Nesta segunda, a ministra Cármen Lúcia toma posse como “presidente” do Supremo Tribunal Federal. Se ela quisesse, a língua portuguesa, à diferença do que pensam muitos, a autorizaria a assumir como “presidenta”, já que esse cargo pode ser designado, em nosso idioma, como substantivo comum de dois gêneros, mas também se admitindo o feminino. Essa segunda opção embute aquele quê de demagogia afirmativa, que, no mais das vezes, nada quer dizer além da… demagogia afirmativa. Como a gente sabe, o debate de gênero não impede uma mulher de cometer crime de responsabilidade, não é mesmo? Vejam o caso de Dilma. Sigamos.
Cármen Lúcia é considerada uma pessoa austera, de hábitos simples, bastante econômica na prosa, e isso inclui os seus despachos oficiais. A Presidência do Supremo anda a precisar de um choque de credibilidade. O tribunal, infelizmente, vem de dois mandatos não muito felizes, depois de um período de comando sereno, a cargo de Ayres Britto. Joaquim Barbosa, aposentado precocemente por vontade própria, e Ricardo Lewandowski não deram o seu melhor à causa. Ou deram, vai saber…
Barbosa sempre deixou que a deusa Ira ocupasse o lugar que deveria ser da Serenidade. Não é segredo pra ninguém que é do tipo que não tolerava e não tolera divergência. Tem lá seus entendimentos, como dizer?, bastante idiossincráticos sobre direito, Justiça e política. Há alguns dias, pronunciou-se em português, inglês e francês sobre o processo de impeachment no Brasil e falou bobagem nos três idiomas, sugerindo uma espécie de conspiração. Ninguém entendeu direito o que queria dizer. E duvido que ele próprio tenha entendido.
Um de seus antípodas – e ele os tinha aos montes no tribunal – o sucedeu, segundo as regras, no comando da Casa: Ricardo Lewandowski. Ninguém, como este, deu tanta atenção às questões corporativistas. Com o ministro, reclamos dos juízes ou da OAB sempre encontraram ouvidos especialmente atentos. Não duvidem: entre os cofres públicos e os cofres dos de sua estirpe, Lewandowski escolherá sempre os interesses destes últimos.
Na condição de revisor do processo do mensalão, não custa lembrar, o doutor esticou o prazo até onde lhe foi dado chegar. Soube jogar com o calendário, mas, vá lá, ainda assim, operou nos limites das regras do jogo.
Por artes do destino, coube-lhe presidir o julgamento de Dilma Rousseff no Senado. Tudo parecia caminhar conforme o figurino até o momento da grande indignidade. Atendendo a uma articulação de peemedebistas e petistas, da qual ele próprio foi parte ativa, tomou uma decisão que ultrapassou as raias do absurdo; O HOMEM DECIDIU FATIAR UM TRECHO DA CONSTITUIÇÃO. Aceitou um destaque que separava a cassação do mandato de Dilma de sua inabilitação. Como se a Carta abrigasse tal possibilidade.
O comportamento levou o Movimento Brasil Livre a entrar com uma denúncia contra ele no Senado, defendendo o seu impeachment. Foi de pronto rejeitada por Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente da Casa. Outro absurdo: Renan também fez parte da articulação.
Desde a redemocratização, deve ter sido o momento mais indigno da corte suprema do país. E, se querem saber, não me espanta que Lewandowski tenha sido o seu protagonista.
Ainda que procedam as especulações de que a própria cúpula do governo Temer tenha condescendido com o expediente ou mesmo o tenha planejado, ao presidente do Supremo cumpria zelar pela Constituição. E ponto final.
Foi uma vergonha!
Que a circunspecta Cármen Lúcia consiga pôr as coisas no seu devido lugar. O Supremo não pode mais conviver com esses rasgos de indignidade.
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