“Sr. Presidente. Permita-me, antes de ler o compromisso, que entregue a Vossa Excelência a minha declaração de bens” (veja vídeo abaixo). Foi desta forma, em 29 de dezembro de 1992, que Itamar Franco tomava posse como o presidente da República diante do Congresso Nacional após a renúncia de Fernando Collor em meio ao processo de impeachment.
O gesto de Itamar não fazia parte do protocolo, mas foi simbólico sobre a legitimidade que o político mineiro, alçado à presidência, buscava da sociedade em 1993. Em 2016, entretanto, a Lava Jato assusta Brasília a cada dia e torna tal postura um tanto quanto impensável entre os possíveis sucessores de Dilma Rousseff. Essa pulga atrás da orelha da sociedade – e do mercado – paira como uma nuvem negra sobre aqueles que apostam em um novo governo.
Pedro Pereira Carneiro, diretor e gestor da Patrimonial Asset, se recorda do comportamento dos investidores àquela época, quando era trader no Pactual. “A visão era que Collor estava modernizando o país com privatizações e abertura. Ele parecia mais pró-mercado e, portanto, a bolsa reagia mal ao impeachment. Mas, devido à falta de apoio dele, a reação começou a ser ao contrário porque ele perdeu a legitimidade. O mercado entendeu que era melhor um novo governo”, explica.
“A transição no impeachment do Collor foi bem-sucedida porque ele renunciou”, se recorda Alkimar Moura, professor da Fundação Getúlio Vargas, e ex-diretor de política monetária e de normas do Banco Central em 1994 e que também participou da equipe de preparação do Plano Real. “A grande surpresa foi o presidente Itamar Franco. Ele chamou o Fernando Henrique Cardoso, que montou uma equipe, e forneceu como um sustentáculo. Além disso, teve o apoio que Itamar teve dos partidos”, diz Moura.
Hoje, lembra Carneiro, a diferença é que Dilma Rousseff tem mais apoio partidário do que Collor, que fazia parte do nanico PRN. “A outra incerteza que emerge, no processo atual, é que Itamar não tinha denúncia contra ele e era mais fácil formar um governo de coalizão. Hoje temos a Lava Jato, que deixa as coisas fora de controle”, diz Carneiro. Na sexta-feira, o ex-governador do Ceará, Cid Gomes,protocolou um pedido de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer.
Gomes cita a operação Catilinárias, realizada em uma das fases da Lava Jato, onde levantou-se a suspeita que o ex-diretor da OAS Leo Pinheiro fez pagamento de R$ 5 milhões a Temer, conforme sugere mensagens trocadas entre o executivo, hoje condenado, e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Outro pedido, feito pelo advogado Mariel Marley Marra, de Minas Gerais, chegou a ser analisado pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), conforme mostrou o vazamento de um voto em que ele aceitava a inclusão de Temer no processo de impedimento em curso contra a presidente Dilma.
Crise econômica
Afora a discussão política, economistas e investidores se questionam sobre qual será a capacidade de um novo governo mudar o rumo da política econômica do país, que está mergulhado no maior período recessivo de sua história. A participação do Brasil no PIB mundial encolheu de 4,1% em 2011 para 2,2% em 2015. De acordo projeções do Economist Intelligence Unit, da revista britânica The Economist, em 2017, a fatia cairá a 1,6%.
“A crise econômica é profunda e é difícil para qualquer presidente resolvê-la. Há pouca evidência que um novo governo teria o apoio necessário para prosseguir com as reformas. Além disso, o escândalo da Petrobras continua a crescer, e é provável que ele também se relacione com o novo governo com o andamento das investigações”, opina Lisa Alexandersson, economista do Nordea Bank. Envolvida pela euforia com o impeachment, a Bolsa subiu 15% no primeiro trimestre.
“Apesar de os mercados estarem especulando sobre o sucesso do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, o resultado disso não está claro com Lula ainda sendo o ex-presidente vivo mais popular na história do país”, analisam Eugenio J. Alemán e Erik Nelson, economistas do Wells Fargo. Em 1993, após a mudança de governo, a expectativa da comunidade empresarial melhorou substancialmente, provavelmente por conta da esperança de melhores políticas, pontuam os estrategistas do HSBC André Carvalho, Jaime Aguilera, Francisco Schumacher e Marina Valle, em relatório.
“O mercado de ações disparou 75% nos 12 meses após a renúncia de Collor. A confiança dos empresários melhorou por quatro meses e depois voltou a cair”, avalia o HSBC.
A recuperação poderá funcionar como uma faísca para o início de uma recuperação econômica e isso só se sustentará com o retorno real do debate acerca do ajuste fiscal. Porém, como lembra o deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS), “o debate está ainda muito concentrado no político”. O partido Rede lança nesta terça-feira (4) uma campanha para pedir novas eleições presidenciais em outubro. A máxima da política "a week is a long time in politics*" (uma semana é muito tempo na política) se encaixa muito bem para momentos de turbulência e disputas partidárias, mas em Brasília uma noite é o suficiente para a capital virar de cabeça para baixo. Além disso, ninguém sabe o que sairá do bolso do paletó de Michel Temer.
Itamar Franco assume a presidência (Trecho do vídeo a partir de 9')
*frase de Harold Wilson, ex-primeiro-ministro da Inglaterra
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