campanhas. Para ele, o financiamento público é possível, independente do sistema eleitoral que for escolhido e não apenas se o Congresso Nacional optar pelo sistema de listas partidárias fechadas (o voto na legenda, com a lista de candidatos decidida pelos partidos).
Entre os temas a serem discutidos estão a adoção do chamado voto distrital ou do distrital misto, em vez do voto proporcional usado hoje na escolha de deputados. Também volta à tona a discussão do chamado voto em lista, em que o eleitor vota na legenda e elege os deputados de acordo com lista preordenada pelo partido. Outro tema que retornará será a chamada “janela da infidelidade”, prazo para que os parlamentares possam mudar de legenda antes da eleição, sem que percam seus mandatos.
- Não é preciso convocar doutor para falar sobre a reforma política. Aqui todos sabem o que são os sistemas políticos que se colocam e todos sabem o que querem - defendeu o vice-presidente Michel Temer.
O ex-governador Newton Cardoso (PMDB-MG), que atravessou uma separação rumorosa com questionamentos sobre aumento patrimonial, também integra a comissão da reforma política.